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A falta que faz um Instituto de Cultura Brasileira no exterior
PublishNews, Pedro Almeida, 23/03/2018
Em sua coluna Pedro Almeida lança um olhar sobre a experiência de outros países em criar institutos que levam a sua cultura para o exterior e se pergunta: por que o Brasil não investe nisso?

Depois de muitos anos acompanhando (e invejando) as atividades realizadas pelos diversos órgãos que promovem a cultura de seus países no Brasil, ainda me pergunto: por que até hoje não temos nada parecido? Tratam-se de instituições essenciais para qualquer nação que deseje ampliar sua influência política e cultural e negócios no exterior, o seu soft power... Não trago aqui a resposta, mas aponto a relevância destes órgãos, as atividades que realizam e porque, mesmo nações que já possuem grande influência internacional, mantêm redes enormes desses núcleos para a promoção de sua cultura no estrangeiro, e continuam apostando na importância econômica da exportação de sua cultura.

De início, vale uma comparação: é de espantar ver Portugal, que tem população 20 vezes menor que a do Brasil e 10% de nosso PIB, mantenha 71 Centros do Instituto Camões pelo mundo, enquanto nós não temos nenhum.

Este instituto, que atualmente leva o nome do seu mais famoso escritor português, foi criado em 1929, com o objetivo de promover a língua e a cultura portuguesa no exterior, e coordenar a política cultural externa de Portugal (hoje chamado de Diplomacia Cultural). Já contam-se quase 90 anos de atividades, então dá para imaginar como estamos atrasados. Clicando no link você confere a lista com as 71 unidades.

Por que o Brasil não investiu em nada semelhante até hoje?

Há diversas questões e motivos que concorrem para isso. Creio que se trata de uma combinação de falta de visão sobre a importância da promoção da cultura para aumento da influência mundial com a incapacidade de elaborar e gerir um projeto consistente, com objetivos práticos e que possa apresentar resultados. No decorrer do artigo pretendo evidenciar isso. Mas ainda há um problema especialmente brasileiro, a corrupção econômica e o desvio de finalidades. Criar um órgão destes no exterior, diante de tanto despreparo na indústria cultural hoje*, tem tudo para naufragar. Essa mentalidade estatal de usar os órgãos para acomodar indicações políticas, recheando-os de afilhados em cargos comissionados e membros de partidos, só faria inflar ainda mais a máquina pública, sem qualquer compromisso com resultados.

Se fossem criados hoje, rapidamente seriam transformados em espaços dos partidos, reservados, na melhor das hipóteses, a intelectuais amigos sem histórico com a causa social da Educação e da Cultura. Então, não vejo caminho de gritar pela sua criação até que se reforme o Estado, ou se, desde a criação do seu estatuto, elimine a possibilidade de indicação política para estes espaços, o que também atrapalha a execução de um plano de longo prazo.

*. Apenas para citar, basta ver o escândalo que já envolveu a Lei Rouanet, usada para custear até festas de casamentos luxuosas ou mesmo propostas de projetos de interesse muito restrito/particular ou na Lei do Audiovisual, que em nome da diversidade regional, opta por financiar projetos mais mal avaliados, apenas por terem sido inscritos em regiões como Norte e Nordeste. O cinema brasileiro é ainda tão pouco relevante, que seria melhor primeiro aumentar o público que apostar em filmes que tendem a ser grandes fracassos (pois já partem de roteiros ruins) e ninguém irá ver. É como apostar na diversidade regional antes de apostar na qualidade do próprio cinema, que deveria ser o foco central de uma política para o cinema nacional.

Porque vários países mantêm esses institutos no estrangeiro?

O que Portugal ganha investindo nos centros culturais? Imagine o tanto de dinheiro gasto na manutenção das unidades e nas atividades em 71 unidades pelo mundo. Apoiando e promovendo manifestações artísticas e culturais relacionadas à língua portuguesa no estrangeiro, levando artistas e mantendo diversos programas de ensino do Português, seja para uso geral, ou para fins específicos, nas áreas de negócios, fins jurídicos, para jornalistas e ainda de escrita criativa via EAD. E que ainda oferece anualmente bolsas de estudos, programas de formação de professores, cursos de especialização, enfim, a lista é enorme. Mas reparem o foco dessas atividades. São sempre práticas: para realizar negócios, fechar acordos, contratos e ampliar o número de falantes, tradutores e leitores no estrangeiro.

Uma breve pesquisa para saber que outros países mantêm institutos de suas línguas e culturas e vamos descobrir que isso não é coisa de país emergente. Quem mais investe na diplomacia cultural são os países que já possuem o soft power no topo, e sabem que isto retroalimenta toda a cadeia da economia de seus países.

Vamos aos principais:

Estudantes participam de evento no Instituto Camões
Estudantes participam de evento no Instituto Camões

Espanha – Instituto Cervantes – Está presente em 7 capitais no Brasil e possui 76 unidades espalhadas no Mundo. Apesar de ter sido criado na Espanha, o instituto tem como finalidade, apoiar artistas dos diversos países que falam espanhol quando estão no exterior e realiza eventos em parceira com museus, galerias, teatros, editoras, etc

Alemanha – Goethe-Institute – Em 90 países e 5 unidades no Brasil. É um polo de cultura alemã que faz a ponte entre o país e viajantes/estudantes. Possui um dos mais consistentes programas de apoio a traduções de livros de autores alemães no Brasil.

Festival de cinema alemão realizada pela Aliança Francesa
Festival de cinema alemão realizada pela Aliança Francesa

França – Aliança Francesa – Possui cerca de 1031 unidades em 137 países. O número de unidades se destaca, mas há um bom motivo. Elas são como franquias e apenas 5% de seus gastos são custeados pelo Estado. O restante é obtido por parcerias com empresas privadas, em especial as francesas, que tem interesse em patrocinar atividades naqueles países. Tem entre seus fundadores Jules Verne e Louis Pasteur, em 1883 e hoje, atendem a 440.000 estudantes anualmente.

Inglaterra – British Council – Fundado em 1934, possui mais de 200 escritórios em 100 países. Percebe-se neste um traço fortemente voltado ao intercâmbio cultural, de formação e proficiência na língua e para realização de negócios entre os países.

EUA – Não possuem um instituto cultural com as mesmas funções, talvez em virtude de a cultura norte-americana ser bastante difundida pela TV, Rádio e Cinema por quase todos os outros povos. No entanto, eles têm uma Câmara de Comércio focada em fazer sua política comercial entre países. Criada em 1912, há 117 escritórios em 103 países.

E poderia me estender falando de outras nações como Itália, Finlândia, Noruega, Turquia, Emirados Árabes, Canadá, Japão, China...

Programa educação global conduzido em parceria com o British Council no Sri Lanka
Programa educação global conduzido em parceria com o British Council no Sri Lanka

Estes institutos promovem cursos para interessados em aprender o idioma, realizam eventos que promovem sua música, culinária, literaturas, danças, teatro, cinema, enfim. Funcionam como a porta de entrada à cultura de seus países no estrangeiro para quem quer conhecer um pouco mais ou se preparar para visitar, viver lá, estudar, realizar negócios, etc.

Enquanto reunia informações para este texto, ouvi falar que algumas embaixadas brasileiras supriam a falta desses Institutos. Então fui pesquisar nos sites oficiais do Itamarati e o que encontrei é de causar vergonha. Há notícias de algumas que realizam minicursos, muito esporádicos, para interessados em aprender o português com uma aula semanal e duração de poucos meses e algumas outras atividades bastante simplórias. Uma boa parte delas realizadas por voluntários! Que vergonha! Somos uma nação grande, rica, e que deveria ter a medida da importância desse investimento. A crítica não se refere às Embaixadas, que, já soubemos, tem orçamento curto e, num tempo recente, chegaram até mesmo a atrasar pagamento de aluguéis dos prédios que ocupam por falta de repasse de orçamento, o que tornou a nossa incapacidade de gestão internacional estampada em noticiários de todo mundo.

A inundação de autores portugueses no Brasil

Todos devem ter notado o aumento impressionante de autores portugueses que passaram a ser editados no Brasil na última década. É preciso avisar: não foi fruto de uma descoberta aleatória de uma nova linhagem especial de ótimos autores, mas de um programa efetivo, comercial e prático de incentivo à promoção da literatura portuguesa aqui. As editoras brasileiras passaram a inscrever os projetos dos livros que desejam editar e recebem subsídios do governo português que cobrem entre 20% e 60% do custo da publicação. E o programa se encarrega ainda de pagar os direitos autorais de seus autores. Nomes portugueses que eram pouco conhecidos do grande público brasileiro uma década atrás, hoje estão presentes nas prateleiras das livrarias com amplo destaque: Valter Hugo Mãe, Manuel Alegre, Gonçalo M. Tavares, Antonio Lobo Antunes, José Luiz Peixoto, Miguel Torga, Lidia Jorge, Rui Lage, Mario de Carvalho...

Trata-se de um investimento muito baixo frente ao retorno de se ter um promotor da cultura de seu país no exterior.

***

Sei que o tom do artigo é de crítica, podendo soar desanimador, mas não é esse meu objetivo. Desânimo com a causa da cultura deve afetar mais frequentemente os burocratas. No meio dos promotores culturais, grupo composto por quem cria, empreende, edita, dá aulas, monta peças, dirige e lança projetos, há abundância de idealistas, que é algo que falta dentre os cabeças do país. Menos política partidária e mais compromisso com a Cultura. Menos projetos personalistas, que carregam nomes próprios e servem apenas para marcar uma gestão, mas que a gente sabe, não irão adiante no momento em que muda o comando. Falta um plano diretor para a Cultura, políticas reais de Estado, para que não fique à mercê dos governos passageiros.

Escultura homenageia Machado de Assis na entrada da Academia Brasileira de Letras
Escultura homenageia Machado de Assis na entrada da Academia Brasileira de Letras
Em tempo. Entre 2004 e 2005 o Brasil iniciou conversas para criação do Instituto Machado de Assis, que teria um propósito semelhante aos citados neste artigo. Alguns encontros, algumas reuniões e nada seguiu adiante. Na apresentação e demais documentos disponíveis na internet, pode-se notar um foco na questão da língua e variações linguísticas. A meu ver é bastante equivocado. Foco no estudo da língua quem deve ter são as universidades de humanas dentro do país. No exterior, precisamos de algo mais prático, empreendedor e comercial. Nesse documento não há nem menção de ajudar empresas a fazer negócios com o Brasil ou formar tradutores da língua no exterior. Criar um instituto focado em propósitos puramente linguísticos não irá nos levar a lugar algum. Lembro de uma entrevista em que Nélida Pinon dizia que a Cultura brasileira nunca deixou de ser periférica. Percebo que nós nos contentamos em falar para nós mesmos e não há forma de promover de verdade o nosso idioma e termos autores reconhecidos internacionalmente se toda nossa discussão se mantiver dentro do mundo lusófono. Se quisermos situar o português num cenário internacional precisamos fazer a nossa parte. É muito injusto deixar essa conta nas costas dos Portugueses.

Aqui o link das reuniões citadas.

O que precisamos é de atitudes mais práticas e menos filosóficas.

No próximo artigo irei falar sobre como se faz um Prêmio Nobel de Literatura.

Se quiser fazer comentários, sugestões, correções ou acrescentar informações, escreva aqui.







Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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