Bibliotecários contra Bezos
PublishNews, Leonardo Neto, 10/04/2017
MinC volta atrás no convite à Amazon de participar de grupo de trabalho que vai debater a Lei do Depósito Legal, mas não sem antes suscitar a ira de bibliotecários


Em março, Alex Szapiro, country manager da Amazon no Brasil, comboiou uma turma a Brasília para uma audiência com o ministro Roberto Freire, da Cultura. Na pauta, segundo a própria Amazon disse ao PublishNews: “iniciativas que favoreçam a democratização do acesso aos livros”. Só que, durante a conversa, surgiu o convite para a Amazon integrar o Grupo de Trabalho (GT) que vai discutir e propor mudanças na legislação referente ao depósito legal e à inclusão da guarda de publicações digitais. Durante a reunião, Cristian Santos, diretor do Departamento do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), do MinC, explicou que a lei 10.994, de 2004 e em vigência, “está bastante atrasada em relação aos países de primeiro mundo, porque não contempla documentos digitais. Hoje, ela estabelece que a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) é responsável pela custódia, guarda e disseminação apenas daquilo que é publicado em papel".

O assunto, claro, afeta a Amazon, já que, além de ser varejista, a gigante de Seattle é casa de autores autopublicados, que lançam seus livros pelo KDP, a sua plataforma de autopublicação. Em um exercício de imaginação, prevendo que ocorram as mudanças na lei e o “depósito” de e-books passe a ser obrigatório, como hoje acontece com os livros impressos, a Amazon poderia ser obrigada a enviar um “exemplar” de cada e-book publicado pelo KDP.

Mas, o convite resultou em grande reboliço e insatisfação por parte de bibliotecários, em especial daqueles que trabalham na FBN. Uma das primeiras reações foi a de Luciana Grings, coordenadora de Serviços Bibliográficos, setor responsável pelo depósito legal na FBN. Em entrevista ao portal Biblioo, ela disse que se sentia “muito triste de saber que essa ação [a de convidar a Amazon a participar do GT] foi tomada à revelia da Biblioteca Nacional, que é a figura central da legislação do depósito legal. Fiquei ainda mais impactada por saber que a questão do processo do grupo de trabalho tem um colega [referindo-se a Cristian] envolvido diretamente, que tem esse braço da biblioteconomia e não procurou os bibliotecários e colegas da Biblioteca Nacional”. Ainda sobre o convite para participação da Amazon no GT, Luciana disse acreditar que “seja totalmente impertinente porque a questão do depósito legal tem a ver com patrimônio, preservação e memória. A Amazon é um braço mercadológico e não tem a menor pertinência um ente do mercado vir a discutir questões relativas a patrimônio”.

A coisa pegou fogo mesmo porque, depois desse pronunciamento, Luciana foi afastada do GT, segundo denunciou a Associação de Servidores da Biblioteca Nacional, que publicou, na última quinta-feira (6) uma carta de repúdio endereçada ao MinC e já assinada por mais de 1.500 pessoas. No documento, a entidade sustenta que o “depósito legal é um poder-dever concedido à FBN” cujo objetivo é “a preservação da memória bibliográfica do Brasil”; que os debates para atualização da lei estão sendo conduzidos de forma desrespeitosa pelo MinC e que é enfaticamente contrária “à inserção de uma empresa privada de fins comerciais em diálogos que envolvam a manutenção do patrimônio público brasileiro”.

No sábado passado (8), veio a resposta. Em um post no seu perfil no Facebook, Cristian afirma que manteve “um primeiro contato com a FBN, por meio de sua presidência, propondo criar um grupo de trabalho destinado a discutir caminhos para que o depósito legal no país pudesse alcançar um nível de excelência, tanto em relação à captação das fontes bibliográficas, quanto em contemplar, efetivamente, fontes de natureza digital” e que, reconhecendo o “protagonismo da FBN na temática”, convidou, “por meio de ofício, além da FBN, entidades altamente representativas, que poderão contribuir com a discussão de um tema que afeta, seguramente, toda a sociedade brasileira”.

Ainda de acordo com Crsitian, o GT terá na sua composição, além de representantes da FBN, membros do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), da Universidade de Brasília (UnB), da Câmara dos Deputados, da Biblioteca Nacional de Brasília (BNB), da Câmara Brasileira do Livro (CBL), da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB) e um bibliotecário representante das bibliotecas públicas.

Por fim, Cristian afirma que o MinC voltou atrás no convite e que “nem a Amazon, nem qualquer outra empresa transnacional de comércio eletrônico, comporá o GT, o que não impede que alguma possa ser contatada, em função de sua expertise no tratamento de temas afetos ao GT, em especial questões envolvendo documentos digitais”.

O PublishNews apurou que o ministro Freire assina logo mais, no início da tarde desta segunda-feira, a portaria que formaliza o GT e a Amazon não está na composição do grupo.

Tags: Amazon, MinC
[10/04/2017 11:48:34]