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Filmes que retratam o mundo com os livros
PublishNews, Pedro Almeida, 14/03/2017
Sim, ter um livro que vai virar filme é ótimo, mas como “pegar essa carona”? Pedro Almeida responde

A relação livro-filme nunca esteve tão próxima como nos últimos anos. E não me refiro apenas do hoje: vem muito mais por aí. Como o mercado editorial internacional trabalha sempre com uma antecedência média de 24 meses, nós, editores, temos recebido cada dia mais informações sobre mais obras com os direitos vendidos para cinema e TV.

Antes, é preciso explicar algumas ideias alardeadas de senso comum:

1. Nem todo livro que tem direitos comprados para cinema ou série são transpostos para as telas. Menos da metade dos que tem os direitos comprados são realmente filmados.

2. Nem todo livro que tem os direitos comprados para filme ou série são bons ou passam a vender mais por conta desta notícia. A venda do roteiro para o cinema não é uma garantia de qualidade. Mas, sim, é um ótimo sinal de que o tema / história possui apelo para um grande público.

3. Nem todo livro que vira filme ou série consegue aproveitar a carona do filme ou série: dependerá de se tornar um grande blockbuster. Às vezes, o cinema ou a série destrói a venda do livro. Há alguns casos de um livro vender menos depois do lançamento nos cinemas.

Há inúmeras curiosidades acerca dessa relação – livro & filme. A meta de um editor que precisa recuperar o investimento na produção de um livro é encontrar um livro que una qualidade e muitos leitores em potencial. Por que isso? Porque há livros maravilhosos que não vendem por motivos diversos. Há autores geniais de alta literatura que, se forem lançados por pequenas casas ou produções independentes, não vão deixar de serem geniais mas passarão despercebidos por todos: imprensa de alta literatura, curadores de eventos, pelo público. É sempre um sofrimento para quem analisa não editar um livro pelo qual se apaixonou, encontrou valor e originalidade, mas que outros aspectos tornam a aposta arriscada.

Mas voltemos à transposição do livro para telas, que pode ter um elemento impulsionador imenso.

Sim. Ter um livro que vai virar filme é ótimo, mas como “pegar essa carona”?

Alguns estúdios são tão burocráticos que não liberam a capa para uso. Outros, cobram uma taxa pelo uso da imagem. Felizmente alguns entendem que o livro impulsiona o filme, as matérias, a boa publicidade etc.

O timming é outro ponto importante: numa regra geral o livro deve sair antes. Por quê? Porque o cinema massifica a informação. O livro deve abrir caminho. O cinema, fazer a informação explodir. Quantas vezes você já não ouviu alguém dizer que quer ler o livro antes de assistir ao filme?

E, por último, as promoções. Promoções casadas são facílimas de se fazer. Muitos estúdios têm ingressos para distribuir gratuitamente. Que melhor caminho do que fazer essas promos com as editoras? E, depois que o filme ou série sai em DVD, há o caminho de fazer packs promocionais. Isto é um pouco mais complicado, mas se as duas empresas distribuidoras tiverem vontade, algo assim pode acontecer.

Aqui faço um rápido comentário sobre 3 filmes bem diferentes que chamaram a minha atenção por transitar pelo universo dos livros. Cada um a seu modo possui grandes qualidades.

CAPITÃO FANTÁSTICO

Conta a história de um casal que decide educar seus seis filhos distante do mundo capitalista e de uma dimensão de vida focada no consumo. Logo de cara pensei em Robinson Crusoe, mas em vez de uma ilha, uma propriedade rural bem no meio de uma floresta. Lá, eles criam seu pequeno universo numa cabana típica, e vivem sob com regras e ideologias que são postas à prova a todo momento. Cada hora o drama tende a levar os leitores para um lado, para uma posição política. No filme, a literatura está sempre presente. É extremamente interessante os diálogos em que o pai (interpretado pelo ator, Vigo Mortensen), pede uma análise crítica das obras que seus filhos estão lendo. A cena da filha explicando o drama contido em Lolita merecia ser mostrada nas salas de aula, nos cursos de literatura, porque é um belíssimo momento de como a leitura pode pertencer ao leitor. Essa cena me chamou tanto a atenção porque é rara na vida real, mesmo nos ambientes focados em literatura. O pai explora a análise pessoal do que a filha concluiu com o livro, reforçando o aspecto da arte da escrita, ou seja, o que a história provocou nela. Nada de exigir elaborações sobre questões teóricas e ideológicas do que leu.

Porque também é ótimo: nesses dias de guerrilha entre esquerda e direita, o filme cumpre um papel interessante, mostrando como a fuga de uma opressão (capitalista) pode criar um comportamento de tirania para o outro lado (socialista).

Ainda não se convenceu? Veja o que Montensen diz numa entrevista: “É um filme sobre mudar de opinião e aceitar pontos de vista. Não estamos tendo isso em canto nenhum. Não existe isso no Brasil e com certeza não existe nos Estados Unidos hoje em dia.”

Para os curiosos, o trecho de dois minutos da cena está aqui. http://migre.me/wdi7i

ANIMAIS NOTURNOS. O LIVRO COMO PERSONAGEM

(Título do livro original: Tony and Susan, por Austin Wright)

E se você quisesse explicar a alguém o seu ponto de vista acerca de seu relacionamento? Algo que nunca teve oportunidade de fazer. Tentaria marcar uma conversa, um encontro, um jantar? Esse aqui decidiu escrever um livro.

Vinte anos depois do fim (e fracasso) de seu relacionamento, Susan (Amy Adams) recebe um manuscrito. Foi enviado por seu ex-marido (Jake Gilenhall), alguém com quem se casou muito jovem e, segundo sua mãe, o fizera por um capricho de adolescente rebelde e idealista. Nesse ponto, já se observa novamente, como o drama centra-se sobre a visão política. O ideal da contestação, mais forte na juventude, sendo testado pela ação do tempo. Mas esse texto inova, pois acontece uma grande reviravolta. É quando as crenças da maturidade são novamente testadas: será que foi acertada a opção por uma vida sem os mesmos ideais?

É o xeque mate do filme, como se a maturidade primeiro trouxesse a racionalidade e, depois, o excesso dela roubasse o melhor de cada um de nós.

O livro dentro do filme conta uma história fictícia, mas o que vemos dele na tela é a cena que acontece na cabeça da personagem, enquanto o lê. Ela quem faz as ligações e coloca o ex-marido como personagem e as visões que tinha dele. (Repare nas seguintes ideias: um homem que tem a esposa roubada por outro e a filha arrancada dele e morta – não se preocupe, não é spoiler). A originalidade deste foi alguém construir, por meio da ficção, os eventos e as emoções guardadas há 20 anos e foram elas que levaram a relação ao fracasso.

Mais uma obra que conversa com temas do nosso momento, de revisão de valores, de uma nova liberdade ideológica, de flexibilização. Uma ficção que fala sobre o presente, do hoje, e tão inovadora na sua forma. Forte, incômodo, intenso e que não traz respostas mas acrescenta boas reflexões.

UM HOMEM CHAMADO OVE

(livro de Fredrik Backman)

Como seria um romance de Nicholas Sparks se escrito por um sueco? Seria assim.

Uma linda história de amor, com todas as suas tristezas, contada nos intervalos de momentos muito específicos do personagem central: os primeiros segundos de suas tentativas (frustradas) de suicídio. Cada vez que ele tenta dar cabo da vida o flash back acontece. Acho bem divertido encontrar a genialidade onde menos se espera. Não existe inovação, criação artística genial apenas em material sofisticado. Acho muito mais fácil criar algo que pareça sofisticado num ambiente comum das artes. Por exemplo: qualquer cena ou drama parece mais nobre se dentro de um espaço de cultura, como um teatro e uma apresentação de balé do Cisne Negro. Tudo está preparado para criar essa atmosfera: figurino, falas, gestos, fotografia, música, drama. Num outro paralelo, os Oscars são dados invariavelmente a dramas, raramente à comédia, porque acredita-se que comédia, fazer rir, é mais simples ou exige menos esforço e inteligência ( do autor do texto, do público, de quem interpreta).

Mas este aqui teve a façanha de fazer arte, de criar algo muito interessante num filme romântico, numa história de amor. Tudo se passa nos anos de 1960, numa Europa devastada pela Guerra.

Aqui trago uma cena: Então Ove, o jovem rude, que cedo perdeu a mãe e fora criado apenas pelo pai, leva a garota por quem está interessado para jantar. Ela percebe que ele apenas beliscou a entrada, deixando-a livre para pedir um prato principal. Ao final, ela pergunta o motivo e ele se abre completamente: diz que comeu antes, em casa, para que ela pudesse pedir o que quisesse do cardápio; que é um simples ajudante de limpeza e que, agora, se sentia uma farsa. Iria levantar, pagar a conta e ir embora, pois não era nada do que deixou ela acreditar que fosse. Ao levantar para sair, a mulher o segura e impede: ela teve a certeza naqueles segundos de que não havia nada mais importante num homem que todos “aqueles defeitos”. Eles eram para ela o melhor que poderia querer. Sério. Não me recordo de ter visto uma cena romântica tão genial como essa recentemente. Até o charme de Casablanca perde pra essa. E há várias outras. O filme mostra flashes do passado, mas também os aspectos que fizeram Ove se tornar como nós o vemos no presente: um velho rabugento, mal humorado, de péssimo trato social. E acompanhamos a sua mudança a partir das pessoas que o cercam. Em especial, uma imigrante persa (que representa também os refugiados), que não se intimida com suas grosserias e avança sobre a casca grossa daquele velho.

O que isso tem a ver com o mercado editorial? Os temas. O mercado editorial reflete o mundo, as ideias de cada momento. Uma das propostas desta coluna é tratar sobre o olhar editorial, e sobre obras que possuem uma intensa relação com os temas do presente. Procurar aquelas que possam encontrar eco com nossas inquietações e, sempre que possível, inovar, é uma das principais tarefas dos editores.

São três belos exemplos de livros que viraram filmes e filmes que tem nos livros o seu argumento central.

Espero que tenham gostado. Se tiverem sugestões de filmes, novos ou antigos que tenham uma relação com o mercado editorial, não se reprimam. Mandem as sugestões.

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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