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Processo Civil – entre o velho, o novo e o leitor
PublishNews, 25/05/2015
A aprovação do novo Código de Processo Civil pôs os editoriais jurídicos em verdadeiras operações de guerra

Scribens quæ sera tamen

Os familiarizados à rotina de um editorial jurídico sabem que os momentos de maior correria acontecem no segundo e quarto trimestre do ano, pois é quando se produzem as obras de volta às aulas. Eventualmente, quando alguma mudança legislativa ocorre, há algum turbilhão, mas nada comparado ao preparativo de obras universitárias. A aprovação do novo Código de Processo Civil (doravante, NCPC) quebrou essa perspectiva. Pôs os editoriais jurídicos em verdadeiras operações de guerra e criou forte demanda de conteúdos para autores jurídicos. Assim, após os turbilhões iniciais, cá retomamos.

Habemus novo código!

Foi no final de 2014 que o Senado Federal finalmente aprovou o NCPC, encerrando uma longa e repetida procissão semanal de juristas, curiosos e interessados à Brasília – eu, inclusive –, especulando todas as possibilidades da dança de pauta de votação para que finalmente apreciassem o tal projeto.

Após isso, vivenciamos uma angustiante espera pela revisão do texto e envio à sanção presidencial, bem como a devida publicação da nova lei no Diário Oficial, com diversas apostas sobre os possíveis vetos, além de campanhas no melhor estilo “Veta/Sanciona, Dilma!”

E assim, numa segunda-feira, 16 de março de 2015, o novo código finalmente foi sancionado, e pudemos conhecer os seus vetos – e corremos para aplicá-los aos trabalhos que já estavam quase prontos, esperando apenas isso para voarem para as gráficas.

50 livros já foram publicados sobre o NCPC, além da nova legislação editada em formatos e diagramações para todos os gostos e bolsos, confirmando o forte aquecimento de mercado esperado para 2015, como expliquei nesse vídeo produzido pelo PublishNews.

O que esperar quando se está esperando

As novas eras não começam de uma vez ¹. Há algo de novo no passado e algo de velho na novidade, embora nem sempre seja claro qual foi a sardinha que primeiramente mudou de direção antes que todo o cardume alterasse seu trajeto. Essa talvez seja a melhor forma de compreender as mudanças legislativas, e assim também foi com o NCPC.

A nova lei processual não foi tirada da cartola, fiat lux, e não saiu da gaveta de uma única pessoa, como uma surpresa “bumbum-de-nenê e cabeça de legislador...”. A incontável quantidade de teses, dissertações, artigos e eventos que aconteceram nos últimos cinco anos sobre os projetos do NCPC deixam isso bem claro. E é por isso que, em tão pouco tempo, existem tantas obras, pois desde muito tempo as reformas processuais e as críticas doutrinárias apontavam para muitas das opções legislativas feitas.

Mas é preciso estar atento a alguns fenômenos curiosos. A despeito da gradual construção doutrinária que antecedeu o NCPC, a publicação do texto final despertou a euforia de muitos, surgindo projeções econométricas e estatísticas especulatórias de todas as formas, embora não jurídicas, retiradas de alguma bola de cristal. Não é raro nos depararmos com textos desta natureza.

Além da síndrome de Cassandra (que, ao final, estava certa...), é perceptível também tautologias exegéticas, que fazem análises do suporte normativo apenas substituindo os termos da lei por sinônimos, que pouca (ou nenhuma) contribuição trazem. Alguns mais refinados se darão ao trabalho de citar outras tautologias, compondo excelentes doxografias (Já falamos um pouco disso no Guia prático da redação jurídica óbvia).

Ainda assim, teremos doutrina? Teremos. E das boas. Daquelas que se posicionam (mesmo que isso seja arriscado por aqui); que indicam as diversas formas de interpretar as inovações, apontando metodologicamente os corretos modos de entendimento da nova estrutura processual; que categorizam cientificamente os institutos, suas polêmicas, e previnem distorções hermenêuticas (acreditem: nossos tribunais gostam de ler o que queriam que estivesse escrito na lei, e não o que efetivamente está!).

Haja prelo

As alterações trazidas pelo NCPC de alguma forma deixará a maior parte de uma biblioteca jurídica obsoleta. E essa parte é muito (muito mesmo) maior que a desatualização causada pela mudança do Código Civil em 2002. Se a alteração desse código significou expressiva triplicação do faturamento do mercado editorial jurídico, mais ainda se espera da alteração do NCPC.

Para isso, haja prelo, haja livro e haja autor. Temos a rara oportunidade de acompanharmos o surgimento de novas ideias e novos escritores, reaquecendo e reinventando segmentos de públicos leitores que estavam quase desaparecendo do varejo, o que não significa que tudo seja possível – espero que a moda dos livros de colorir não seja adaptada ao editorial jurídico.

E, nesse aquecimento do mercado, autores (conhecidos ou novos) e editores precisam ajudar seus leitores, deixando claro a qual público se destina cada uma das novas obras que serão publicadas. Já se tem notícias de obras que não decolaram por terem sido equivocadamente posicionadas, ou escritas com a linguagem errada para o público a qual se destina.

Neste sentido, autores interessados em aproveitar os bons ventos para ganhar maior visibilidade e público deveriam estudar cases editoriais de sucesso que aconteceram na alteração do Código Civil, em 2002. Uma longa conversa com seus editores ajudará a traçar uma carreira autoral potencializada nesse momento. E, embora não seja usual no mercado jurídico, até mesmo a busca de um coach editorial, nesse momento, será bastante válida.

Quanto aos leitores, espero que a curiosidade pelas inovações do NCPC se estenda aos textos que lhes foram preparados. E estejam preparados para diversos perfis de obras. Inicialmente, teremos obras coletivas com a nova legislação anotada e comparada, bem como algumas de autoria individual, além de obras com temáticas específicas fruto de teses e dissertações, analisando especialmente o que há de inovação. Após isso, daqui seis ou oito meses, encontraremos obras mais extensas, com melhor fundamento bibliográfico e análises mais densas, com as polêmicas que surgirão. Por fim, comentários de muitos volumes, obras de cunho prático e análises da repercussão das alterações em outras áreas, como trabalhista, tributária e civil, estarão totalmente à disposição dos leitores – as obras universitárias já estão surgindo renovadas, mas ainda teremos diversos novos cursos para descobrir o cerne criativo e didático de jovens autores.

Ainda teremos algum caos pela frente, seja na prática cotidiana do Direito, no seu estudo ou ensino. A lacuna entre passado e futuro, numa mudança legislativa como essa, tenderá a causar inseguranças que precisam ser analisadas e debatidas do modo mais científico que nossa academia esteja apta a fazer². E esperemos que tais análises sejam feitas sem euforias doutrinárias, senso comum, paixões teoréticas, solipsismos e outros perigos que corremos em tempos como esse.

E ao prelo, a todo vapor!

Post scriptum

Não tem nada a ver com o mercado editorial, mas é importante divulgar que no dia 12 de maio tivemos o dia da conscientização de uma rara doença crônica desconhecida: encefalomielite miálgica. Se o nome é difícil de se falar, é ainda mais conviver com a dor e perda de movimentos. Ainda não há tratamento, exceto algumas drogas paliativas.

Enfim, depois de ter superado outra doença autoimune crônica, paralisante e igualmente rara há duas décadas, além do déficit cognitivo, eis aqui o novo desafio... mas aposto que, mesmo sendo maior a probabilidade de ganhar na Mega-Sena do que ter duas doenças bizarras assim, não ganharia nem a quina!

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[1]As novas eras não começam de uma vez.

Meu avô já vivia no novo tempo

Meu neto viverá talvez ainda nos velhos.>/div>

A nova carne é comida com os velhos garfos.

Os carros automotores não havia

Nem os tanques

Os aeroplanos sobre nossos tetos não havia

Nem os bombardeiros.

Das novas antenas vieram as velhas tolices.

A sabedoria é transmitida de boca em boca.”

BRECHT, Bertold. As novas eras. Poemas: 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 294.

²O problema, contudo, é que, ao que parece, não parecemos estar nem equipados nem preparados para esta atividade de pensar, de instalar-se na lacuna entre o passado e o futuro”. ARENDT, Hannah. A Quebra entre o Passado e o Futuro. In: ______. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 40.

Nas horas ocupadas, Henderson Furst é editor jurídico do Grupo Editorial Nacional; nas horas livres, flautista, escritor e mestre cervejeiro. Bacharel em Direito pela UNESP, mestre e doutor em Bioética pelo CUSC, com pesquisas no Kennedy Institute of Ethics, Georgetown University, e doutor em Direito pela PUC-SP, Henderson também é professor de diversos programas de pós-graduação em Direito, tal como PUC-Campinas e Academia Brasileira de Direito Constitucional. Advogado, foi editor jurídico da Thomson Reuters/Revista dos Tribunais e da Editora Saraiva. Atua nas linhas editoriais de obras universitárias, profissionais e acadêmicas, bem como projetos especiais, educação a distância e periódicos científicos. Sua coluna analisa o mercado jurídico-editorial, suas tendências, notícias, peculiaridades, bem como a cultura artística e etílica que envolve o segmento. Voltada a bibliófilos jurídicos, profissionais do mercado editorial (jurídico ou não), autores, leitores e curiosos de plantão, será publicada quinzenalmente para que o leitor não se enjoe do colunista e tampouco se esqueça dele. Comentários, críticas e sugestões podem ser enviados para seu e-mail hendersonfurst@gmail.com ou via Facebook. A opinião do colunista não representa a de qualquer instituição científica ou profissional a qual seja vinculado.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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