Publicidade
Publicidade
A aposentadoria de Karin Schindler
PublishNews, 08/04/2015
A criadora da função de agente literária no Brasil anunciou a sua aposentadoria

Peço licença na coluna de hoje para fugir um pouco do assunto. É que, na semana passada, muitos de nós que atuam no mercado editorial recebeu a notícia de que seria a última de trabalho de nossa agente literária Karin Schindler, que na foto aparece com a escritora Stella Florence, com sua sócia Suely Pedro, comigo e com Mariana Rolier, editora da Rocco. A notícia não nos pegou de surpresa, pois dona Karin é a pioneira no mercado brasileiro. São mais de 40 anos de atividades. Ela criou a função de agente literário no país, formando um mercado profissional que temos hoje e sendo personagem e ouvinte de grandes e interessantes histórias dos bastidores da nossa literatura.

Para não perder este momento, pensei em contar algumas. Conheci dona Karin em 1998. Trabalhava na Editora Madras. Seu nome era para mim uma marca. Sabia um pouco da sua história, da sua importância para o mercado editorial, dos autores que representava e eu, iniciando nova etapa numa editora comercial, começava a escolher livros e negociar direitos internacionais naquela época.

A primeira vez que falei com ela por telefone, tremi tanto que não consegui terminar a frase. Ela, muito direta, e sem tempo a perder, percebeu que lidava com alguém inexperiente e encerrou sua relação de pedidos por telefone por ali. Talvez tenha esperado que por um fax ou carta eu conseguisse responder às suas perguntas de maneira objetiva. Nem lembro como terminou, mas provavelmente a pessoa responsável pelos direitos autorais encaminhou os relatórios que solicitara.

A partir dessa vez, tomei mais coragem. Foi preciso apenas outras 99 vezes para conseguir falar com ela sem gaguejar, sem precisar escrever o texto num papel, sem perder sono da noite anterior ou treinar bastantes vezes o que ia falar.

O problema não era ela. Eu sabia de sua importância. Para mim era como falar com o presidente da República. E, talvez mais. Era alguém que lidou com alguns dos grandes monstros da literatura dos anos 70, que fez a ponte entre o país e o resto do mundo numa época em que vivíamos ainda sob a ditadura militar.

Os anos se passaram, trabalhei em médias e grandes editoras, e o contato se tornou cada vez mais frequente. Com o tempo, tive oportunidades de fazer-lhe algumas visitas, tomar chá em seu escritório, conhecer suas histórias, ouvir conselhos e compartilhar pensamentos. Ela, sempre muito atenta, nunca pareceu a idade que tem (e não ouso perguntar). Deixou seu país fugindo da perseguição nazista da segunda guerra mundial. E isto criou nela certa dificuldade de voltar a por os pés na Alemanha, nem mesmo para a feira de Frankfurt. Talvez as lembranças. Não sei. Dona Karin tomou esta decisão de forma racional e nunca pareceu triste em comentar. A vida a fez firme.

Percebo que sua cabeça sempre esteve nos dias de hoje, nunca no passado. Já ouviu muito de minhas conversas e opiniões sobre livros e mercado como se pudesse aprender algo com o que se passa na cabeça dos jovens editores. Cada vez que fiz-lhe uma visita saía de lá pensando no acervo de histórias, muitas que contam não apenas sobre a indústria editorial do país, mas também um tanto de nossa história cultural.

Em 2010, ao assumir um selo editorial na LeYa, quis criar um rito de passagem: levei minhas assistentes para conhecer pessoalmente dona Karin e Suely Pedro dos Santos, sua sócia há 16 anos e que passa a comandar a agência a partir de agora. Em 2012, repeti o feito, levando meus dois editores na Lafonte para conhecer a pioneira deste mercado. Não queria ver mais editores temerosos e inseguros, como fui, sem nenhuma razão.

Receber a mensagem da Dona Karin me provocou um misto de tristeza e alegria. Ela se manteve trabalhando como uma operária até esta semana. Era quem atendia ao telefone boa parte das vezes e quem nos ligava para pedir dados, cobrar informações de livros publicados quando havia alguma pendência. Disso, todos vamos sentir falta. Eu, se estivesse na mesma fase da vida, já pensaria em viver só de passeios e viagens. E sei que fará isso mais vezes agora, bem como terá mais tempo para os netos, as orquídeas e as aves.

Fico feliz de ver cada fechamento de um ciclo. Há muita fraternidade no meio editorial, mas no dia-a-dia a gente as vezes não percebe isso. Mas um momento mágico acontece todos os anos, durante as Bienais, quando reencontramos pessoas que fazem tudo acontecer. Gente com as quais já convivemos em alguma empresa ou lidamos profissionalmente à distância durante todo o ano. E esse carinho existe porque compartilhamos do mesmo universo.

Então, isso aqui é uma homenagem, um desejo de saúde e paz... e, sem atrapalhar sua nova rotina, não vejo a hora de ir tomar um novo chá.

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

Publicidade

A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!

Leia também
Conselho curador do Prêmio Jabuti traduz texto publicado pelo London Writers Awards em que críticos literários explicam as diferenças entre as duas categorias
Curador do Prêmio Jabuti esclarece, em sua coluna no PublishNews, as principais dúvidas sobre a nova categoria da premiação
Curador da 61ª edição do prêmio falou ainda sobre a responsabilidade do Jabuti de promover a cultura e sobre a importância da homenagem à Conceição Evaristo
Recentemente, a escritora Luisa Geisler foi desconvidada de uma feira no interior gaúcho sob a alegação de que o seu novo livro contém 'linguagem inadequada'. Em sua coluna, Pedro Almeida faz reflexões sobre o caso.
Em sua coluna, Pedro Almeida conta o resultado de uma pesquisa que fez para entender por que razões o Brasil nunca ganhou um Prêmio Nobel de Literatura
Publicidade

Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.

Outras colunas
Seção publieditorial do PublishNews traz obras lançadas pela Ases da Literatura e seus selos
Em 'A cartinha de Deus', a autora leva os leitores em uma jornada íntima e inspiradora, mostrando como aprendeu a lidar com os desafios impostos pela distonia
Em 'Alena Existe', publicada pela Ases da Literatura, o autor Roger Dörl desvenda os segredos do universo numa trama repleta de ficção científica, aventura e mistério
Conheça a jornada de Nick, o gatinho amoroso que ensina sobre presença e ausência no livro da autora Maurilene Bacelar, lançamento da Editora Asinha
No episódio, nossa equipe conversou com pesquisador do mercado editorial sobre o segmento da autopublicação, seu histórico, crescimento, nuances e importância; além de saber mais sobre a própria carreira de Müller
Sou a favor de qualquer coisa que leve alguém pra dentro da livraria. Até Paulo Coelho.
Luis Fernando Veríssimo
Escritor brasileiro
Publicidade

Você está buscando um emprego no mercado editorial? O PublishNews oferece um banco de vagas abertas em diversas empresas da cadeia do livro. E se você quiser anunciar uma vaga em sua empresa, entre em contato.

Procurar

Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.

Procurar

O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?

Assinar