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Amazon recebe Orwell em seu último ataque
PublishNews, 15/08/2014
Amazon recebe Orwell em seu último ataque

Qualquer um que leia o último ataque da Amazon na sua guerra contra a Hachette e depois a resposta de David Streitfeld no site do New York times vai saber que a Amazon - deliberadamente ou com incrível ignorância - distorceu uma citação de George Orwell para que parecesse que ele estava contra os livros de bolso baratos (papperbacks) quando, na verdade, ele estava a favor.

Isso lembra a ironia irrelevante, mas deliciosa, de que a única vez que a Amazon exercitou sua capacidade de recuperar e-books que tinha vendido foi quando descobriu que estava distribuindo e-books sem autorização de 1984 do próprio Orwell. A coisa certa a fazer era exatamente o que eles fizeram: retirar os e-books que violavam os direitos autorais e devolver o dinheiro aos compradores. Este evento (aparentemente) único é sempre citado como algum tipo de problema genérico com e-books, como se os vendedores fossem transformar isso numa prática comum. O que aumenta a ironia era que a Amazon foi atacada por todos os lados por fazer a coisa certa.

No entanto, o aspecto mais enganoso do texto da Amazon não é o tratamento orwelliano de Orwell, mas a metáfora distorcida na qual os e-books com preço baixo são os paperbacks de preço baixo de hoje. (Eu fiz esta analogia há uns três anos, acho que com um pouco mais de cuidado com os fatos.) Sim, os dois eram novos formatos com um custo menor, o que permitia um preço final mais baixo para produzir margens positivas. E há outra semelhança incrível: os dois lançaram uma avalanche de ficção de gênero para satisfazer a demanda pelo formato, principalmente porque os direitos de livros de maior valor não estavam disponíveis para o formato mais barato, mas também porque preços menores atraíam alguns leitores mais do que outros. Mas é onde as semelhanças terminam.

Este argumento contra a Hachette, tentando usar uma procuração dos escritores e preços menores para consumidores como um bem irrefutável, usa duas falácias lógicas que são centrais para o argumento deles de que a Hachette (e sua empresa controladora, invocada para dar a aparência de relativa igualdade de tamanho entre os combatentes, o que não é nem de longe o caso) é medrosa e cabeça-dura, enquanto que a Amazon está simplesmente lutando por direitos.

1. A lógica da Amazon é inteiramente interna. Não tenta levar em conta, nem mesmo reconhecer, que editoras e seus autores dependem de outros canais além da Amazon. E, na verdade, as editoras e os autores sabem com certeza que quanto mais as vendas se concentrarem na Amazon, mais suas margens serão reduzidas.

2. A estatística de elasticidade de preço que ela invoca (pela segunda vez em declarações públicas), que também é algo inteiramente interno à Amazon, são médias. A empresa não nos oferece o desvio padrão para podermos conhecer qual parte dos títulos medidos está perto da média, muito menos o ponto de corte de um gênero ou tópico específico, sem sombra de dúvida, e saber assim que muitos livros da Hachette não alcançariam a taxa de elasticidade média. Veja se você consegue encontrar alguém com uma grama de sofisticação estatística que acha que um livro de Malcolm Gladwell tem a mesma elasticidade de preço de um livro de romance ou de ficção científica escrito por um autor relativamente desconhecido.

A história real do paperback nos EUA contém vários elementos que concordam com o que diz a Amazon. Na verdade, esta história começa depois da II Guerra Mundial, não antes (apesar de que a Penguin entrou no país em 1939). Durante a II Guerra Mundial, sob a direção do historiador e homem renascentista Philip Van Doren Stern, os militares levaram os paperbacks de 25 centavos para as tropas. Isso apresentou a ideia para as massas e depois da guerra foram abertas várias editoras de paperback mass-market.

Elas distribuíam através da rede de distribuição de revistas locais: distribuidores locais que “empurravam” cópias do material impresso para as bancas e outros intermediários que pegavam suas edições e as colocavam em prateleiras até que a edição seguinte da revista fosse publicada, e depois enviava de volta as capas para receber o crédito das que não tinham sido vendidas. Os primeiros livros paperback tinham uma vida curta similar nas prateleiras neste ambiente de distribuição.

Vários fatores fizeram com que fosse possível vendê-los a preços baixos:

1. Os próprios livros frequentemente seguiam fórmulas e eram curtos, portanto baratos para as editoras. O universo dos títulos nos primeiros anos era, além dos clássicos em domínio público, um conjunto diferente de títulos dos que eram vendidos pelas editoras principais nas livrarias.

2. Não havia uma negociação cara entre editoras e os canais de venda sobre pedidos para cada envio de livros. O distribuidor simplesmente decidia quantas cópias cada ponto receberia e, no começo, era distribuído o que a editora queria. O “método de verificação” era simples: a editora recebia as capas cortadas de volta pelos livros que não tinham sido vendidos e isso era o obstáculo contra exceder a publicação. Com o tempo, este aspecto foi modificado e a editora teve que trabalhar com os distribuidores para conseguir o que queria.

3. Os livros em si eram mais baratos também: menos papel e menor custo, além da encadernação mais barata.

4. A adoção do sistema de retorno igual às das revistas, apenas a capa, criou uma boa economia comparada com a prática dos livros gerais que exigia a devolução de todo o livro em boas condições para receber o crédito.

5. O varejo ficava com uma parte consideravelmente menor do preço no varejo do que as livrarias recebiam nos livros gerais.

Ao mesmo tempo em que a revolução de mass-market estava começando, as editoras de livros gerais convencionais também começaram a experimentar com o formato paperback. A primeira incursão extensiva deste tipo foi feita pela Doubleday no começo dos anos 50, quando o menino prodígio Jason Epstein (mais tarde o fundador do NY Review of Books e ainda ativo como um dos visionários fundadores por trás da Espresso Book Machine) criou a linha Anchor Books.

Meu pai, Leonard Shatzkin, era Diretor de Pesquisa na Doubleday (hoje eles chamariam de “Desenvolvimento de Novos Negócios” ou “Gerência de Mudança”) na época. Ele geralmente contava sobre uma conferência de vendas em Bear Mountain onde Sig Gross, que liderava as livrarias Doubleday, atacou os paperbacks baratos porque as lojas não conseguiam ganhar dinheiro com eles! Então, é verdade que a indústria editorial estabelecida e o negócio inicial de paperbacks tiveram um período de quase duas décadas desenvolvendo-se de forma separada.

Foi nos anos 1960 - uma década e meia depois do início da revolução dos paperbacks - que duas empresas realmente começaram a se fundir em uma só. E o processo de integração das duas empresas demorou outra década e meia, finalmente concluindo no final dos anos 1970 quando a Penguin comprou a Viking, a Random House comprou a Ballantine e a Fawcett, e a Bantam começou a publicar livros com capa dura.

Meu primeiro emprego no mercado foi em 1962, trabalhando em vendas no departamento recém-aberto da Brentano’s Bookstore na 5ª Avenida. Mesmo então, os dois negócios operavam de forma separada. O departamento tinha prateleiras altas por todos os lados com o que chamamos hoje de “paperback gerais”, organizados por tópico. Eram principalmente acadêmicos. Em uma parede estavam as prateleiras de paperback mass-market e estavam organizados por editoras. Se você quisesse encontrar o paperbacks de um autor famoso cujos direitos tinham passado a uma editora mass-market, precisava saber qual editora tinha publicado o autor para encontrar o livro. (Isso era bom; dava trabalho aos vendedores!)

Havia uma simples razão para isso. Os dois tipos de paperbacks funcionavam com diferentes protocolos econômicos e de distribuição. Os paperbacks gerais eram comprados como capa-dura; tudo que chegava era porque um comprador da Brentano’s tinha feito um pedido. Os de mass-markets eram colocados em seus racks próprios enviados pela editora. Eles mandavam seus próprios representantes para verificar os estoques semanalmente e eles decidiam quais livros novos eram colocadas nos racks e qual estoque morto era retirado. Era para facilitar o trabalho das editoras que os mass-markets eram agrupados assim.

Os livros de muito sucesso comercial que se tornaram paperback mass-markets ficavam ali porque a editora dos livros com capa-dura, depois de terem ganhado a maior parte da renda esperada pelo livro, vendiam os direitos para o mass-market a fim de conseguir outro pedaço da maçã.

Não tem nada a ver com o que está acontecendo hoje. Pouco disto é comparável aos desafios que as editoras gerais encaram mantendo vivo um sistema de distribuição multi-canais e um mercado de livros impressos que ainda é responsável pela maior parte das vendas da maior parte dos livros.

Mas a diferença mais importante hoje é que um único varejo controla tudo que consegue do comércio, sozinho, influenciando o preço de toda uma indústria. O mero fato de que um único varejo possa tentar isso é um sinal de que temos um desequilíbrio na cadeia de valor, algo sem precedentes na história editorial.

Um outro aspecto de toda esta discussão que é mistificadora (ou reveladora) é o sucesso da Amazon em conseguir que os autores independentes estejam do lado dela enquanto bate nas editoras para diminuir os preços. (A nova declaração da Amazon é feita em uma carta enviada aos autores com livros na KDP). Isso vai absoluta e indisputavelmente contra os interesses dos próprios autores autopublicados, para quem é muito melhor que os livros de editoras tenham preços maiores, deixando a faixa dos preços menores para eles. Isso já me parecia algo óbvio há vários anos. Mas a Amazon ainda consegue evocar a milícia dos autores independentes para apoiá-la quando luta por preços mais altos para a concorrência dos independentes!

A tática de publicar o nome e o endereço de e-mail de Michael Pietsch com um claro apelo a que os autores independentes encham o inbox dele é uma tática horrível, mas para ser justo com a Amazon, esta tática horrível foi iniciada pela publicidade da Authors United assinada por Douglas Preston que deu o endereço de e-mail de Bezos. Isto é algo que os dois lados deveriam evitar e, neste caso, não foi a Amazon que começou.

(Tradução de Marcelo Barbão)

Mike Shatzkin tem mais de 40 anos de experiência no mercado editorial. É fundador e diretor-presidente da consultoria editorial The Idea Logical Co., com sede em Nova York, e acompanha e analisa diariamente os desafios e as oportunidades da indústria editorial nesta nova realidade digital. Organiza anualmente a Digital Book World, uma conferência em Nova York sobre o futuro digital do livro. Em sua coluna, o consultor novaiorquino aborda os desafios e oportunidades apresentados pela nova era tecnológica. O texto de sua coluna é publicado originalmente em seu blog, The Shatzkin Files.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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