Chegou ao primeiro lugar na Amazon um livro improvável: um catatau de 700 páginas de um economista francês pregando contra a concentração de renda. Em O Capital no século 21, Thomas Piketty demonstra que a acumulação de lucros das empresas mais “eficientes” leva à desigualdade, com resultados nefastos a longo prazo para o mercado e para a economia. É o livro que Jeff Bezos deveria manter na cabeceira.
Já outro livro o presidente da Amazon não quer ver nem de perto: The everything store: Jeff Bezos and the age of Amazon, de Brad Stone. A obra (na 2.400ª posição entre os bestsellers) pinta-lhe um retrato nada lisongeiro. Detalha, entre outras, a tática de enfraquecer editoras, prejudicando suas vendas, até dobrá-las em negociações, “como um guepardo devora gazelas adoecidas”.
Everything Store é publicado pela Little Brown, um dos selos do conglomerado Hachette. E é justamente esse grupo editorial francês a gazela que decidiu atacar o guepardo. Está recusando as condições impostas pela Amazon e sofrendo as consequências: alguns de seus títulos somem das prateleiras virtuais; para outros a entrega custa mais caro e demora mais (como um sistema “un-prime”). Há ainda os livros que tem os descontos suspensos, e os que ganham a companhia de mensagens como “as pessoas estão comprando outro título, mais barato”.
O risco da Hachette (e de outras empresas) é grande. A Amazon detém um terço do mercado de livros impressos, e dois terços dos livros digitais. A questão é saber qual sacrifício é válido para apenas manter-se no mercado. Como uma gazela sedenta que sabe que à beira do riacho o guepardo espreita.
Leitores e editores devemos à Amazon o enorme avanço no mercado das palavras, com a pronta disponibilidade de uma imensidão de títulos. É preciso reconhecer que eles praticamente implementaram o mercado de livros digitais. Também é graças à Amazon que um mercado com métodos (e postura) bicentenários teve de descer do pedestal para entrar no século 21, e é razoável atribuir à Amazon o crescimento da leitura na geração digital. Há até quem aplauda (sem sarcasmo aparente) o empurrão (para o abismo) que a Amazon dá nas livrarias de rua, “essas instituições cult e agonizantes”. O que não se vê, no entanto, é que a eficiência amazônica foi obtida com margens ínfimas, muitas vezes negativas. O mercado endossou, na forma de investimentos, o crescimento vertiginoso da empresa de Seattle. Mas depois de tanto “add to cart”, é preciso fechar a conta. Com os livros digitais atingindo um platô de 30% do mercado, e o lucro operacional líquido (NOPAT) patinando em 1%, resta à Amazon engordar suas margens. Como a ponta do consumidor não dá para apertar (por conta de concorrentes como a BookDepository.com, que ela teve que comprar, e pelas ferramentas de comparação de preço), resta espremer as editoras, essas “intermediárias”.
O leitor final sempre foi a estrela guia da empresa. Para ele a Amazon pintou uma utopia de títulos sem fim em qualquer formato a preço baixo e entrega rápida (ou instantânea, com os kindle books). Foi em nome do leitor que ela ajudou a condenar as maiores editoras americanas quando elas teriam entrado “em conluio” com a Apple para oferecer e-books a preços acima do preconizado pela Amazon. Era em defesa do leitor que retirou os botões de “comprar” dos livros da MacMillan, quando ela ousou pedir mais que U$ 9,99 por um e-book. Fica difícil então sustentar que “em nome do leitor” ela esteja programando algoritmos para dificultar ou impedir a venda de livros que ele quer ler, mas que a Amazon não quer vender.
A cadeia do livro está, no mínimo, magoada. Pelos corredores escutam-se as palavras “boicote” e “monopólio”, mas sussurradas, para não acordar o Leviatã. James Patterson, um dos autores frequentes nas listas de best-sellers da Amazon, publicado por um dos selos da Hachette, definiu o confronto como uma “guerra econômica, e as livrarias, bibliotecas, autores e os próprios livros estão no meio de um tiroteio”. E arrematou: “se esse é o novo American way, então talvez seja o caso de mudar — pela lei, se preciso for — mas imediatamente. Se não antes”.
Ou talvez seja a hora de editores, livreiros e leitores abrirem o livro que está em 5º lugar na Amazon, do monsieur Piketty, e pensar o capital, e o mercado da literatura, no século 21. De preferência no Kindle.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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