Com as bibliotecas por assinatura, a literatura digital faz sentido
Com 20 anos a gente já tem de saber quem a gente é. Desde que a Amazon.com abriu [já se vão 20 anos], a leitura digital vem chegando, entre tímida e espalhafatosa. Nesse entretempo o mercado, como todo adolescente, foi alternando desprezo (“isso não é livro”, “meu cliente é a livraria”) e euforia (“vamos digitalizar todo o catálogo!”, “um tablet na mão de cada criança!”). O “livro digital” acabou não explodindo como anunciavam os eufóricos, mas segue em crescimento constante, sendo acolhido pelo mercado tradicional e convertendo antigos céticos. Mas ainda não sabe o que é, nem o que pode.
Um sinal de que a leitura digital atingiu a maioridade é que já não está tão preocupada em parecer o que não é. Isto é, o foco está saindo do e-book, um simulacro digital de um livro de papel, com as desvantagens do livro de papel (custo, restrição, imutabilidade) e sem as vantagens do digital (ubiquidade, capacidade, mutabilidade, diálogo). É o caminho seguro e preguiçoso da emulação, reduz-se um produto às características que os compradores já conhecem, como as primeiras televisões eram meros rádios com imagem. Porém se características intrínsecas à materialidade do livro impresso fazem dele uma mercadoria, essas características somem na imaterialidade. O livro digital não precisa ser estocado, transportado, nem pode ser acumulado na cabeceira. Ele pode ser mais que uma mercadoria. Essa noção pode chocar quem só conhece a leitura atrelada a um objeto, como é e tem sido desde 1468, a ponto de não haver distinção na língua entre “livro” (objeto de páginas sequenciadas) e “livro” (narrativa ou informação compilada). Mas pode explodir o alcance da leitura — até economicamente.
Se o caro leitor está assustado, porém ainda não fugiu, recomendo a leitura de nosso artigo. Ele demonstra, em resumo, que o livro está em vias de entrar em uma nova fase econômica e comportamental, a “Fase Líquida”. Nesta fase, em que a música (Deezer, Rdio) e o audiovisual (Netflix, Youtube) já entraram, o livro deixará de ser uma propriedade/mercadoria e passa a ser um direito de acesso. Não estou falando klingon. Quem já comprou livros “vivos” na Safari da O’Reilly há alguns anos sabe. Quem viu a decana 24symbols há 3 anos entende. E a biblioteca de empréstimos do Kindle? Aqui mesmo em nossas praias, quem já acompanha a Nuvem de Livros ou a Minha Biblioteca sabe do que se trata. O palavrão cochichado no mercado em 2013 está virando a palavra da moda em 2014: assinatura.
Lá fora os tambores rufam para a Oyster, a prometida “Netflix dos livros”, uma startup cacifada por investidores e vigiada por editores, que querem ver aonde isso vai levar. Aqui estão fazendo barulho as novíssimas Biblioteca Xeriph e a Árvore de Livros. O discurso é mais ou menos o mesmo: as instituições de ensino e os governos podem “adquirir” uma biblioteca 24h de milhares de títulos para os estudantes. A lamentar somente que essa arrancada para a leitura digital seja feita com o freio de mão puxado e a ré engatada.
Isso porque os “modelos de negócio” acordados com as editoras voltam a emular o livro-impresso-mercadoria. Isto é, um livro digital volta a ter “tiragem”, e assim um arranjo infinita e instantaneamente replicável de elétrons pode, esdruxulamente, não estar “disponível” para um leitor, se tiver “emprestado” para outro. O leitor perde, a editora também. É a lógica do medo, a mesma que criou o DRM para exterminar piratas e expulsou leitores. Talvez as editoras achem que o atual modelo de negócios do livro — com suas margens abissais e pontos de equilíbrio estratosféricos — seja bom demais para se tentar outra coisa.
Com 20 anos e quase maior de idade, não dá para ficar impondo o que a leitura digital pode ou não pode fazer.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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