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Um Ano Novo: Hora de novas reflexões sobre o mercado editorial
PublishNews, 15/01/2014
A coisa que mais se falou do Brasil como país convidado feira de Frankfurt de 2013 certamente foi o discurso de Luiz Ruffato - pegou todos de surpresa

A coisa que mais se falou da participação do Brasil como país convidado feira de Frankfurt de 2013 certamente foi o discurso de Luiz Ruffato. Pegou todos de surpresa, pois esperávamos que falasse de literatura, mas apresentou uma interminável lista de problemas sociais - situações em que o Brasil, no cenário mundial, corre pela liderança em questões de desigualdade, violência e outras mazelas.

Eu estava lá na abertura e posso dizer o sentimento que tive. Tão imediato que postei algo minutos depois na rede social. Vi então armar-se um batalhão de prós e contras o tom do discurso, muito mais prós. E prós por vários motivos, que é o que convido os leitores a refletir. Trago aqui o que compreendi estar por trás desse posicionamento favorável ouvindo muita gente do mercado, e o que descobri me pareceu ter pouco a ver com o fato de que aquele evento tinha outro objetivo, ligado à divulgação do nosso idioma, da nossa cultura, do nosso país. E Cultura = Educação é o que pode trazer benefícios mais consistentes para lidar com todas desigualdades citadas lá e que ocorrem em nosso país.

Imediatamente após o discurso, Ziraldo pediu que não o aplaudissem, e depois declarou ao Estado de S. Paulo: “esse era um discurso para se fazer numa rodada de negociações de Doha”, referindo-se ao fato de que tratava-se do evento de abertura da maior feira do livro, com visibilidade do país homenageado para a grande imprensa mundial, e para os maiores editores e agentes de todo o mundo. Ele viu imediatamente uma enorme oportunidade desperdiçada de falar das especificidades de nossa literatura.

Ana Maria Machado, momentos depois, deu o recado. Não foi um texto de prêmio Nobel, mas foi muito competente, correto e oportuno. Foi de alguém que refletiu sobre o seu papel para nos representar e indicou caminhos para se pesquisar a Literatura produzida aqui, de modo que estrangeiros possam aprender a apreciá-la, sem se prender a modelos já consagrados em outros países.

Depois de ambos os discursos, vi uma parte mais ativista da comissão de autores brasileiros presentes no evento, aplaudindo de pé o discurso do Rufatto e ignorando o discurso de Ana Maria Machado. O que me pareceu? Uma repetição do que assisti nesses 20 anos trabalhando no mercado editorial em todo o tipo de editoras: que existe uma turma, absolutamente corporativista, que aplaude os seus e ignora os demais usando critérios de afinidade pessoal, sem qualquer vínculo com a obra. Depois percebi, ao comentar com amigos, autores e editores, uma defesa do discurso do escritor por muitos motivos: por todas as suas características de sua obra, de seu passado, de sua representatividade. Mas não era o ponto em discussão. Ali não era momento, a meu ver, para pensar unicamente em nas ideias pessoais, mas para representar a literatura brasileira. E falar da lista interminável de mazelas que existem por aqui não me pareceu tocante. Assisti à Nova Zelândia, Índia, China, Turquia como países homenageados pela Feira de Frankfurt em anos anteriores se portarem bem mais positivos em relação ao potencial da literatura de seu país. Ali era momento de falar para fora, mas falamos para dentro.

Um amigo rapidamente me apontou para um fato interessante: diante de uma lista enorme e triste de desgraças sentiu falta da palavra corrupção naquele discurso, o que nos parece ser motivo de tanta desigualdade social. Fui conferir... realmente não havia. Talvez porque essa era uma palavra-chave em 2013 e nos meses seguintes com a prisão de corruptos e aquele evento estava sendo viabilizado exatamente pelo atual governo e, dois deles, presentes no momento: Marta Suplicy(PT) e Michel Temer (PMDB). Não pareceu, portanto, algum esquecimento.

Acompanhei a repercussão do discurso nos jornais brasileiros e nas redes sociais, e a quase unanimidade dos leitores afirmaram que dizer aquilo, naquele evento, era a coisa certa. Mas é preciso ponderar. Para qualquer brasileiro, no nível de insatisfação e revolta com que estamos (e naquela época estávamos numa cotidiana onda de protestos), jogar merda no ventilador podia parecer a coisa certa. Muitos disseram que era uma oportunidade de usar o palco mundial para fazer repercutir aqui no Brasil os nossos problemas. Ledo engano. A lista de mazelas propalada pelo escritor não é desconhecida de ninguém no Brasil. Porque acham que falar dessa lista, num evento literário, iria ter uma ótima repercussão a ponto de promover reforma na estrutura corrupta deste país, onde políticos que ocupam os mais variados cargos mentem publicamente sem nenhum remorso e raramente algo lhes acontece? E onde achamos muito normal pessoas ou grupo político por quem simpatizamos não seja punido, apesar de crimes confirmados, apenas porque outros corruptos ainda não o foram, quando o ideal é que todos fossem em cana? Ah. Isso também é um outro tipo de corporativismo.

Vi ainda, nos apoiadores daquele discurso, pessoas que apoiam uníssono a pessoa do autor, sem refletir sobre a fala. Algo que aconteceu em todas as últimas décadas no Brasil com nossa crítica literária e que somente agora começa a mudar.

Mas tive ainda a oportunidade de verificar outra coisa. O efeito desse discurso não passou despercebido pela imprensa mundial: No domingo, último dia da feira, o jornal alemão, Die Zeit, estampou uma matéria de capa com a seguinte chamada:

"Belos livros de aventura em um outono vital, e a melancolia dos autores do país convidado. (traduzido por um colega que mora na Alemanha)"

O tom da chamada me chamou a atenção. Não somos mais um país alegre? Como nos tornamos um país do pessimismo? A nossa participação na feira do livro tinha conseguido produzir isso? Depois, alguns amigos que estiveram na coletiva encerramento do evento contaram-me que este foi o tom geral das perguntas da imprensa internacional. E não falavam só da literatura, mas também da música, e também do estande do Brasil, absolutamente minimalista, todo branco, algo que parecia mais caber numa exposição de bienal da arte de SP que para representar um pais tão colorido quanto o Brasil. Se não quiseram levar o Axé porque não levaram o frevo? Só Bossa nova não dá e remete a uma escolha de gosto, ou estou exagerando?

Agora vejam o Stand da Nova Zelândia, 2012, que mostrou sua natureza, seu Céu (porque era sempre noite quando na Alemanha era dia) e muito mais.

A Literatura que nos representa

Acho ótimo o Brasil quebrar preconceitos, surpreender os estrangeiros, mas não tirando uma marca de alegria e colocando nada ou tristeza no lugar. E se vamos falar de diferenças e questões sociais, que tal observar a nossa Literatura?

Antes de criticar, temos de fazer uma autocrítica sobre o próprio mercado editorial. Nossas escolhas sejam para a Flip, para nos representar em Frankfurt, para Bienais raramente escapam de duas vertentes conjugadas: alta literatura produzida no eixo RJ-SP e publicada por grandes casas. A diversidade de nossa literatura é bem maior. Apenas começamos a descobrir gêneros de entretenimento como policial, suspense, thriller, literatura feminina, culinária, fantasia etc. Não se trata de uma acusação a ninguém. Assim como as mazelas do discurso de abertura, quem atua no mercado editorial é também contribuinte, de alguma forma, do que acontece com a educação, com a leitura, com a divulgação do que é lançado, com os rumos de nossa literatura. Muitos dos que tiveram passado sofrido, que precisaram superar grandes dificuldades para ter acesso à educação e cultura, ao atingir um posto que poderiam promover mudanças, acha que é a hora de usufruir do posto. Nós, adultos, temos imensa vergonha de uma Literatura de Acesso, e de uma literatura de entretenimento. É como se, ao passar para outro nível de literatura, decidíssemos desprezar e criticar o popular, pois assim nos distanciamos publicamente dele. Esse é um comportamento humano que se repete continuamente, seja na sexualidade ou na esfera social. Quem critica ferozmente, esconde, pratica bullying, quer passar uma mensagem de distanciamento.

Outra coisa que vale a pena observar: se pegássemos a lista dos 70 autores que representaram o Brasil em Frankfurt quanto da população que consome livros no Brasil estaria representada? Não consigo pensar em mais de 25%, isso porque tinha Ziraldo lá.

Ano novo, vamos olhar adiante. Vamos acertar e errar muito, mas em erros novos. Temos pela frente nosso país como convidado de várias outras feiras: dentre elas Bologna e Londres. Há tempo para rever a nossa participação internacional de modo a promover a literatura brasileira e não apenas os autores que irão nos representar. E também surpreender o mundo com características de nossa literatura, que decididamente,não é tristeza nem melancolia.

Se quiser comentar, acesse meu blog: www.faroeditorial.wordpress.com

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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