Franz Kafka só teria um seguidor no Twitter, um único amigo no Facebook. E passava o dia em casa escrevendo, para ninguém. Aquele único amigo, Max Brod, se negou a atirar os papéis de Kafka ao fogo, editou e fez publicar a obra, tornando o autor de Metamorfose um dos mais importantes escritores do século 19 — postumamente. “Esse autor introspectivo, que passa o dia dentro de casa escrevendo, não existe mais. Rubem Fonseca [ou Kafka], hoje, não seria publicado. Ele é de outra escola, outra época”, pontificou o editor e escritor Raphael Draccon. Para ele, mais que uma boa história bem contada, é requisito para o autor “participar de muitos eventos e saber se comunicar com o leitor”. A declaração teve o repúdio esperado e foi replicada pelas timelines de leitores chocados com essa “vulgarização do papel do escritor”. Pode-se discutir a insolência da afirmação do escritor/editor, mas, sossegados os ânimos, é preciso encarar. Ele está dizendo, com a inocência e clareza do menino da fábula, o que ninguém gosta de saber: que “o rei está nu”.
O que é determinante para a afirmação de um escritor? É a qualidade de seu trabalho ou sua capacidade de espalhar suas ideias por leitores? Em um mercado editorial, cuja fórmula só dá resultado com grandes números (tiragem), o que importa mais, o autor “torre de marfim” ou o “arroz de festa”? E em um ambiente de rede, onde não há mais barreiras (ou intermediários) entre o escritor e o leitor, a quantidade de “likes” é certificado de validade do autor?
Aquilo que Bourdieu postulou como Capital Social (“o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo”) entendemos intuitivamente como “panelinha”. É preciso estar na “panelinha” para aparecer. Por sinal, o termo “panelinha” veio do encontro de escritores na casa de Machado de Assis, no Cosme Velho, onde os venerados autores charlavam em torno de um caldeirão (ou panelinha). É coincidência que nosso escritor maior tenha sido nosso maior “capitalista social” bourdiano? Machado de Assis criou uma “rede durável de relações e reconhecimento mútuo” sólida e a institucionalizou como a Academia Brasileira de Letras. Sua atividade social intensa — assim como a de escritores do cânone como Mark Twain, Oscar Wilde, Victor Hugo, figurinhas fáceis em palestras, congressos e feiras — só fortaleceu o monumento de sua obra.
“Participar de eventos e saber falar com leitor” não é a marca somente de escritores de literatura de fantasia juvenil. “Não creio que se possa julgar um trabalho pela maneira como o escritor se posiciona”, reconhece o premiado escritor Luiz Ruffato. Para ele, a presença de escritores em “festivais literários, feiras do livro, palestras, conferências, oficinas” é o que tem permitido o recente fenômeno de se poder viver de literatura no Brasil.
Aos que cultivam a “pureza” do escritor, é sempre bom voltar às Ilusões perdidas. O livro de Balzac começa com dois jovens amigos escritores. O primeiro, David, fica na cidadezinha tocando a duras penas o negócio do pai, uma gráfica. O segundo, Lucien, segue para Paris, para que o mundo reconheça seu gênio literário. O que ele vai perdendo são as ilusões do título, e o que ele encontra é o frívolo, cínico e pecuniário mundo das letras, onde importam muito mais quem você é, e de quem você é amigo, do que propriamente o que você escreve. (Seria a obra de Lucien, que encontrou a glória, “melhor” que a de David, que continuou enfurnado na província?)”
Para aquele autor que escreve bem, mas prefere ficar no seu canto (ou torre de marfim) a desfilar no circo literário, resta talvez a fama póstuma. Foi o que Kafka conseguiu. Ou Tommasi di Lampedusa, que morreu antes de seu O Leopardo virar um clássico. O italiano se definia como “um rapaz que gostava da solidão, que gostava mais de estar com as coisas do que com as pessoas”. No caso de Lampedusa, quem impediu que a obra fosse enterrada com o autor, foi o editor (e milionário e terrorista de esquerda) Giaccomo Feltrinelli.
Um único amigo, como Max Brod, ou um único editor sagaz, como Feltrinelli, podem levar um bom escritor à glória — ainda que póstuma. Aos escritores (os bons e os nem tanto) que não têm essa sorte restam talvez os amigos do Facebook, seguidores e que tais da rede.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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