Publicidade
Publicidade
“A leitura, outra revolução”
PublishNews, 07/11/2011
“A leitura, outra revolução”

Volto para o Brasil depois de dez dias em Cuba e quatro em Bogotá. Retomo a coluna aproveitando as muitas horas de viagem. Quatorze dias de imersão no universo da leitura e da edição de livros para crianças e jovens. Um baú de coisas para compartilhar.

Começo pelo primeiro destino da viagem: Havana, onde fui participar do “Congreso Internacional – Lectura 2011 Para Leer el XXI”, convidada para dar uma conferência sobre o “Panorama da literatura infantil e juvenil na América Latina”. Organizado pelo Comitê Cubano do IBBY e pela “Cátedra latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura”, um dos encontros mais consistentes e rigorosos dos que já participei. Em comparação ao congresso anterior, de 2009, este se consolidou como um dos mais importantes fóruns de reflexão e discussão.

Estiveram presentes 265 delegados de 21 países, em 112 mesas, entre conferências, comunicações, oficinas e mesas redondas. Quatro dias de intensas atividades com direito a seções especiais de teatro com uma apresentação do grupo infantil La Colmenita e de cinema, com a exibição do filme “José Martí: el ojo del canário”, de Fernando Pérez. E ainda a realização do Primeiro colóquio internacional sobre o livro para bebês, crianças e jovens.

Com uma programação abrangente, foram apresentados temas tão variados como o valor da leitura, a força das bibliotecas, as influências da história da arte na ilustração contemporânea, ao lado de múltiplas experiências de toda América Latina. Nomes de primeira linha como Leonardo Padura Fuentes, Maria Teresa Andruetto, Fernando Cruz Kronfly, e brasileiros, cuja delegação foi uma das mais representativas, com Nilma Lacerda e Luiz Percival Lema Britto responsáveis por conferências e trabalhos.

O contraste entre a maturidade teórica, o acolhimento impecável e caloroso de toda a equipe organizadora, regida pela batuta exemplar da grande Emilia Gallego, e a realidade crua e complexa de Havana provocam sempre sensações difíceis de definir. As mudanças na Ilha, em relação a dois anos atrás, são evidentes. Na prática, salta aos olhos a restauração de parte da Havana Velha, cujo ritmo evidencia a beleza e a majestade dessa cidade forte e resistente aos ventos, ciclones, maresia, enfim, a todas as forças da natureza e ao abandono humano de décadas. Saindo do centro, vemos uma nova Havana crescendo, nos moldes mais tradicionais do esquema americano.

Mas por trás dessa renovação e crescimento, respira pesadamente uma Cuba “tetricamente mantida no tempo”, como escreveu Padura, que mistura desencanto, falta de perspectiva e a dúvida sobre o futuro incerto. “Os quatro muros da Ilha”, como disse Padura na sua conferência, evidenciam contradições latentes que a tenacidade, dignidade e sacrifício deste povo sofrido não foram capazes de superar. O bloqueio e uma burocracia voraz e autofágica contrastam com uma sociedade que já absorveu o pior do mundo globalizado.

Reconhecer isso, todavia, não significa jogar fora a criança com a água do banho. As ambiguidades e os contrastes são tantas e tão latentes que a simples negação ou condenação da história recente não dão conta dos olhares mais desarmados e solidários. Cuba é a prova dos impasses da barbárie contemporânea e certamente a melhor saída para a maioria do povo cubano não se encontra nem dentro e nem fora dos muros da Ilha. Daí o drama histórico que afeta não apenas Cuba e que transtorna os olhares mais críticos e menos preconceituosos e resistentes. A sensação de incompreensão imobiliza, incomoda e só deixa espaço para um sentimento de profundo respeito e solidariedade. Nada pior do que querer diagnosticar uma realidade tão distante dos nossos padrões e referências.

Participar do congresso é uma primeira porta para ver uma Cuba que não está nas ruas e que certamente guarda e resgata o melhor que essa Ilha produziu. Chamam atenção as reflexões sobre a leitura e a tentativa de ir para além da reiteração abstrata de seu valor. Luiz Percival Leme Britto abriu o congresso pontuando as diferenças entre uma alfabetização pragmática e uma atitude educativa, preocupada com uma formação cultural que “incomode” e que coloque o leitor fora de seu lugar. E Maria Teresa Andruetto fechou no mesmo tom, fazendo referência à “leitura, como outra revolução” (e dela pego emprestado o título desta coluna).

Resistência talvez seja o melhor termo que resume as jornadas do congresso. Emilia Gallego encerrou os trabalhos caracterizando o encontro como “um alerta crítico contra as armadilhas do mercado”, um espaço privilegiado para se pensar para além do convencional e estabelecido. Em comum, uma aposta na formação crítica de leitores, numa leitura e literatura distantes da mera instrumentalização e da exclusividade do mercado e na afirmação cultural do trabalho editorial que aposta no compromisso pela qualidade.

Um alerta para repensar, para tomar distância do estabelecido globalmente. Só um congresso como o de Cuba é capaz de fazer convergir tantos interesses em torno de uma reflexão sobre leitura e literatura para crianças e jovens, tendo em vista um mundo mais habitável e mais justo.

Dolores Prades é editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens. É membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen e curadora da FLUPP. É também coordenadora do projeto Conversas ao Pé da Página - Seminários sobre Leitura, e da área de literatura para crianças e jovens da Revista Eletrônica Emília. Sua coluna pretende discutir temas relacionados à edição e ao mercado da literatura para crianças e jovens, promover a crítica da produção nacional e internacional deste segmento editorial e refletir sobre fundamentos e práticas em torno da leitura e da formação de leitores. Seu LinkedIn pode ser acessado aqui.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Publicidade

A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!

Leia também
Uma visita a qualquer livraria importante, mostra a convivência dos livros ilustrados junto às inúmeras séries juvenis de sucess
Os temas transversais foram incorporados aos parâmetros curriculares nacionais com o intuito de introduzir e garantir a discussão de temas sociais na escola
A importância dos livros sem idade reside precisamente no fato deles ultrapassarem seus destinatários naturais e ampliarem seu escopo de leitores, graças a suas qualidades tanto formais como de conteú
O interesse por este tema tem sido também recorrente entre as solicitações de leitores da Revista Emília
Vários são os fatores responsáveis pelo crescimento do segmento de mercado dedicado a livros para bebês: o reconhecimento da importância da leitura para o futuro
Publicidade

Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.

Outras colunas
Aos autores consagrados, só posso dizer: desistam. Uma vez publicado, um livro não mais pertence ao autor
Novo livro de Carla Serafim se dirige diretamente ao coração, instigando-o a trilhar o caminho do amor-próprio
Uma obra corajosa surge, iluminando os bastidores da sociedade e propondo uma análise única sobre a Rede de Proteção Social
Seção publieditorial do PublishNews traz lançamentos das editoras Ases da Literatura e da Uiclap
A autora Larissa Saldanha compartilha sua história sincera e inspiradora, revelando como por muito tempo viveu sem compreender sua verdadeira identidade e propósito
Eu tive uma grande bússola. E essa bússola foram os livros.
Joumana Haddad
Escritora libanesa
Publicidade

Você está buscando um emprego no mercado editorial? O PublishNews oferece um banco de vagas abertas em diversas empresas da cadeia do livro. E se você quiser anunciar uma vaga em sua empresa, entre em contato.

Procurar

Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.

Procurar

O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?

Assinar