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O nobre e inglório copidesque
PublishNews, 14/09/2010
Depois de uma coluna dupla sobre tradução, Cindy Leopoldo segue mostrando como funciona um departamento editorial e fala agora sobre o copidesque

Em primeiríssimo lugar, quero aproveitar o tema para agradecer muitíssimo à profissional que copidesca todas as minhas colunas, Letícia Féres.

Após isso, seguindo, dentro de uma editora, o trajeto do texto que busca se tornar o que outrora chamou-se livro (e que agora tende a aplicativo), chegamos na tarefa que considero mais inglória: o copidesque ou preparação. Digo inglória, porque é um trabalho que não raramente é bastante exaustivo e quanto melhor você o fizer, mais elogios receberão outras pessoas (o autor, o tradutor, o editor). É um daqueles trabalhos que são valorizados por sua invisibilidade, como o design, por exemplo.

Diferentemente do tradutor, que tem seu nome na página de rosto ou até mesmo na capa, ganha aproximadamente entre R$ 15 e R$ 40 por lauda, tem associações de apoio (como Sintra ou Abrates), prêmios (como o Jabuti), graduação voltada para a área e diversas pesquisas acadêmicas, o profissional de copidesque (chamado de “copidesque” ou “copy”) tem seu nome, na melhor das hipóteses, em letras minúsculas na página 4 (ou “de créditos”), ganha aproximadamente entre R$ 3 e R$ 8 por lauda, não tem associações de apoio e, no geral, os cursos não ultrapassam o nível de “extensão”.

E pode piorar: o trabalho do copy tem um escopo variável e subjetivo. Varia de editora para editora ou mesmo de texto para texto dentro de uma mesma editora. Pode ser chamado “preparação de originais”, “revisão de tradução”, “edição de texto” ou até genericamente “revisão”, cada editora define se considera cada uma dessas como tarefas diferentes ou não. (Aí entramos em uma questão que eu considero extremamente importante na indústria editorial, que é o altíssimo grau de subjetividade no estabelecimento de terminologias. Afinal, se cada editora chama um profissional ou uma tarefa de maneira diferente, fica muito difícil estabelecer treinamentos, plano de carreiras e salários, certificações de qualidade, premiações etc. Mas, ok, isso é outra coluna.) E as definições de cada uma sempre esbarram na outra, por exemplo:

- A preparação, frequentemente utilizada para livros nacionais, pode consistir em “deixar o texto com cara de livro” (por exemplo, dividir em capítulos, retirar ou criar notas, colocar o texto com vocabulário e estrutura mais próximos do jornal do que do texto acadêmico ou do post de blogue etc.);

- A revisão de tradução costuma ser “uma melhorada na tradução” (por exemplo, cotejar linha por linha o texto em português com o original, traduzir novamente os trechos sem sentido ou distantes da estrutura do português, traduzir o que o tradutor não traduziu etc.);

- A edição de texto pode ser para “focalizar o texto” (por exemplo, definir uma ou mais gramáticas e acordar o texto a elas, esclarecer ambiguidades etc.);

- A revisão geralmente significa “não mexer muito no texto, dar uma olhada geral pra ver se passou algum erro de digitação” (por exemplo, buscar pastéis, padronizar disposição do texto, conferir peso dos títulos, rever cabeços etc.). Dentro deste item, surgiu recentemente a “revisão de reforma”, que é “exclusivamente” para adequar o texto à reforma ortográfica atual.

Na minha experiência prática fazendo frilas de copidesque, porém, o que eu vejo é que quem te passa o trabalho está esperando que você faça tudo o que está enumerado acima. Deixe um pastel passar em uma revisão de reforma ou um salto de tradução em uma edição de texto, ou não esclareça ambiguidades em uma preparação, ou deixe de colocar na nova ortografia o texto de uma revisão de tradução e você poderá confirmar (ou não) o que estou dizendo. No geral, esses termos servem apenas como dicas sobre o que esperam do profissional que vai trabalhar o texto:

- Preparação: Não necessariamente você precisa ter níveis avançados de conhecimento de qualquer outro idioma que não o português, pois o texto está ainda em um nível anterior ao que a editora considera como um “original” a ser trabalhado. Como é uma tarefa inicial, quase pré-cronograma, o prazo costuma ser bastante flexível. Mas, claro, sem deixar passar nenhum erro.

- Revisão de tradução: Obrigatoriamente, você precisa ser fluente no idioma do original e tem que ter boas noções de tradução. O prazo não será tão flexível quanto o da preparação, porque é uma tarefa que não foi planejada quando da definição do cronograma de publicação. Mas também não será um prazo tão apertado, porque quem está te passando o trabalho leu o texto e sabe bem quais são os problemas dele. Ah, e, claro, você não pode deixar passar nenhum erro.

- Edição de texto: Você precisa ter níveis avançados de conhecimento do idioma original para resolver qualquer ambiguidade, traduzir pequenos trechos ou ao menos indicar os saltos ou traduções inadequadas. Essa tarefa costuma ter um prazo bem definido e não muito negociável, pois, diferentemente das duas anteriores, está com seu tempo definido no cronograma, e quem te passou o trabalho entendeu que o texto ou é um original adequado, ou teve uma tradução adequada. Mais do que nunca, você não deve passar nenhum erro.

- Revisão: Chamar copy de revisão é mau sinal. Costuma significar que desejam pouca alteração, pois a prova já está diagramada, em pouco prazo, por aproximadamente metade do valor do copy. Costuma acontecer por supervalorização do texto original, mas há casos de má-fé mesmo. Não é raro o texto precisar de uma edição, e a editora acreditar que “o autor escreve muito bem” e sobrar para o “revisor” fazer a tal edição recebendo como revisão tipográfica. Dificilmente o texto fica bom, e cabe ao revisor topar ou não esse tipo de trabalho – ou colocar ou não seu nome nos créditos da obra. Assim como a revisão de reforma, não é necessário ter conhecimentos avançados de nenhum idioma que não o português, afinal espera-se que seja um trabalho simples e superficial quando comparado ao copy.

Infelizmente, a coluna de hoje é baseada apenas na minha experiência e nas conversas com colegas. Tudo que sei a respeito de copidesque vem da prática de analisar copidesques alheios e de fazer meus próprios frilas. Pensei em fazer entrevistas sobre o assunto com outros profissionais, mas teria que ser uma escolha parcial, pois não há um banco de dados central com seus nomes, titulações e prêmios. Geralmente são indicações por razões subjetivas e com aferição “de boca” e “por alto” da qualidade, como muita coisa em nossa indústria...

Sem dúvida, nossa indústria editorial precisa de uma grande reforma em sua maneira de trabalhar seus departamentos de produção e acredito que os e-readers farão uma parte dela acontecer logo. Mas não toda. E assim volto a minha querida ENQUETE: Se você pudesse alterar ainda que detalhes da indústria editorial ao que se refere à produção de livros (não falo de vendas ou marketing), o que você acha que deveria ser diferente? Respostas para enquete@publishnews.com.br

Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.

Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.

Acesse aqui o LinkedIn da Cindy.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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