Editoras brasileiras tentam antecipar o livro do futuro
, Agência Brasil que Lê, 19/11/2008

Criado por um americano de 19 anos na época, o site de compartilhamento de arquivos Napster tornou-se sinônimo de ruptura. Num piscar de olhos, a indústria fonográfica perdeu totalmente o controle sobre sua principal fonte de receita: a música. Faixas e mais faixas, dos mais diversos gêneros e estilos, foram parar na web, oferecendo acesso gratuito a um conteúdo que, até então, era pago, para qualquer pessoa com um computador em mãos e acesso à internet. O download feito por essas pessoas era e é ilegal, pois prescinde do pagamento de direitos autorais aos seus donos. O Napster foi processado judicialmente e, hoje, está dentro das leis. Isso não significa, no entanto, que a atividade virtual acabou.
Tanto é que a indústria fonográfica continua encolhendo. Não seria exagero afirmar que o setor nunca mais foi o mesmo desde que Shawn Fanning colocou no ar, em 1999, a primeira versão do portal. O espanto e a resistência das companhias em entender o significado do Napster foram tão grandes que o setor ainda não se recuperou. Em 2000, a indústria fonográfica movimentou US$ 36,9 bilhões em vendas ao consumidor final em todo o planeta, segundo a instituição que representa o setor mundialmente, o IFPI. Em 2007, esse número despencou para US$ 29,9 bilhões.

Passados quase dez anos do surgimento do primeiro site de compartilhamento virtual e após a indústria ter perdido quase 20% de sua receita, os executivos reconhecem que demoraram para tomar uma atitude. Os especialistas advertem que, agora, resta que outras indústrias de bens culturais olhem para o passado – e para o presente – de seus companheiros para não cometerem o mesmo erro.
“Nós não temos o direito de sofrer a barrigada que a indústria fonográfica cometeu”, afirma Leila Name, diretora de produção editorial e gráfica da Nova Fronteira, selo do grupo Ediouro. Leila e outros executivos do grupo reuniram-se num fim de semana para pensar sobre a questão do conteúdo digital. A Ediouro contratou até um profissional do setor de tecnologia da informação para auxiliá-los nesse processo.


Nada parecido com o que aconteceu com a indústria fonográfica está a caminho do mercado editorial. Ao contrário da música, os livros têm uma ligação emocional forte com os consumidores. A pesquisa mundial Media Predictions – TMT Trends 2008, realizada pela consultoria Deloitte, afirma que “a tecnologia, não importa quão boa ou barata possa ser, talvez nunca consiga competir com a nossa ligação sentimental com o livro. Algumas mídias, como o livro, a revista e o jornal, são exemplos de que continuarão a perdurar em seus formatos existentes”.
Isso não significa, no entanto, que o setor pode se acomodar. A Sociedade dos Autores, uma organização que representa mais de 8,5 mil escritores profissionais da Inglaterra, alertou para a demora em oferecer conteúdo digital legal na rede. Em março deste ano, a instituição informou que a pirataria virtual tem afetado obras em que o leitor não precisa ter acesso a todo o conteúdo, como os títulos de gastronomia, de poesia, guias de viagem e contos. Algumas personalidades famosas têm sido as mais vulneráveis.

Em 2003, um e-mail dizia oferecer uma cópia completa do título mais recente de receitas do popular chef inglês Jamie Oliver na época. A editora responsável pela obra de Oliver afirmou ser um trote: o conteúdo oferecido era uma compilação de edições já publicadas. Em julho de 2007, foi a vez de “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, o sétimo título da série criada pela inglesa J.K. Rowling, cair na rede. Quatro dias antes de ser lançada, a obra podia ser encontrada em sites. Uma tradução chinesa gratuita tornou-se disponível antes da versão oficial da língua chegar ao país. Algumas editoras têm preferido se antecipar à era digital. “O mundo monopolizado pelo livro impresso de papel, um formato existente há cinco séculos, morreu”, diz Richard Uribe, subdiretor do Livro e Desenvolvimento do Centro Regional de Fomento do Livro na América Latina e no Caribe (Cerlalc), um organismo vinculado à Unesco. “A importância do livro impresso não acabou. Porém, é preciso aprender a conviver com outros formatos. A leitura continua tendo valor na vida das pessoas. Há diferença se é no papel ou em algum aparelho digital?”


A dúvida lançada por Uribe deve ficar no ar por mais alguns anos. Nem mesmo a indústria fonográfica encontrou um novo modelo de negócio lucrativo para substituir a forma com que se lidava com música antes do Napster. Por enquanto, o mercado editorial experimenta – os testes são inúmeros e diversificados.
A Nova Fronteira, por exemplo, lançou-se na internet pela primeira vez no início desta década. Com um acordo com a gigante brasileira do varejo online Submarino, a editora ofereceu o download gratuito da obra Miséria e grandeza do amor de Benedita, do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, um ano antes de lançá-lo na versão física. “Tivemos cerca de 12,5 mil downloads”, lembra Leila. “E nada impediu que o livro vendesse 30 mil exemplares ao longo do tempo.”
Em 2006, a casa fez outro teste. No cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas, do mineiro João Guimarães Rosa, foram lançados, simultaneamente, uma edição de luxo, por mais de R$ 100,00; uma brochura, por R$ 59,00; um livro de bolso, por R$ 28,00, e a possibilidade de copiar o arquivo de graça na internet. A executiva afirma que nenhum formato prejudicou o outro.


Agora, a Nova Fronteira e todo o grupo Ediouro preparam-se para um passo maior. Internamente, estuda-se um modelo de negócio viável para lançar um portal para venda de downloads de livros ou compra sob demanda. “Nós temos 89 títulos da Agatha Christie, mas não conseguimos manter todos eles ativos”, explica Leila. “Nesse portal, o consumidor terá a opção de comprar o arquivo ou pedir o livro impresso.” O processo de digitalização do acervo já começou. O portal, estima a executiva, deve entrar no ar em cerca de seis meses. Por enquanto, ainda se estuda a política de segurança do conteúdo e o preço do serviço. Alguns autores, como Thomas Mann, Simone de Beauvoir e Agatha Christie devem ser os primeiros a chegar à web com a nova proposta da editora.


A política de segurança tem sido uma das principais questões para o mercado editorial. Na música, há tecnologias de segurança que proíbem a transferência de arquivos de um aparelho para o outro. Tanto a indústria fonográfica quanto a cinematográfica têm a opção do streaming também. Ou seja, o usuário precisa estar conectado à internet para ouvir ou ver o conteúdo. Porém, ele não faz o download do arquivo para o computador – formato usado pelo site de vídeos You Tube, por exemplo. Para as editoras, é preciso definir como o usuário terá contato com o arquivo: ele poderá imprimir total ou parcialmente a obra? Será possível transferir o conteúdo para outros aparelhos?


No mercado editorial, porém, este assunto ainda é uma barreira. Tanto a editora Senac quanto a Melhoramentos estudam o assunto. Marcus Vinicius Barili Alves, gerente geral e editor da Senac de São Paulo, afirma que a segurança é o principal ponto que impede a casa de vender seu conteúdo na rede. “Talvez tenhamos algumas idéias sobre isso na Feira de Frankfurt deste ano”, diz. No entanto, ele não se arrisca a prever quando que o projeto sairá do papel.
Para chegar a alguma decisão, a Melhoramentos decidiu explorar as possibilidades de segurança com os escritores da casa. “Temos discutido com os autores para chegar a um consenso”, diz Breno Lerner, diretor-geral da editora. A idéia é lançar um serviço de venda do arquivo digital no próprio e-commerce da editora. “O site já está preparado tecnologicamente”, revela.


A Melhoramentos oferece seus produtos em algumas mídias digitais há cerca de dez anos. A casa disponibiliza o dicionário Michaelis para intranet (rede interna das companhias), para dicionários online como o Babylon, para celulares e o Palm. “A linha digital do dicionário deve responder por 8% da receita do Michaelis em 2008”, diz Lerner. O executivo diz que a marca representa 35% do faturamento total da editora, sendo que o arquivo digital não influencia as vendas das obras em papel.
Enquanto a definição sobre um padrão de segurança está longe do fim, a editora Senac oferece seu conteúdo na internet para a divulgação. Uma das primeiras a assinar um contrato com o projeto Google Book Search (Google Pesquisa de Livros), a editora já tem todo o seu catálogo ativo – cerca de 850 obras – digitalizado pelo gigante da tecnologia. Dependendo da busca dos usuários, as obras da Senac podem ser acessadas e o consumidor pode ser levado a um varejista online para adquirir o título. Atualmente, o acordo que a editora tem com o Google possibilita o acesso a cinco páginas corridas ou 20% do conteúdo do livro.


“A degustação do conteúdo favorece a compra”, garante Alves. “Hoje, a taxa de conversão [usuários que pesquisam um livro da Senac e efetuam a compra] é de 10%. Entre os parceiros do programa, percebe-se que, quanto maior o volume de degustação,maior a taxa de conversão.” Por esse motivo, o executivo estuda ampliar a oferta de conteúdo gratuito no projeto de pesquisa do Google. “Não há canibalização. Pelo contrário, é uma alavanca para as vendas.”
A Livraria Cultura optou pelo mesmo caminho da divulgação. Em outubro, a rede anunciou um acordo com o projeto de pesquisa do Google, o primeiro acordo deste tipo no mundo. “A degustação virtual ajuda a vender”, afirma Sergio Herz. Agora, todos os livros comercializados pelo site da livraria que estão no Google Book Search, são oferecidos para o usuário experimentar. “As obras digitalizadas pelo Google entram automaticamente na Livraria Cultura”, diz ele. O executivo afirma que, com o hábito crescente de comprar livros pela internet no Brasil, os consumidores demandam informações para realizar a compra.


A idéia de vender conteúdo pela loja virtual da Livraria Cultura, por enquanto, não está nos planos de Herz. “Vendemos arquivo digital entre 2001 e 2005”, diz. Mas o projeto acabou não dando tão certo e o serviço foi desativado. Eram livros de R$ 9,00 a R$ 15,00, com uma oferta de cerca de mil títulos. O usuário comprava o download e era possível imprimir o conteúdo. “Vendíamos super pouco. A manutenção do site era mais cara do que a receita de vendas”, lembra.
Hoje, há algumas iniciativas pontuais, como o site eBook Reader, que oferece alguns poucos títulos para a venda e mais de mil obras gratuitas. A Fundação Biblioteca Nacional, com sede no Rio, começou a digitalizar parte do seu acervo em 2001 e, assim como o portal Domínio Público, oferece conteúdo gratuitamente. Para Herz, talvez o mercado ainda não estivesse pronto para esse tipo de consumo na época em que a Livraria Cultura lançou seu projeto.


É o caso, por exemplo, do audiolivro. Parece que só agora o mercado está maduro para demandar o formato do livro falado, que existe há décadas. A Melhoramentos tentou trabalhar esse segmento há sete anos atrás, ainda com as fitas cassetes, mas sem sucesso. Agora, no entanto, editoras têm investido nesse formato. O lançamento do selo editorial Plugme, da Ediouro, mostra bem isso.
O selo, uma parceria entre o francês radicado no Brasil, Patrick Osinski – que criou a editora especializada em downloads de audiolivros Volume – e a Ediouro, está sendo lançado em setembro. Até agora, o Plugme vem sendo apresentado em alguns eventos de livros, como a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e a Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Com um posicionamento jovem para o produto – que até então era mais associado a consumidores com deficiência visual –, a estratégia, agora, é encaixar as histórias narradas no dia-a-dia corrido das pessoas, especialmente nos grandes centros urbanos.


A principal aposta da editora, segundo Cristina Albuquerque, gerente de produtos da Plugme, é em consumidores que passam muito tempo no trânsito. “O potencial para esse público é grande, pois existe uma forte sensação de tempo perdido”, afirma. “Mas o audiolivro não substitui o livro impresso. Cada um tem o seu espaço.” Os títulos variam de R$ 24,90 a R$ 29,90 e podem ser adquiridos em livrarias (em CDs) e pelo download na internet. Segundo a executiva, um dos principais diferenciais do selo são as vozes da narração: os consumidores provavelmente reconhecerão muitas delas. O audiolivro A lição final, do professor americano Randy Pausch, teve sua versão em português narrada pelo ator Paulo Betti. Enquanto que José Wilker empresta a voz para Quando Nietzsche chorou.


A Melhoramentos também voltou a testar, nos últimos dois anos, o livro falado em seus títulos infantis. Inicialmente, a editora preferiu experimentar o formato acoplando o CD às obras, “para acostumar o consumidor”, explica Lerner. O próximo passo será oferecer a mídia sozinha, a partir da volta às aulas de 2009.
Apesar de tantas experiências e novos formatos, o livro no papel tem características difíceis de serem imitadas, quanto mais substituídas. “Percebemos que tínhamos que agregar valor ao livro papel, principalmente porque as crianças querem mais interatividade”, diz Lerner. Isso não significa, no entanto, que o prazer de folhear uma obra ficará obsoleto. Mas, em época de ritmo frenético de lançamentos tecnológicos, ficar atento às novidades tornou-se um imperativo. “Hoje, somos, antes de mais nada, provedores de conteúdo”, resume o executivo da Melhoramentos.

Internautas são os que dedicam mais tempo à leitura - A leitura em meios digitais já é uma realidade. O Brasil é um dos maiores mercados de computadores do mundo e o brasileiro adora navegar na web. São mais de 41 milhões de habitantes com acesso à internet no país, segundo o Ibope Net Ratings. Nesse novo cenário, os hábitos da população têm apresentado mudanças. A pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope, mostra essa tendência: uma geração de brasileiros multimídia, ávida por obter informação e sem preconceitos em relação ao suporte em que consumirá esse conteúdo.
Quando questionado sobre o que lêem, cerca de 50% dos entrevistados responderam consumir revistas, livros e jornais. A importância da internet, no entanto, é cada vez maior. A internet representou 20% das respostas nesse quesito e os livros digitais por 3%.

O Portal Domínio Público pode ser um bom termômetro da demanda que existe – talvez até de forma reprimida – por conteúdo digital. No site do Ministério da Educação, já foram baixadas 7 milhões de cópias das 72 mil obras disponíveis no endereço virtual (www.dominiopublico.gov.br). A pesquisa também mostrou que os leitores que apreciam mais a leitura de textos na internet também são os que dedicam maior tempo para ler durante a semana. Embora esteja longe de figurar entre os números mais expressivos em quantidade de leitores – até porque ainda é modesto o percentual de brasileiros com acesso à internet, como o próprio estudo demonstrou – o dado é revelador. De acordo com os especialistas, ele pode indicar uma tendência futura de comportamento leitor da população. . (Agência Brasil Que Lê)
[19/11/2008 01:00:00]