A festa acabou
PublishNews, Maria Fernanda Rodrigues, 17/10/2011
Entre os dias 12 e 16 de outubro, editores brasileiros compraram e venderam, em Frankfurt, direitos de livros que devem chegar ao mercado em 2012, 2013, 2014...

No dia 7 de outubro, Dolores Manzano, a Dosh, saiu atrasada da Câmara Brasileira do Livro, pegou aquele tradicional congestionamento de sexta-feira, atravessou São Paulo, chegou ao Aeroporto de Cumbica, entrou na fila do check-in para descobrir, depois de muita conversa com a funcionária da empresa aérea, que seu voo para Frankfurt estava marcado para o dia seguinte. Dosh é a gerente executiva do Projeto Brazilian Publishers, criado pela Câmara Brasileira do Livro e Apex para divulgar a produção editorial brasileira no exterior, e responsável pelo estande do Brasil na Feira de Frankfurt. O episódio do aeroporto dá apenas uma pequena amostra de que organizar a participação de mais de 50 editoras na maior feira de livros do mundo faz qualquer um perder o prumo.

Mas tanto trabalho valeu a pena. “Olha só o estande do Brasil! Todos os anos tenho que perguntar onde é que ele está e hoje foi só pensar e já vi porque ele está muito maior, visível e bonito”, comentou a brasileira Ludmila Szewciw, que mora há 36 anos na Alemanha e frequenta a feira há 35.

Grande, aberto e claro, o estande do Brasil trocou o verde e amarelo clichê da bandeira por um azul mais discreto e móveis em madeira clara. Ele ficava entre o do México e o da Argentina e era um dos mais movimentados do Pavilhão 5, onde se concentravam, no andar do Brasil, editoras vindas também da Espanha, Portugal, Cuba, Turquia, República da Macedônia e de tantos outros países. No estande havia mesas para reuniões, estantes para exibição dos livros, café, frutas, suco, caipirinha e uma dezena de jovens alemães e brasileiros recebendo os visitantes e facilitando a vida dos editores brasileiros. Para completar o espaço, a Fundação Biblioteca Nacional alugou a área ao lado e criou ali um lounge, que acabou se tornando um ponto de encontro.

“O estande está fantástico, funcional e com a cara desse Brasil grande”, comentou Breno Lerner, superintendente da Melhoramentos, que fez bons negócios na Feira de Frankfurt. Depois de anos de tentativas, a editora finalmente conseguiu vender seu banco de dados Michaelis para a Rússia. Cinema vai à mesa foi comprado pela Bélgica. Ziraldo vai chegar à Noruega com Flicts e em Israel com Vito Grandam – Uma história de voos. Entre os títulos que a editora comprou estão o juvenil História de St. Louis, sobre o navio com sobreviventes da Segunda Guerra Mundial que não conseguia atracar em país nenhum. O episódio, real, é narrado por dois sobreviventes e o livro, na opinião de Breno, é um dos mais bonitos da feira. Os outros dois títulos que Breno destaca são os infantis O dia da eleição, que é a história de um burro e de um elefante que estão concorrendo com muita baixaria em uma eleição mas que depois decidem jogar limpo, e mesmo assim, ou por isso mesmo, perdem; e o canadense Como construir o seu país.

José Castilho Marques Neto participa da Feira de Frankfurt há 21 anos ininterruptos e disse que muita coisa mudou nos últimos tempos e a principal delas foi a concentração das editoras. Castilho comentou também que hoje é muito difícil encontrar um agente que saiba o que está dizendo e que essas duas coisas estão relacionadas. Relações construídas ao longo dos anos, que se refletiam num catálogo coerente, também estão se perdendo com a alta rotatividade nessa área, comentou o presidente da Editora Unesp, que está levando para o Brasil, entre outros títulos, as obras completas de Jürgen Habermas. Quando à participação do Brasil na feira este ano, disse: “O estande está começando a tomar o tamanho da importância do mercado brasileiro.”

“Todos os outros estandes que o Brasil já teve tinham um tablado e era preciso subir. Agora, é aberto e o espaço do lado foi ótimo. Se mexer estraga”, comentou Eduardo Blucher, que garantiu para a Blucher os direitos de publicar no Brasil, entre outros, o livro Como aplicar o design tipográfico para o tablet. Na opinião do editor, existe uma expectativa muito grande quanto à participação do Brasil na feira e o país correspondeu. “A situação atual do Brasil e a crise no resto do mundo nos colocam num outro patamar para fazer negócios.”

“Se a editora não vem para a feira para vender, não faz sentido ter estande próprio. É mais prático participar do estande coletivo, não precisa ficar na feira o tempo todo, faz mais contatos e tem a companhia de outros editores brasileiros. Esse ano o estande está muito bonito, mais claro e mais amplo. Mudamos de patamar”, disse Miriam Gabbai, da Callis. Mas Miriam queria vender. E foi por isso que decidiu, além de participar do estando do Brasil, já que é associada ao projeto Brazilian Publishers, ter seu próprio estande. Pelos critérios da feira, a Callis poderia ter escolhido o andar dedicado a livros infantis ou poderia ter ficado perto do Brasil no pavilhão das editoras internacionais. Mas foi logo para o Pavilhão 8, onde ficam as editoras de língua inglesa, e para onde todos os editores e agentes vão. Como conseguiu? A Callis também opera nos Estados Unidos, com empresa aberta lá. O maior sucesso da editora na feira foi A felicidade é uma melancia na cabeça, que deve ser vendido para quatro países. Um fato curioso: Mirim tinha muitas reuniões agendadas com japoneses, mas muitos chineses apareceram interessados em seus livros. Isso tudo porque a Callis costuma participar da Feira do Livro de Tóquio e tem agente divulgando a editora entre os orientais.

“O efeito ‘país homenageado’ é enorme. Achei que eu teria uma agenda minguada, mas não parei um minuto”, comentou Mariana Warth, da Pallas. “O estande está lindo e acolhedor, e as pessoas têm vontade de entrar para conhecer os livros. São várias mesas para reunião e as pessoas podem usar o lounge para folhear os livros. Sem dúvidas, ele oferece uma boa estrutura para o editor.”

“Muitas editoras tiveram interesse em comprar os direitos dos nossos livros e teve até uma editora indiana que pediu para comprar todo o catálogo de uma vez”, comentou Guilherme Napoleão, proprietário da Editora Napoleão, especializada em obras na área de Odontologia. “Mas o grande entrave é a tradução de uma obra técnica, que requer tradutores especialistas. Se ao menos o programa de apoio à tradução da Biblioteca Nacional fosse aplicado a autores técnicos...”, lamentou o editor em sua terceira visita à Feira de Frankfurt. A Napoleão fica em Nova Odessa, interior de São Paulo, tem quatro anos e 30 livros em catálogo.

Comprar ou vender? Aprender

Pedro Galé, editor da Barcarolla, foi à Feira de Frankfurt pela primeira vez este ano. “A feira é assustadora no começo, mas depois melhora porque você começa a ver gente que tem o mesmo problema que você e gente que tem mais problema do que você. E muitas pessoas que eram só uma assinatura de e-mail ganham um rosto”, comentou. Pedro não queria comprar e nem de vender nada. “Minha ideia era conhecer a feira e me preparar para a próxima. Sem vir não dá para dimensionar o que é isso tudo o que está acontecendo no mercado editorial que acompanhamos pela imprensa.”

“Não se faz um trabalho no exterior em um ano, mas foi muito bom ter participado porque aprendi muito”, comentou Roger Faria, um dos sócios da Toriba. Sua vida nesses dias de feira não foi nada fácil. Enquanto os outros editores abriam uma pastinha para retirar o catálogo, mostravam algum arquivo no iPad ou alcançavam algum livro na prateleira ao lado, Roger tinha que tirar seu único livro já lançado, Nação Corinthians, de 30 kg e 624 páginas, da estante para mostrar aos curiosos. E calcula que tenha feito isso 40 vezes. “Meu objetivo não era vender o livro e acabei fazendo muitos contatos com prestadores de serviço, distribuidores e editores com os quais podemos fazer parcerias e levar seus livros ao Brasil”, comentou. A Toriba participou da feira no estande do Brasil. “É muito melhor estar inserido neste contexto do que vir à feira de forma independente, e não digo isso apenas pela economia. Temos muito mais chance se aparecer.” Os editores brasileiros que tentavam um leilão informal do livro em exposição se frustraram. No sábado à noite a obra voltou para a caixa protegida por muito isopor e continuará sendo usada para divulgação. Pudera, o livro custa R$ 15 mil.

A Cortez participou da feira em 94, 97 e 2010 e voltou este ano para se atualizar, ver o que as outras editoras andam fazendo e as novidades do livro digital, e para fazer contatos. Também não queria comprar e nem vender, como explicou o diretor comercial Antonio Erivan Gomes. Mas ele foi o último a se levantar da mesa de negociações no estande do Brasil neste sábado, às 18h, quando todos os estandes vizinhos já estavam apagando as luzes. “Vi coisas muito interessantes, mas não viemos para comprar. Vim para fazer contatos e para viabilizar outros projetos da editora”. Erivan disse que a Cortez pretende continuar participando, elogiou a estrutura do estande “que dá um respaldo muito bom às editoras” e se mostrou animado com as possibilidades que se abrem com o novo programa de apoio à tradução de autores brasileiros.
[17/10/2011 01:00:00]