Suponhamos, como se espera, que a ação direta de inconstitucionalidade nº 4815, ajuizada pela Associação Nacional de Editores de Livros (Anel) perante o Supremo Tribunal Federal seja julgada integralmente procedente. Se tal acontecer, os arts 20 e 21* do Código Civil serão suprimidos e, portanto, deixarão de produzir efeitos.
Em consequência, os autores ficarão dispensados de autorização prévia de biografados ou herdeiros para a publicação de biografias. Lembro que a dispensa é da autorização para a realização de biografias.
No entanto, ainda persiste, no mundo da informação, o velho embate entre, de um lado, a liberdade de expressão e, de outro, os danos à imagem e à honra das pessoas, além da invasão de privacidade.
Atenção para esses quatro incisos, que se encontram entre os direitos fundamentais (art. 5º) da Constituição brasileira:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
A difícil arte consiste, justamente, em balancear esses dispositivos, que são princípios fundamentais da nação brasileira. É necessário administrar possível colisão entre eles e, na hipótese de choque, sopesar qual o que prevalecerá.
O fato é que essa decisão tem que ser tomada pelo autor que escreve uma obra e pelo editor que a publica, pensando seriamente nas consequências de eventual violação. Esse raciocínio deve ser feito à vista de possível questionamento judicial e de padrões de razoabilidade vigentes.
Acrescento, ainda, mais um relevantíssimo inciso do art. 5º, deliberadamente citado só agora:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Se não vai haver censura a obra de arte (e um dos fundamentos da ADI 4815 é a liberdade de expressão), tal não significa que eventual ofensa nela contida não possa ser objeto de reclamação, e de possível indenização decidida pelo Poder Judiciário.
Desculpem-me por transcrever tantos artigos de lei, mas é necessário mostrar minimamente para o leigo o mecanismo jurídico. Assim, em essência, quem causa um dano tem a obrigação de indenizar o prejudicado, como estipula o Código Civil nos seguintes artigos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Em tempos de internet, livros eletrônicos e circulação rápida e abundante de informações, os padrões de configuração de dano e de reparabilidade ainda não estão plenamente definidos.
Portanto, a liberdade para a publicação de biografias não dispensa o cuidado na sua investigação dos fatos e na sua elaboração. A informação correta – ou ao menos os esclarecimentos sobre a controvertida – é uma exigência sempre seguida pelos bons biógrafos. Há uma demanda represada, mas é preciso ter cautela habitual, para evitar os danos apontados acima, e possível dever de indenizar.
* Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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