O crescimento orgânica do mercado digital nos países em desenvolvimento
PublishNews, 26/09/2013
A ideia de penetração de e-books no setor editorial em geral é relevante para regiões como os EUA e a Europa, mas é muito menos importante para outros mercados

Eu estudo publicação eletrônica em países em desenvolvimento desde 2009, quando Ramy Habeeb (Egito), Arthur Attwell (África do Sul) e eu montamos a Digital Minds Network, para trocar dados informalmente. Como editores digitais no Sul Global, não sentíamos que os modelos de negócios dos EUA e da Europa se encaixavam nas nossas necessidades. Então, em 2011, a International Alliance of Independent Publishers e o Prince Claus Fund me pediram para fazer um estudo detalhado do fenômeno digital na América Latina, África, Mundo Árabe, Rússia, Índia e China. Desde então, continuo a monitorar a publicação digital no mundo em desenvolvimento.

É difícil gerar números sobre a penetração do e-book nestas regiões, por várias razões. As estatísticas nacionais tendem a ser instáveis - é difícil criar um catálogo de livros impressos no Mundo Árabe, por exemplo. Além disso, a ideia de penetração de e-books no setor editorial em geral é relevante para regiões como os EUA e a Europa, mas é muito menos importante para os mercados em desenvolvimento.

Na verdade, quando a tecnologia digital explodiu, o Ocidente já tinha uma "indústria Gutenberg" bem integrada, e o e-book foi visto como uma extensão ou migração do livro impresso: então, havia "livros" e depois "e-books", "distribuição" e depois "e-distribuição". É lógico, então, que a experiência pioneira de Michael Hart se chamasse Project Gutenberg e que a Amazon, a atual líder de vendas digitais no Ocidente, começasse como uma livraria online. Na Espanha, para dar um exemplo europeu, a Libranda foi criada pelas maiores editoras impressas.

Desenvolvimento digital orgânico nas economias em desenvolvimento

Nos mercados emergentes, no entanto, as versões eletrônicas nem sempre aparecem como um segundo estágio, às vezes são desenvolvidas diretamente, sem uma história analógica. Numerosos portais de e-publishing no Oriente começaram com videogames, por exemplo – como é o caso da Shanda Cloudary. Na África, livros físicos são considerados e-books impressos – ver a Paperight — que inverte a típica sequência ocidental (1º livros, 2º e-books). São ecossistemas bem diferentes dos que estamos acostumados.

É por isso que quando falamos de países emergentes, em vez de se referir somente a e-books, faz mais sentido falar em edição digital, incluindo alguns livros para celular, plataformas online, impressão sob demanda e conteúdo educativo digital – além dos e-books, claro. Se olharmos só para e-books, capturamos pouco movimento e arriscamos perder de vista o que é importante: fenômenos significativos acontecendo, que devem ser medidos quantitativamente (números de renovação de estoque, número de publicações) assim como qualitativamente (impacto social, tendências subjacentes).

Os mercados emergentes incorporam modelos internacionais, ao mesmo tempo em que criam modelos próprios – e a variedade é enorme. Na América Latina, algumas das grandes capitais com forte tradição editorial (São Paulo, Buenos Aires) tendem a seguir o padrão típico livro/e-book do Ocidente, mas há outras tendências interessantes, como a proliferação de literatura online – ainda sem um sólido modelo de negócio – ou a infraestrutura do setor público e projetos de conteúdo digital. O Brasil lidera o caminho no campo tecnológico, apesar de que para o resto dos países na América Latina, o fato de terem uma língua em comum – espanhol – representa uma vantagem quando se pensa em iniciativas eletrônicas.

Na Índia, reduzir a lacuna entre o digital e o impresso também é uma política do Estado. Talvez por causa da profusão de idiomas – e, portanto, de caracteres – típica do país, o setor público optou por um tablet, em vez de laptops com teclado analógico. Assim surgiu o Aakash, um dos projetos tecnológicos mais ambiciosos da história mundial. Entregar mais de 220 milhões de tablets para estudantes será uma tarefa desafiadora, mas se a iniciativa for um sucesso, em quatro ou cinco anos, o mercado editorial na Índia será muito diferente do que é agora, e várias empresas e indivíduos já estão criando conteúdo para este aparelho.

China: um centro dinâmico

A China é definitivamente o centro mais dinâmico da publicação digital. A literatura chinesa online está mostrando sinais de extraordinária vitalidade, com portais como Qidian ou Hongxiu— os dois sob a égide da Shanda Literature. Os quase 2 milhões de autores da empresa, 6 milhões de títulos a venda e dezenas de milhões de leitores ativos são outro indicador de que na China a leitura e a escrita digital alcançaram as massas e estão se tornando um negócio sério. O país oferece plataformas importantes, um enorme volume de conteúdo e uma massa de clientes sem igual: para mencionar só um dado estatístico comparativo, há tantos usuários de internet 3G na China hoje quanto habitantes nos Estados Unidos.

Há alguns anos que as grandes empresas ocidentais – Amazon, Apple, Google — encontram certas dificuldades quando se trata de ganhar uma base nestas regiões. Como exemplos: na China, a Amazon capturou ridículos 1 ou 2% do e-commerce doméstico; na Rússia, o líder de buscas online não é Google, mas Yandex, com 62% do mercado; na África subsaariana, a presença da Apple é completamente marginal. Acho que hoje em dia, uma editora estrangeira tem mais chance de vender um e-book na Argentina, por exemplo, através da Bajalibros do que através das lojas internacionais.

A situação sempre pode mudar, mas no presente a estratégia mais razoável para as editoras interessadas em entrar nestes mercados seria: 1) tentar entender a lógica digital do país – principais atores públicos e privados, aparelhos, meios de pagamento, impostos, negócios e tradições culturais e 2) formar uma aliança com os players locais.

Contextos de mudança e evolução

Muitos países em desenvolvimento apresentam contextos econômicos em constante mudança, como câmbio flutuante, inflação, regulamentações inesperadas e outros obstáculos que as editoras norte-americanas e europeias não estão acostumadas. Até países que agora parecem estar estáveis do ponto de vista macroeconômico podem mudar da noite para o dia, como já aconteceu tantas vezes na América Latina, por exemplo. Subestimar estes desafios pode ser fatal. No entanto, uma estratégia equilibrada pode abrir as portas para substanciais mercados digitais, como no setor educacional na Índia e no Brasil. As oportunidades nesta área são enormes.

As lições aprendidas do mercado editorial no mundo em desenvolvimento podem ser lucrativas não só para projetos implementados nestas regiões, mas também para iniciativas realizadas na Europa e nos EUA. Há muitas comunidades multiculturais do Sul Global no Ocidente e algo me diz que se os editores pudessem levar em conta a "gramática digital" que acontece no país de origem, talvez conseguíssemos atingir este público especial de forma mais eficiente – independente de onde estiverem vivendo.

Octavio Kulesz é o diretor da editora Teseo de Buenos Aires e da Alliance-Lab. Ele fará uma palestra na Publishers Launch Frankfurt Conference sobre o tópico de "O que você precisa saber sobre Edição Digital no Mundo em Desenvolvimento" às 13h do dia 8 de outubro, Hall 4.2, Room Dimension na Feira do Livro de Frankfurt. Inscreva-se aqui.

Artigo publicado originalmente na Publishing Perspectives. Tradução: Marcelo Barbão.

[25/09/2013 21:00:00]