Virando editor digital
PublishNews, 05/06/2013
Quando comecei a trabalhar com edição digital, não havia um mercado real e, portanto, nenhuma renda constante

Quando comecei a trabalhar com edição digital, aquilo era ainda algo muito estranho. Não havia um mercado real e, portanto, nenhuma renda constante. Não havia nenhum exemplo e nenhuma ideia do que seriam os produtos. Não tinha tanto trabalho além de atividades experimentais. Havia uma grande sensação de que o mundo estava mudando, e a web era, mais uma vez, a coisa mais animadora do momento. Bolhas criativas e potencial de negócios estavam por toda parte. Por fim, e não menos importante, uma quase universal hostilidade e ceticismo da maior parte do mundo editorial. Isso, claro, foi em outra era, uma época perdida nas brumas do tempo. Isso foi em 2007.

Minha jornada pelo mundo editorial foi, em alguns aspectos, bastante padrão, tendo estudado literatura na universidade e depois ficado sem saber o que queria fazer ao me formar. A área editorial parecia interessante e, tendo alguma experiência de trabalho e sem qualquer oferta de doutorado decente, eu decidi entrar nesta área (ainda bem!). Meu primeiro emprego foi com a agência literária Rogers, Coleridge & White. Eles são um lugar fantástico, mas eu sabia que queria ser editor, e não agente. Depois de várias viagens e alguns bicos percebi que deveria combinar meu amor pela leitura com outra paixão – a tecnologia.

E-books entraram em cena no meio dos anos 90 e, depois de muita divulgação, morreram junto com o crash das ponto-com. Depois de alguns anos de silêncio, parece que houve um interesse renovado na possibilidade dos e-books. Vendo o que acontecia na indústria musical e no jornalismo, parecia uma aposta razoável achar que, cedo ou tarde, o mundo editorial seria impactado pela Internet. Consegui então um emprego numa equipe digital minúscula na editora Pan Macmillan. Depois de alguns anos interessantes, entrei na editora independente Profile Books (incluindo nossos outros selos Serpent’s Tail, The Economist books e The Clerkenwell Press) onde dirijo nossas operações de publicação digital. O que isso significa, bom, fica para outro post.

Acho que a publicação digital tende a passar por várias fases. A primeira foi basicamente a que descrevi acima, com algumas tardes passadas no Second Life – que eu justificava ao Diretor Geral como um tipo de pesquisa. O problema era que não havia nenhuma forma de ganhar dinheiro. O ePub ainda estava sendo formalizado e não havia nenhuma loja de e-books funcionando plenamente no Reino Unido.

A pior coisa, no entanto, era o choque cultural. O digital parecia oferecer uma enorme oportunidade para as editoras. Era um mundo novo, onde podíamos fazer qualquer coisa, onde as regras poderiam ser reescritas, onde autores e editoras poderiam redefinir os modos de comunicação e negócios que tinham dominado por séculos. Acontece que a maior parte da indústria estava bem ajustada às duas coisas e via o digital como inimigo. Meu caso sempre foi e continua sendo: não, não estou tentando matar os livros, estou tentando salvá-los, garantir que continuem relevantes, visíveis e lucrativos na era digital.

Na época, muitos não concordaram.

A mudança real aconteceu quando foram abertas livrarias de e-books, especialmente o acordo da Sony com a Waterstones, a maior rede britânica de livrarias, e claro, o Kindle. As atitudes mudaram quando as editoras começaram a ganhar muito dinheiro com os produtos digitais. Quando seus livros viram sucesso ou fracassam em ambientes digitais, debater se os e-books vão decolar ou não é algo redundante.

Então, que tal começar a arregaçar as mangas para construir este espaço? Acho que há algumas lições no que fizemos. A primeira coisa é que por necessidade, aprendemos fazendo. Não havia nenhum mapa para guiar, ninguém que já tivesse construído um programa de publicação digital dentro de uma editora antes. Foi tanto liberador quanto preocupante. No entanto, o que aprendi com isso foi que, na verdade, o digital não é tão complicado quanto muitas pessoas pensam e está mais próximo da edição em papel do que é geralmente imaginado. Seguir o instinto e boas práticas editoriais é sempre importante. Mergulhar de cabeça é geralmente o melhor.

A segunda lição foi ter visto que o digital começou como uma unidade própria e gradualmente se tornou mais integrada. No começo, as coisas estavam totalmente separadas, mas aos poucos, item por item, fluxo de trabalho por fluxo de trabalho, o digital foi incorporado na empresa. Antigamente eu podia supervisionar todo o programa de e-books desde as primeiras metadata e produção a vendas e contratos. Agora cada elemento é trabalhado pelo departamento relevante. Digital agora é um foco do marketing, publicidade e equipes de vendas.

Fizemos isso pois fazia mais sentido. Se o digital é feito de forma separada, a empresa não aprende e continua digitalmente vulnerável. Especialistas nos seus campos poderão, com algum treinamento e bajulação, se tornar especialistas digitais também. Isso não é um processo fácil ou rápido e ainda há muitos elementos para serem completados. Mas significa que as habilidades e o conhecimento estão sendo retidos e construídos para o futuro de toda a editora. Quanto ao que as outras editoras estão fazendo eu diria que a maioria, mas certamente não todas, foi nesta direção, apesar de que isso varia muito.

E as equipes digitais? Elas certamente não desaparecem, pelo contrário, aumentam. E ficam mais interessantes.

Isso acontece porque um mundo de novos produtos e modelos de negócios está sendo desenvolvido que exigem compreensão especializada. Você precisa de pessoas imersas na cultura digital para realmente entender este tipo de produto, seja o design de apps, a funcionalidade do último serviço de mídia social ou a economia dos sites de assinatura digital.

Além do mais, há um grande valor em manter um tipo de “grupo independente” digital, um espaço fora das muitas restrições comuns da indústria. O guru de negócios Clayton Christensen falou sobre o “dilema dos inovadores”. Essencialmente, como ele vê, a maioria das empresas não tem incentivo para investir em “inovações perturbadoras”. Tipicamente, as margens e retornos são muito mais baixos e os riscos maiores. Se isso não fosse suficiente, as inovações ainda geralmente ameaçam os modelos de negócios existentes. Não é à toa que as inovações perturbadoras não representam uma perspectiva tentadora para players estabelecidos.

No entanto, Christensen argumenta que esta visão é míope e errada. Ignorar inovações perturbadoras é convidar ao declínio e à irrelevância. Em casos extremos, acaba com empresas. A única forma pela qual as empresas podem realmente se engajar com as inovações perturbadoras é em unidades blindadas, autossuficientes, por exemplo, grupos e times independentes digitais trabalhando por fora.

Eu concordo plenamente com esta análise. Resumindo, então, digital e editoras deveriam seguir dois caminhos. Integração total das operações e marketing do e-book. Ao mesmo tempo, um tipo de departamento inovador, mais livre e separado, criado para o crescimento futuro. Defender isso não é nada fácil.

Uma última questão trata do equilíbrio dos membros desta indústria. Certamente, no mercado editorial britânico, havia uma tendência a acreditar que só porque alguém tem experiência em uma startup, ou nas indústrias de música ou games, que eles devem, claro, saber mais do que editores da velha escola. Como vocês provavelmente podem adivinhar se olharem para meu CV, não acredito nisto.

A verdade é que estes forasteiros da indústria no geral não entendem as nuanças do mercado editorial, não possuem uma compreensão realista das (geralmente) escalas comerciais pequenas com as quais trabalhamos e não possuem a importantíssima rede de contatos. Por outro lado, eles não ficam paralisados frente aos tempos lentos e formas de trabalho características do mercado. Minha visão, portanto, é polêmica. Acho que pequenas equipes digitais deveriam ter uma base no mercado editorial com muito amor pela tecnologia digital. Equipes maiores devem ter um equilíbrio entre gente do mercado editorial e gente de fora, cada um trazendo diferentes ideias, perspectivas e habilidades.

Fácil!

Há, claro, muito mais a ser dito e espero aprofundar estas questões nos próximos meses.

[04/06/2013 21:00:00]