O e-book no resto do mundo
PublishNews, 08/05/2013
O e-book no resto do mundo

Os organizadores da Feira do Livro de Buenos Aires me convidaram para uma sessão de abertura do evento. Eles deixaram o tópico completamente aberto, e o que eu decidi fazer foi revisar a história dos últimos 20 anos da mudança digital nos EUA e em outros países de língua inglesa até os dias de hoje. A ideia é que entender como isso aconteceu conosco ajudará a entender o que vai acontecer no mercado deles, em outros mercados de língua espanhola e em outros países e idiomas.

A premissa da minha palestra era que aquilo que aconteceu nos EUA e depois em outros países de língua inglesa foi único e não vai se reproduzir da mesma forma em outros idiomas e territórios. O que eu identifiquei como as características únicas do mercado norte-americano foram:

Trezentos milhões de pessoas com uma língua, uma moeda, um conjunto único de regras comerciais.

Um player poderoso (Amazon) capaz de mudar o comportamento de todas as editoras (torcendo braços para obrigá-las a publicar mais e-books) e hábitos do consumidor (fazendo com que considerassem comprar o que começou como um aparelho caro – o Kindle por $400) com seu poder de mercado.

Nenhum outro mercado tem estes dois elementos. Na verdade, em muitos mercados, inclusive com todo mundo que conversei na América Latina, a Amazon não é vista como um fator muito importante.

Além das condições que fizeram com que o mercado norte-americano fosse único, acrescentei duas outras suposições que não chamaram muito a atenção das minhas plateias em Buenos Aires.

Em algum ponto – seja daqui a cinco ou vinte anos – os mercados editoriais do mundo serão muito parecidos. Quer dizer, os efeitos que vemos nos EUA – padrões de adoção de e-books e os efeitos devastadores nas livrarias – de alguma forma se replicarão em outros mercados.

Tanto porque as características únicas do mercado norte-americano não existem em outros lugares e porque o mercado criado nos EUA construiu players e infraestrutura globais que não estavam aqui quando a revolução do e-book começou, devemos esperar que o caminho futuro será diferente em outros lugares. Os mercados não serão construídos pela escala atual e pela Amazon, como aconteceu com o nosso.

Algumas coisas que vimos poderiam ser lições “universais” que vale a pena apresentar. Vimos e-books de narrativa com um sucesso comercial consistente, diferente dos outros tipos de livros. Não vimos enhancements, como vídeo ou interatividade, valendo a pena, pois as vendas não foram maiores para cobrir os gastos. Vimos em nosso mercado a concorrência de fora da comunidade editorial, que veio primeiro com os autores autopublicados, diminuir os preços de livros de autores estabelecidos.

Mas quanto mais eu investigava, procurando como poderia ser o mercado, mais eu terminava em becos sem saída. Não há mercado de compras online em nenhum lugar da América Latina que se compare com o nosso. É por isso que a Amazon não conseguiu se estabelecer ali. A estratégia da Kobo de trabalhar através das livrarias locais – uma aliança foi formada no Brasil e eles estão procurando parceiros em outros lugares – aparentemente não progrediu muito. Uma editora disse que as vendas da Apple eram “promissoras”, mas ainda são “insignificantes”.

A realidade por trás de tudo isso é que o cartão de crédito é pouco usado. Nos EUA, já estamos na terceira geração em que o uso do cartão de crédito é ubíquo. É algo totalmente natural para nós. E o mundo das compras online – Amazon em particular – nunca teria conquistado esta posição se não fosse assim.

Bom, não é o mesmo na América Latina.

Não há como criar um mercado de e-books, que deve ser um mercado online, sem um mecanismo de pagamento. E o que temos nos EUA não está montado para funcionar na Argentina, no Brasil ou no resto da América Latina (nem em muitas outras parte do mundo).

Claro, as empresas de telefonia celular, que mandam contas e cobram de muita gente em todos estes países onde o uso do cartão de crédito é limitado, descobriram isso há muito tempo. A Nokia e outras empresas aproveitam esta oportunidade há anos. A Txtr, uma empresa de e-books alemã, usa as empresas de celular como caminho para abrir o mercado. A Txtr está construindo um inventário de títulos e criou um aparelho de e-reading com um custo muito baixo chamado beagle para iniciar mercado. Ao fazer isso, eles mostram que aprenderam algo com a experiência da Google, onde as vendas de e-books só começaram a crescer quando o tablet Nexus7, que está amarrada à Google, chegou ao mercado.

Toda esta conversa me levou a criar minha própria versão de uma “resposta”; não sei se outra pessoa já fez esta sugestão, mas as conversas rápidas que pude ter entre o momento em que pensei isso e minha partida de Buenos Aires não foram suficientes para provar nada.

É preciso três componentes para criar um mercado de e-books:

1. Um aparelho para ler os e-books. Pode ser um laptop ou um computador desktop ou um aparelho de leitura dedicado.

2. Uma loja: uma seleção de e-books que possam ser comprados e buscados compatíveis com o aparelho.

3. Um mecanismo de pagamento.

Nos EUA, realmente não precisamos pensar no mecanismo de pagamento. Para muitos outros lugares no mundo, esta é uma parte importante.

A Txtr está tentando entregar as partes que estão faltando na solução para as telecoms, enquanto produz um aparelho barato que pode ser o leitor para quem não quiser usar o celular.

O que estou imaginando é que uma empresa produtora de aparelho (ou mais do que uma, mas se for uma, preferivelmente que seja alguma que faça smartphones e tablets) se junte com uma empresa de celulares (para as contas) e convença as livrarias de e-book – Amazon, Google, B&N, Kobo – a aceitar pagamentos através da empresa de telefonia. Então, aquele produtor de hardware terá uma proposta de valor fabulosa para ajudá-los a vender seus aparelhos e o mercado de e-book tem como escolher as melhores lojas com a melhor seleção de e-books já agregados.

Na verdade, convencer uma livraria vai convencer todas. Se a Samsung estivesse apresentando um tablet e um smartphone e conseguisse apoio de qualquer uma das grandes livrarias de e-book, as outras certamente seguiriam. E, na verdade, faria sentido tanto para a Apple quanto para a Google fazer isso quando vendessem apps em mercados com problemas de uso do cartão de crédito também.

Outra complicação em alguns lugares – especialmente Brasil e Argentina no momento – são as leis complexas que fazem com que a venda de hardware fabricado fora do país seja impossível de conseguir ou bastante caro. Apesar de ser um problema que se estende além do mercado editorial, é muito mais provável que seja resolvido por uma empresa que cria aparelhos multifunção do que por outra dedicada somente à produção de e-book reader.

É interessante pensar na posição da Apple aqui. As outras livrarias de e-books já fornecem apps tanto para iOS quanto para Android. A iBookstore, no entanto, só funciona em Macs. Se a solução que estou visualizando se espalhar pelo mundo – e dá para imaginar uma empresa como a Samsung fazendo isso – esta postura continuaria sendo a melhor para a livraria da Apple? Acho que não, mas dá para imaginar como é intensa a discussão interna ao redor deste ponto.

[07/05/2013 21:00:00]