Livro bom é livro que pode ser usado
PublishNews, 28/01/2013
Em sua viagem aos EUA, Gabriela Ebertta conta o que viu nas livrarias do lado de lá

Pouco antes do Natal, entrei na agradável livraria Books Inc., em Palo Alto, nos Estados Unidos, munida de uma lista especial: diversos títulos de receitas lançados recentemente, o presente de fim de ano que eu daria a mim mesma. Estava louca pelo Bouchon Bakery (Artisan, 400 pp., US$ 50), já que sou fã do trabalho do chef Thomas Keller, e queria muito a nova edição do livro de Paula Wolfert sobre a comida marroquina, The food of Morocco (Ecco, 528 pp., US$ 45). Compilado pela Fales Library, 101 classic cookbooks (Rizzoli, 688 pp., US$ 50) entrou na minha relação porque conta a história de uma centena de obras clássicas do gênero. Gran cocina latina (W.W. Norton & Company, 912 pp., US$ 45), de Maricel E. Presilla, e Jerusalem (Ten Speed Press, 320 pp., US$ 35), de Yotam Ottolenghi e Sami Tamimi, por fim, estiveram presentes em quase todas as listas americanas dos “melhores de 2012”, o suficiente para despertar minha curiosidade.

Pelo número de páginas e, claro, pelo preço de cada um, eu sabia que não seriam volumes pequenos. Mas nada me preparou para os tijolos supernutridos que encontrei. Bouchon Bakery é um quadradão de 28 cm x 28 cm e 2,6 kg. The food of Morocco mede um pouco menos, mas pesa um pouco mais. Só com os cinco títulos que citei, minha mala já bateria nos 11 kg – acabei trazendo apenas Jerusalem, modestíssimo em seu quilo e meio, e meia dúzia de outros livros menores e menos pesados, mas tão bem-produzidos, caprichados e ilustrados quanto os itens da minha lista original.

Não foi só por causa do peso e do tamanho, porém, que desisti dessa pequena wish list. Eu me pergunto quem é que consegue ler – e usar – algo como o Gran Cocina Latina, que tem mais de 900 páginas acomodadas em um volume de 25 x 21 cm e que pesa 2 kg. Como, na bancada reduzida perto das pias e fogões, acomodar esse tipo de catatau, lidar com a lombada encorpada, voltar à página necessária se por acaso perdemos a marcação? É desconfortável. Esse tipo de obra fica melhor imóvel, na mesinha da sala. E livro bom, para mim (e não só os de cozinha), é livro que pode ser usado. Não faço parte do time que guarda seus volumes como relíquias embalsamadas. Anoto, colo post-its, dobro uma pontinha da página se for preciso. Minha pequena biblioteca culinária está longe de ser impecável, mas garanto que tem vida: cada mancha de gordura, cada pingo de molho também conta sua história.

Que fique bem claro: não sou contra coffee table books, adoro fotos bonitas e sou fã de edições bem-cuidadas. Não vou falar de novo sobre como nem sempre é necessário encher os livros de cozinha com fotos para que fiquem atraentes (114 páginas de Jerusalem, pouco mais de 1/3 do total, são ocupadas por imagens), ou dizer que bons projetos de arte podem ser criados sem tomar enormes manchas gráficas. Mas seria bom se, junto com as edições luxuosas, pesadas e caras, fossem lançadas também versões mais apropriadas para quem quer efetivamente cozinhar. Receitas em paperback – caso contrário, elas podem tornar-se vítimas de uma antiga e infame piada de raízes culinárias: são “pavê”, mas não “pacomê”.

[27/01/2013 22:00:00]