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Bibliotecas, utopias e tapiocas
PublishNews, 29/11/2012
Bibliotecas, utopias e tapiocas

A Biblioteca Pública de Olinda foi fundada em 1830, mas a casa que a abriga é uma construção bem mais antiga, do começo do século 17. Quatrocentos anos depois, os frequentadores da biblioteca sentam-se à tarde, no oitão (varanda lateral) da direita, o mais fresco. Alguns têm cadernos, poucos têm livros. Todos têm celulares ou readers. O principal atrativo da Biblioteca não está mais em uma estante: é a rede wi-fi. Foi nesse cenário quadricentenário que aconteceu o ePorto, Fórum de Cultura Digital da Fliporto, e onde se discutiu o que será dos livros e da leitura daqui por diante: o que se espera, o que se teme.

Um dos palestrantes da ePorto, o Professor Robert Darnton, está plenamente autorizado a falar sobre o futuro do livro, uma vez que é um dos principais especialistas sobre seu passado. Em livros como Edição e Sedição, ele mostrou como a conformação do autor (com a Revolução Francesa) e da mercadoria livro (com a Revolução Industrial) vieram moldando nossa cultura, sociedade, economia. Darnton está ciente de que essa evolução iniciada com os tipos móveis está sofrendo uma ruptura (ou um salto), mas nem por isso sente-se nostálgico pelo Ancien Régime gutenberguiano. Aos 72 anos, assumiu o desafio de construir a biblioteca para nosso século. A Biblioteca Pública Digital da América, da qual é idealizador e curador, pretende libertar os acervos das mais exclusivas bibliotecas acadêmicas, democratizando radicalmente o conhecimento por meio da digitalização e publicação online. A ideia surgiu a partir da reação ambígua de Darnton à ambição do Google em digitalizar todos os livros do mundo. Se, por um lado, isto representaria o sonho dourado dos pesquisadores, e a expansão radical da sua amada “République des Lettres”, por outro o americano Darnton sabe bem que o imperativo de qualquer empresa, como a Google, é ganhar dinheiro. Assim, escreveu artigos protestando contra o monopólio comercialista da Google e clamando por uma biblioteca digitalizada pública — que contasse com um corpo de bibliotecários, e não de vendedores.

As principais dificuldades para a implantação desta Biblioteca Definitiva não são de ordem técnica, ou financeira. Mais difícil que fazer com que todos os livros estejam disponíveis para todos o tempo todo é mudar a mentalidade. Quando o livro é apenas um arranjo infinitamente replicável de elétrons, ele pode ser emprestado a mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Qualquer pessoa do globo pode ter um cartão dessa biblioteca? E os livros precisam ser “devolvidos”? Os hábitos têm de ser mudados, e assim cria-se o costume, uma das bases do Direito. O caminho é longo, e mal começamos. Porém poderíamos começar repensando do zero o instituto principal, o copyright. Em outras palavras, o “direito de fazer cópias” está emperrando o direito de publicar “sem fazer cópias”, insistindo em usar as regras da mercadoria estocável para os textos imateriais. A equipe de advogados da Digital Public Library of America vem pagando um dobrado para “legalizar” o empréstimo de livros digitais, e o fato de ela não ter fins lucrativos acaba, paradoxalmente, complicando a negociação. Enquanto não desbastarmos os conceitos do século passado, a utopia iluminista de conhecimento para todos vai continuar apenas uma utopia.

Por falar em utopias, alguns anos antes da abertura da Biblioteca de Olinda, quando não passávamos de uma colônia de escravocratas analfabetos, alguns pernambucanos conseguiram importar armas poderosas e com elas conflagraram uma revolução iluminista (logo violentamente abatida). Tais armas foram fabricadas por Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Locke… Os mártires da Revolução Pernambucana, e os leitores digitais têm ainda que fazer valer o direito que está proposto em uma daquelas armas: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade [de] procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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