Palmas para a Amazon
PublishNews, 11/09/2012
Palmas para a Amazon

Quando escreverem a história de como a Amazon conseguiu dominar o mercado de consumo de livros, daqui a dez anos, haverá um capítulo intitulado “6 de setembro de 2012”.

Claro, este foi o dia em que a juíza Cote aprovou o acordo entre a HarperCollins, Hachette e Simon & Schuster, e começou a desfazer o regime de preços criados pela editora, que ficou conhecido como modelo de agência. Este modelo foi criado, na verdade, para liberar amplos descontos no mercado dos e-books e acho que logo veremos provas de que será bem-sucedido neste objetivo, muito além do que qualquer pessoa pode imaginar. (Eu muitas vezes expressei minhas preocupações sobre o que acho serão as consequências inevitáveis desta situação.)

Mas não foi só isso que a Amazon conquistou em 6 de setembro de 2012. Nem de longe. Na verdade, a única coisa que não foi boa em relação ao anúncio do juiz foi que ele tirou a atenção do feitos que não precisam da ajuda do governo.

Um dia após a concorrente Kobo tentar superá-los anunciando atualizações em seu conjunto de aparelhos, a Amazon combinou melhor desempenho e menores preços em seus aparelhos, superando não só a Kobo, mas também o Nook, Apple e Google. Não foi nem a inovação dos aparelhos que mais me impressionou. Houve várias outras inovações que vão exigir muito mais de todo mundo para competir com o ecossistema Kindle.

1. Alavancando sua propriedade da Audible, a empresa dominante em audiobooks para download, a Amazon apresentou um recurso Whispersync que permite a mudança simples entre ler um e-book e ouvir a versão audiobook. Uma das minhas cunhadas, que é professora de crianças com dificuldades de leituras e ajuda outras professoras que fazem o mesmo, me perguntou a alguns meses por que ninguém tinha feito isso antes. Perguntei por aí e me disseram que “é complicado”. Editoras não podem fazer porque não controlam os ecossistemas de entrega. Outras livrarias de e-book não podem fazer isso por que não entregam áudio.

Só a Amazon poderia ter feito. Agora, fizeram.

1A. Além do uso do Whispersync para permitir a mudança entre ler e ouvir, Kindle apresentou um recurso chamado “Immersion Reading” que permite que você leia e ouça ao mesmo tempo.

Está claro que isso cria um forte motivo para comprar tanto um audiobook quanto um e-book do mesmo título? Autores e editores podem celebrar.

Esta inovação específica é especialmente irônica se nos lembramos da seguinte história: nos primeiros dias do Kindle, Amazon queria colocar num recurso text-to-speech que entregasse um audiobook através de automação de todo e-book. Agentes e editores criaram problemas por causa dos óbvios problemas de direitos; audiobooks são uma fonte de lucros separados para todos, e ninguém com algum interesse comercial quer ver isso ameaçado, apesar de que muitos acham que a leitura automática não vai realmente satisfazer um cliente de audiobook.

Mas ninguém terá problemas com esta solução. O consumidor compra duas vezes.

E, incidentalmente, mais alguém pode escrever todo um post de blog sobre como este conjunto de recursos pode ser usado para criar oportunidades nos mercados estudantis!

2. Alavancando sua propriedade do IMDb (o banco de dados de filmes e programas de TV), a Amazon está melhorando a experiência de assistir vídeos ao fazer com que as informações sobre filmes e atores esteja disponível com um clique. No mês passado, os blogueiros estavam explicando que a Google comprou a Frommer’s de Wiley porque queriam transformar conteúdo em metadados. Agora a Amazon está demonstrando muito bem por que isso é útil e importante.

3. Alavancando seus recursos de publicação e seu papel como a única livraria com uma audiência grande suficiente para distribuir uma massa crítica de leitores sozinha, estão apresentando a serialização por assinatura com o Kindle Serials. A investida inicial é modesta: uma seleção de oito romances em série com preço baixo distribuídos em pedaços de pelo menos 10.000 palavras. Mas este “teste”, o modelo de conseguir pessoas para comprar algo antecipadamente sabendo que será entregue em partes.

(Quando explorei a viabilidade do modelo de assinatura para ebooks, especulei que a única empresa que realmente poderia montar um esquema assim para leitores em geral seria a Amazon. Agora isso parece que está começando.)

Por um lado, isso lembra o sucesso do romance parcialmente autopublicado, chamado “Wool” de Hugh Howey. Mas também poderia ser a base para algo como o modelo “publicação ágil” de Dominique Raccah, que é um experimento ativo agora em sua empresa, a Sourcebooks, com o autor David Houle. A Amazon teria a grande vantagem de possuir uma audiência muito maior para “convidar” a uma experiência deste tipo e, quando você estiver dependendo da participação para o sucesso, poder apelar a mais pessoas é uma enorme vantagem.

4. A Amazon está subsidiando todos seus aparelhos com anúncios que funcionam como telas de proteção. Eles estavam inicialmente planejando mudar a prática anterior de oferecer aparelhos com preços mais altos para que os consumidores pudessem evitar os anúncios. O primeiro anúncio afirmou que todos os aparelhos vinham com propagandas, e sem uma opção “pague mais” para evitar isso. Apesar de a reação inicial ter aparentemente forçado uma mudança, e eles agora estarem oferecendo o Kindle Fire sem anúncios por $15 a mais, isso ainda abre uma série de outros pensamentos e perguntas.

Como alguém pode competir em termos de preços de aparelhos com um concorrente que não só tem o contato mais direto com clientes, mas que também consegue anúncios para subsidiar preços mais baratos?

Isso significa que a Amazon “sabe” que a maioria dos consumidores escolheriam economizar dinheiro e não ligariam para os anúncios?

Estão montando uma rede de comunicação para promover conteúdo e cobrar os criadores de conteúdo pelo equivalente a vitrines e balcões de entrada da nova geração?

Achei que a Google era a campeã de publicidade. Por que não pensaram primeiro nisso para o Nexus 7?

5. O recurso X-Ray da Amazon, que basicamente coleta metadados (caracteres, cenas) de livros e filmes, é um bloco de construção para distribuir resumos e esboços que poderiam ser um incrível recurso adicional único da plataforma. Poderia também ser um começo de conteúdo estilo “Cliffs Notes” de geração automática que poderia ter até uma taxa de compras separada.

6. A Amazon tinha construído um recurso de controle de pais em seu ecossistema Kindle chamado FreeTime, assim as crianças podem usar o aparelho e até obter conteúdo, mas só se for aprovado. Há iniciativas novas como Storia de Scholastic e a já veterana marca da PBS, Reading Rainbow, para o qual uma das propostas centrais é criar um ambiente de leitura para crianças com controles para adultos. Estas plataformas voltadas para crianças foram obviamente criadas para apresentar ambientes que pais e professores verão como superiores para incentivar a leitura de crianças. Eles, de repente, terão concorrência mais séria vinda da plataforma mais séria que existe.

E a Amazon inseriu uma app incrível, e que os outros provavelmente nem imaginaram: eles conseguem aparentemente controlar a quantidade de tempo que uma criança pode passar fazendo várias atividades em seu aparelho, assim os pais podem organizar o tempo de leitura, o tempo de filmes e de jogos. Tenho certeza que alguns pais vão ficar maravilhados com isso.

********

A decisão da juíza Cote também é uma boa notícia para a Amazon e foi por isso que os jornalistas ligaram no dia da conferência de imprensa que anunciou tudo que escrevi acima. A análise completa de Michael Cader (sobre a qual escrevi umas poucas palavras a mais acima) esclarece o que ainda não sabemos sobre a velocidade e a complexidade da implementação, inclusive sobre se haverá um apelo e se a implementação será adiada de acordo com isso.

Mas parece que há boas chances de que muitos dos controles, que evitaram que a Amazon desse descontos nos livros de alto perfil nos últimos 18 meses, terminarão em um ou talvez dois meses, antes do Natal.

Acho que a Amazon vai dar descontos agressivos. Sua “marca” tem, entre outras coisas, a ver com “baixos preços para o consumidor”. E eles sempre usaram o preço como uma ferramenta para mercado. É provável que continuem assim.

O estabelecimento de preços não será feito por humanos; será feito por bots e algoritmos, respondendo ao que está acontecendo no mercado entre seus concorrentes todo dia. A Amazon é muito boa nisso; é o que fazem há anos. É presumível que a BN.com tem um conjunto similar de habilidades e ferramentas. É presumível que todo mundo exceto a Apple tenha de precificar competitivamente pelo menos seus livros comprados de distribuidoras.

A Apple foi protegida pelos MFNs que permanecem igual para todos, menos as editoras que firmaram o acordo. Mas sem esta proteção, como a Apple vai competir? Eles nunca tiveram de trabalhar com preços competitivos de produtos antes. Eu vou ficar bem impressionado se a Apple conseguir sair desta briga de preços que está por acontecer sem um olho roxo bem óbvio. Eles não foram treinados para isso.

No geral, isso poderia significar outra explosão de crescimento no mercado de e-books, que viu uma queda importante em sua taxa de crescimento no último ano. Não veremos os ebooks crescendo em dobro novamente, mas estamos a ponto de ver uma luta de preços digitais agressiva, que irá fazer com que todos os consumidores de livros impressos se perguntem se deveriam considerar fazer a mudança que os leitores pesados já fizeram.

Quando o acordo for implementado, as três editoras que assinaram o acordo terão os preços de seus livros cortados pelas livrarias, independente de seus preços de listas, e não importa o que negociem a próxima rodada de termos comerciais. Mas as três editoras que ainda podem usar os preços de agência – Random House, e a Macmillan e a Penguin, que ainda continuam o litígio – provavelmente descobrirão que serão forçadas a baixar os preços para manter seus principais livros competitivos. Pelo menos essa é a minha expectativa. Será muito interessante ver como isso vai funcionar nos próximos meses.

Preciso agradecer a meu sócio na Publishers Lunch Conference, Michael Cader, e suas habilidades como repórter do cenário editorial. Seus quatro posts na sexta-feira: sobre a decisão da juíza, sobre o que acontecerá como resultado, sobre o novo hardware e sobre os vários recursos de leitura e consumo que foram assunto da maior parte deste post, comprimiram – de longe – a mais clara e mais profunda explicação de um conjunto incrível de informações complexas. Claro, Michael é mais do que um repórter do setor; ele é parte dela nos últimos 25 anos.

Eu realmente não entendo como os jornalistas que não têm o benefício desta base podem justificar não lê-lo. (Paga-se $20 por mês para fazer uma assinatura. Qualquer um que trabalha no mercado editorial não terá problemas com esta proposição de valor.) Eles certamente fariam um trabalho melhor se assinassem.

Tradução: Marcelo Barbão

[10/09/2012 21:00:00]