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Informação e ficção
PublishNews, 16/01/2012
Informação e ficção

Tenho insistido no papel decisivo da leitura literária na formação leitora. A literatura é um dos melhores ganchos para capturar leitores a longo prazo, autônomos e cuja familiaridade com os livros pode se tornar vital e cotidiana. Porém, a insistência nesta clave, cuja razão de ser tem várias explicações – mas a mais evidente é a de sobrepor a literatura às leituras de caráter instrumental e pedagógico tão difundidas –, não pode fechar nossos olhos para a importância que a informação e o conhecimento têm para os jovens leitores.

No grande guarda-chuva que abarca o que tradicionalmente se denomina de literatura infantojuvenil, convivem inúmeros gêneros: do paradidático, passando pelo livro álbum, pelos quadrinhos, até o romance, a poesia etc. Dar um salto crítico no tratamento dessa diversidade pressupõe identificar cada um desses gêneros naquilo que eles têm de específico e próprio, e assim visualizar a função e o papel de cada um. Até mesmo para chegar à conclusão de que, no caso específico da literatura, a sua função é exatamente não ter nenhuma.

Devo confessar minha prevenção contra a grande maioria das publicações “paradidáticas”, termo que prefiro substituir por “informativos” ou “livros de conhecimento”, e assim deixar para trás a tradição original daqueles livros produzidos exclusivamente para dar suporte aos didáticos. É interessante recuperar essa origem e lembrar que a criação do gênero no Brasil encontra suas raízes na censura aos livros didáticos durante a ditadura militar. Sacada criativa de alguns editores que fizeram a história das editoras escolares, os paradidáticos foram por muito tempo um produto em expansão. Sua marca, no entanto, ficou presa a conteúdos fortemente e, acima de tudo, didáticos.

O boom mundial da literatura para crianças e jovens dos anos 1980, fruto das fortes mudanças econômicas e sociais que mexeram na base da educação e dos critérios da formação leitora, trouxe à tona e enfatizou a importância e o papel do lúdico e dos recursos de uma aposta na imaginação e na reflexão de um leitor ativo. A necessidade formativa, por sua vez, está na origem dos livros infantis que surgem exatamente com um profundo teor pedagógico no intuito de preparar as jovens gerações para o convívio social no mundo burguês em constituição.

Daí que não se trata de nenhuma “descoberta”, ao contrário, muitos dos clássicos juvenis se destacam pelo tratamento de questões culturais e científicas em equilíbrio e consonância com um alto teor literário. Não precisamos ir além de nossas fronteiras, só lembrar dos vários livros, hoje clássicos, de Monteiro Lobato, onde o autor referencia, convida os jovens leitores para viagens por reinos como o da gramática ou da mitologia clássica. A divulgação de conhecimentos, a transmissão de valores, a vocação formativa está na base dos livros para crianças e jovens.

Livros informativos? Literatura? Em alguns casos, ambos, numa equação única entre ficção e informação que só uma literatura sem concessões permite. Em outros, o destaque no enfoque informativo produz livros de referência de conhecimento, que não só promovem uma leitura distinta da estética – desta vez prática – como exigem instrumental e preparo distintos do leitor. Ana Garralón em seu texto Ficção e informação (em breve na Revista Emília) esclarece este ponto quando afirma: “o leitor de livros informativos precisa situar-se de maneira crítica, reconhecer intenções do autor comparando o que ele relata e pesquisando porque ele quer contar exatamente aquilo, valorar o grau de veracidade, fazer interferências...”.

Os livros que buscam transmitir algum conhecimento científico abrem um vasto universo de possibilidades e em alguns casos acabam formalmente se confundindo com livros de ficção. Os livros de Babette Cole são um bom exemplo desse gênero de livros até certo ponto “híbridos”, onde a ficção fica a serviço de um propósito claro de expor, com muito humor e cumplicidade com o leitor, conteúdos nem sempre fáceis e muitas vezes até polêmicos. São livros deliciosos e úteis que facilitam o aprendizado e ampliam o conhecimento de uma maneira que faz o leitor se identificar e se divertir.

Mas, do mesmo modo que nem todo conteúdo se presta a uma abordagem mais lúdica, a definição do leitor por faixa etária, nesse caso, é fundamental. Uma das garantias do sucesso desse gênero é exatamente aceder aos leitores. Isto exige levar em conta linguagem, repertório, uma série de pré-requisitos básicos que delimitam muito claramente o público destinatário. A adequação etária é, aqui, chave, tanto no que se refere à forma como ao conteúdo que deve estar em sintonia com as expectativas e a curiosidade próprias de cada idade.

Trata-se, portanto, de um gênero que, diferentemente do texto literário, deve ter propósito, utilidade e se circunscrever a um determinado público leitor. A importância e a utilidade desse tipo de livro não estão aqui em discussão. A questão é que o uso da equação “informação e ficção” muitas vezes tem travestido o livro infantil e juvenil numa pseudo literatura de fundo utilitarista, que não só confunde como não promove nem uma leitura literária, nem uma leitura prática.

Definir esse gênero com mais propriedade, de modo a não confundir gato com lebre, é uma das responsabilidades do editor. Esses livros desempenham um papel que precisa encontrar seu lugar na formação leitora, pois cabe a eles, como diz Ana Garralón, “deixar muitas portas abertas, colocar questões que atraiam as crianças e as convidem a discutir e pesquisar mais”.

***

Ana Garralón é pesquisadora e especialista em livros infantis e juvenis espanhola. Tive o gosto de conhecê-la na última feira de Guadalajara. O contato mais estreito com suas pesquisas sobre livros informativos e a leitura de seus textos tem sido uma ótima referência para retomar uma reflexão sobre estas questões. Em breve seus textos estarão disponíveis em português.

Dolores Prades é editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens. É membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen e curadora da FLUPP. É também coordenadora do projeto Conversas ao Pé da Página - Seminários sobre Leitura, e da área de literatura para crianças e jovens da Revista Eletrônica Emília. Sua coluna pretende discutir temas relacionados à edição e ao mercado da literatura para crianças e jovens, promover a crítica da produção nacional e internacional deste segmento editorial e refletir sobre fundamentos e práticas em torno da leitura e da formação de leitores. Seu LinkedIn pode ser acessado aqui.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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