Camila Cabete, desde que estreou aqui no Publish News como colunista, vem me deixando quinzenalmente às quintas-feiras com vontade de marcar um café da manhã na sexta seguinte para conversar sobre trabalho. E uma das coisas que temos em comum é considerar esse assunto, apesar de angustiante, uma coisa tão natural e importante em nossas vidas como falar de nossas gatinhas, famílias etc.
Quando li a última coluna dela cheguei a rir sozinha ao ver a palavra “coronel” e entendi que era hora de nossas colunas conversarem como em um bom café da manhã com milkshake de chocolate. E aqui vai:
Camila,
Eu sempre quis falar sobre o “coronelismo” editorial, mas, como estou dentro da indústria, sempre tive medo do poder dos coronéis porque dependo do meu salário pra viver e comprar a ração e a areia das gatas. Sim, eu sei que você sabe disso, mas eu queria expor meu medo porque o que é ridículo é para ser desmascarado...
Sabe o que mais me incomoda nesse “coronelismo”? Não, não é a falta de pagamento de hora extra ou a lenda de que você nunca pode entrar na justiça contra os abusos trabalhistas editoriais sob pena sub-reptícia de jamais conseguir um novo emprego na área, o que mais me incomoda é a sensação de que não evoluímos, ou, pior, de que involuímos! Sinceramente, é deprimente ter a mente da chamada “geração y” e trabalhar para a geração x, w, v (quem seria da “geração A”? Jesus?)... E não tem nada a ver com idade, e sim com a cultura organizacional x, w, v. Chega a ser brutal como empresas com essa cultura te obrigam a se adaptar a elas e deixam claro que nunca vão se adaptar a você porque “não é que você tenha talento, ela é que tem uma vaga”.
Se você é novo porque é seu primeiro emprego ou porque acabou de chegar na empresa, essa cultura serve para impedir que suas ideias sejam ouvidas até você saber o que “funciona ali”. Isto é, a empresa está estabelecida, inflexível, ela não te reconhece como um elemento que a enriquece, ela não precisa nem se interessa por você, ela te concedeu a possibilidade de entrar “no quadro dela e de ser moldada por ela” até você virar mais do mesmo e espalhar por aí que “aprende-se muito trabalhando lá”. Sim, aprende-se a ser o que ela quer que você seja. Zuckerberg e seus moletons não teriam chance...
Vamos para as frases fortes: não raramente, trabalhar com livro, ao menos no Brasil (mas tenho certeza de que não só), provoca uma sensação dolorosa de emburrecimento. Porém, quanto menor a empresa, maior a flexibilidade na gestão, certo? Não necessariamente. Afinal, as menores muitas vezes têm as maiores como exemplo e quase todas as maiores só são grandes porque estão há muitos e muitos anos no negócio e já descobriram o jeito de fazer livro e ter lucro – e não precisam de mais que isso.
Essa sensação de emburrecer no trabalho não é nova nem é só da nossa área, mas, considerando que nosso produto é o livro e que os livros são, por natureza, odes ao conhecimento, às novas ideias, é de matar de desgosto pedir para o profissional dessa área se calar e aceitar que, por exemplo, não se usa moletom no trabalho porque não se usa moletom no trabalho e-ponto-final.
Esse coronelismo editorial encontra ressonância no “leitor-coronel” e ambos, indústria e consumidor, se estabelecem como superiores porque cultos. Temos aí a elite cultural, os “formadores de opinião” (nada é mais coronelismo que isso...) e assim percebemos grau do terremoto que os ebooks promovem nesse mundo.
Os ebooks trazem em si o conceito da geração y e, mesmo que sejam produzidos ainda no mesmo esquemão de sempre da geração X, gostar deles neste momento no Brasil é uma atitude política revolucionária. É como se defendêssemos a liberdade, a igualdade e a fraternidade. E assim nos tornemos mais modernos, mais inteligentes, mais contemporâneos só porque apoiamos uma elite contra a outra. Porque, convenhamos, por exemplo, a Apple com seus iTunes e iBooks e a Amazon com o .mobi do Kindle não são exatamente antiaristocráticas, são apenas possibilitadores de um nova elite a qual os antigos excluídos podem ascender.
Se não está claro, eu gosto dos ebooks, mas vejo claramente o que está por trás dessa frase. A leitura agora nos permite ostentar não só a nossa erudição, mas também nosso poder financeiro (ao comprar os e-readers) e nossos graus de “sagacidade tecnológica” e de privilégio no acesso a informações.
Não sei se você lembra que eu duvidava que os ebooks poderiam provocar um crescimento na leitura, mas depois de pensar sobre a necessidade humana de parecer ou ser melhor que os outros e a quantidade de poder que a leitura de um ebook proporciona, estou mudando de ideia?
E aí, vamos ao milkshake?Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.
Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.
Acesse aqui o LinkedIn da Cindy.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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