Oportunidade não bate à porta, chuta!
PublishNews, 23/02/2011
Oportunidade não bate à porta, chuta!

Num post recente, discuti o desenvolvimento de mercados de e-books no mundo todo, especialmente na Europa, e observei que dez anos ou mais de esforços de digitalização no mundo de língua inglesa teriam um impacto considerável nos mercados de e-books em países com outros idiomas. Antes, quando escrevi sobre isso foi para enumerar o desafio que acho que os editores em outras línguas devem esperar em seus mercados locais.

Hoje, quero ver a mesma situação de uma perspectiva oposta e considerar a oportunidade do ponto de vista dos editores de língua inglesa. Na verdade, é possível que seja tão substancial que irá adiar o Armageddon para grandes editoras em geral, cujos desafios causados pelo inevitável declínio das livrarias me preocupam há muitos anos e que foram o assunto ou subtexto de muitos posts nesse blog.

Quero descrever uma oportunidade que é perversamente difícil de dimensionar precisamente. Precisaríamos saber quantos candidatos a ler livros em inglês existem nos EUA, no resto dos países de língua inglesa e depois em países de outros idiomas. A Wikipedia diz que o mundo tem 914 milhões de pessoas que falam inglês, dos quais 251 milhões estão nos EUA, 232 milhões na Índia e 168 milhões em países com outras línguas maternas na Europa. Mas esses dados não são atuais e os números dos EUA, por exemplo, são do censo de 2000.

Uma fonte com quem conversei recentemente que trabalha com estatísticas, e que possui razões para estar bem informado, insiste que o mundo possui 600 milhões de falantes nativos de inglês e 1,4 bilhão de falantes de inglês em outros países. Se isso for verdade, os EUA teriam menos de 1/6 do total em suas fronteiras.

Os EUA, pela contagem de quase todo mundo, possuem menos de 1/3 das pessoas que falam inglês. E todo mundo parece medir “falantes de inglês”, não “letrados em inglês”. Mas o mercado de leitores de inglês em países onde não se fala a língua, tanto hoje quanto em algum momento quando for pesquisado, com certeza está crescendo mais rápido do que os mercados nativos. Então, se aceitarmos a premissa de que e-books acabarão colocando esses leitores de e-books potenciais dentro do alcance de editores nos Estados Unidos (e Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e outros países de língua inglesa, claro), estamos vendo as estradas de acesso sendo construídas para uma base de clientes que poderia dobrar (até mais do que isso) em relação ao que existia antes.

A maior parte desse mercado secundário em inglês, certamente do ponto de vista de consumo, está na Europa. Minha viagem para a Conferência IfBookThen em Milão há alguns dias, organizada pela nova livraria de e-books italiana Book Republic em parceria com o 4IT Group, me deu uma grande oportunidade para entender ainda mais como pode ser animadora essa perspectiva para toda a comunidade – editores, agentes e autores – que dividem os rendimentos das vendas da literatura em língua inglesa.

Tenho algumas experiências pessoais incomuns para me ajudar a antecipar como vai ser quando os consumidores franceses, alemães, italianos, etc., começarem a descobrir as virtudes dos e-books. Descobri como poderia ser incrivelmente conveniente e satisfatório ler numa tela pequena quando comecei a usar um Palm Pilot, 10 ou mais anos atrás. “Sempre levar meus livros comigo” é uma vantagem enfatizada muito frequentemente na comparação impresso X e-book (parcialmente porque não se aplicaria da mesma forma com pessoas que leem num Kindle ou Nook ou iPad como faz com quem lê num iPhone ou em qualquer outro telefone ou PDA que se pode levar no bolso), mas é poderoso. Foi poderoso o suficiente para me conquistar totalmente desde a primeira vez.

Mas quando comecei a ler dessa forma, era uma pequena minoria e permaneci assim por muitos anos. Os poucos que liam e-books antes do Kindle logo encontraram um problema que os consumidores franceses, alemães, italianos, etc. vão começar a encontrar, independente do aparelho no qual leem. Não havia o suficiente para escolher! Lembro rotineiramente de passar 15 ou 20 minutos ruminando as escolhas, vendo o que eu já tinha lido a cada vez que ia comprar algo e sem encontrar muitas coisas que queria ler. Foi por isso que, até a chegada do Kindle e o número de títulos disponíveis ter explodido, acabei fazendo algumas escolhas estranhas: ler Tarzan (ainda bem) e comprar e ler a biografia de Grover Cleveland [presidente norte-americano] cujo e-book custou 28 dólares! (ainda bem que comprei esse também.)

Comprar exigia uma frustrante perda de tempo e a pouca disponibilidade de títulos era a razão pela qual eu continuei a ler alguns livros impressos nos primeiros anos sendo que estaria bem disposto a passar totalmente para os e-books (algo que agora já fiz).

Mesmo nos primeiros anos da última década, no entanto, o número de e-books em inglês era maior do que o número de e-books na maioria das línguas europeias que os consumidores encontrarão neste ano ou no futuro próximo. O número incrivelmente pequeno de livros convertidos para epub na maioria dos países europeus garante que nossos amigos europeus vão sentir a mesma frustração irritante que eu tive no passado.

Até começarem a comprar e-books em inglês.

E vão. Na verdade, eles já compram. Informei no post anterior que ouvimos o dado de que 25% dos livros impressos vendidos na Dinamarca estão em inglês. Um amigo na pequena Eslovênia informa que mais de 15% dos livros vendidos ali estão em inglês. Um livreiro escandinavo com várias lojas na Escandinávia e em Berlim que conheci na IfBookThen informou que 20% dos livros que ele vende estão em inglês. E as vendas acontecem apesar das barreiras dos custos (e, portanto, do preço) e do suprimento (e, portanto, da escolha) inerentes em bens físicos.

(A consultoria A.T. Kearney fez uma pesquisa com a equipe da Book Republic para preparar a IfBookThen. Descobriram 100.000 títulos em epub em alemão e 50.000 em francês, menos de 2/3 e 1/3, respectivamente, do que a Amazon tinha em inglês há mais de três anos. E descobriram menos de 10.000 disponíveis em espanhol, italiano ou sueco!)

E apesar de o norte europeu ter mais fluência no inglês do que o sul, descobri um fato interessante (através de um britânico, não de um italiano) enquanto estava em Milão. Francês era a segunda língua ensinada a todas as crianças italianas nas escolas até 1991 quando foi substituído pelo alemão. O alemão durou pouco. Desde 1997, a segunda língua que todas as crianças italianas aprendem é o inglês. Então as escolas italianas se tornarão clientes de publicações em língua inglesa que aumentarão sua presença na população local a partir de agora. Isso é um sintoma da mudança acontecendo em todo o mundo, mudança que está criando novos clientes para editores de língua inglesa.

Um amigo norte-americano numa grande editora que não está entre as Seis Grandes me contou na semana passada que 10% dos e-books que está vendendo vem de fora dos EUA (e isso não inclui o Reino Unido). Uma livraria global de e-books me contou que 7% de suas vendas de livros em inglês hoje vem de países cujo idioma não é o inglês. Esses números vão aumentar inexoravelmente e, às vezes, até em arrancadas explosivas, por muitos anos ainda. Seria necessário pesquisar com mais cuidado para tentar prever a porcentagem de venda de e-books em língua inglesa que poderiam acontecer em países cujo idioma não é o inglês, mas acho que o número poderia chegar a algo entre 25-35% nos próximos cinco ou dez anos, e não seria um chute muito alto. (Se serão em cinco ou dez anos é algo que será muito mais evidente em 2012-13.)

E apesar de algumas pessoas se perguntarem se as vendas de e-books que estão sendo feitas agora são canibais ou incrementais (quase certamente são os dois!), as vendas que serão feitas no exterior em países cujo idioma não é o inglês mais provavelmente serão incrementais. Elas poderiam acrescentar mais vendas nos próximos cinco anos do que os problemas na Borders vão subtrair hoje.

Isso não é um cenário futuro em relação ao qual as pessoas podem relaxar e esperar. Essa é uma oportunidade imediata.

Este situação deve significar o final de mercados abertos para e-books em língua inglesa e isso vai acontecer logo. Mercados abertos funcionaram por anos para impressos, dando a múltiplas empresas um incentivo para explorar as oportunidades de vendas com esforço e serviço. Mas mercados abertos para e-books certamente vão recompensar somente um atributo: o menor preço. Como os e-books se beneficiam de um reforço relativamente confiável de preços diferenciados por mercado (para aqueles contrários ao DRM, essa é mais uma razão pela qual ele vai continuar por mais tempo), os consumidores de outros idiomas logo serão capazes de identificar os e-books de mercado aberto. Serão os realmente baratos!

Agentes não podem deixar essa situação continuar. Aqueles que não estão fechando mercados abertos para e-books certamente farão isso daqui a pouco. Os editores britânicos têm tentado fechar a Europa a favor deles há alguns anos; ouvi essa “anedata” (adorei essa nova palavra!) em Milão que sugere que os editores norte-americanos acordaram para isso e agora estão brigando para recuperar os mercados abertos.

Seria lógico que o mercado aberto para e-books irá para o editor que preencher o cheque maior ou for o primeiro, e que mais frequentemente será um cheque dos EUA.

Isso também leva a uma nova preocupação de oportunidades globais (na verdade, para ser mais preciso, “glocal”, que eu descreveria como “global, mas com alvos claros”) em marketing, principalmente porque isso acontece cada vez mais on-line. Para vermos um exemplo recente tirado de minhas leituras pessoais, Fall of Giants de Ken Follet, há muitos ganchos na história para ganhar o interesse de leitores em toda a Europa, mas principalmente na Rússia e na Alemanha, onde acontece muito da ação. Fall of Giants é um romance; as oportunidades serão ainda maiores com não-ficção. Não sei exatamente quando isso levará toda editora norte-americana de certo tamanho a colocar uma pessoa cuidando do “marketing glocal” ou acrescentar um “componente de marketing glocal” aos planos de muitos livros, mas isso poderia acontecer agora. Não vai demorar muito, com certeza.

[22/02/2011 21:00:00]