Aprendendo algumas coisas em um jantar em São Paulo
PublishNews, 18/08/2010
Mike Shatzkin veio ao Brasil na semana passada e aproveitou para se reunir com livreiros e editores

Eu fiquei impressionado quando visitei a Austrália três anos atrás em como a distância de todo um oceano pode proteger o comércio de livros como aconteceu conosco trinta anos antes. Os livros eram muito caros nas lojas e havia muitas lojas e também lojas independentes. Mas mesmo a maior das fortalezas do mundo não pode manter as forças das mudanças digitais longe da baía para sempre. Todas as forças da venda de livros online, descontos, e e-books estão agora em Oz, e os vendedores de livros estão sentindo um impacto dramático. Quando uma antiga editora trouxe dois vendedores de livros australianos para me visitar em maio passado e eu apocalipticamente descrevi o que deveriam esperar, eles não discordaram de mim. Eles estavam sentindo o mesmo.

Então a pura descrição das dificuldades feitas por um especialista independente na Austrália teve repercussão, mesmo porque eu não dou muita importância à opinião de uma única pessoa sobre o destino de uma empresa.

Na semana passada estive no Brasil. Meu amigo Ricardo Costa, que administra o PublishNews, uma espécie do nosso Publishers Lunch (e que tem traduzido quinzenalmente posts do The Shatzkin Files há alguns meses) juntou um grupo de editores e vendedores de livros para se juntarem a mim em um jantar na segunda à noite para que eu pudesse aprender um pouquinho sobre a situação do mercado brasileiro de livros. Já que eles não estavam lá para gravar entrevista, vou manter minhas companhias anônimas.

Por muitas razões, a situação no Brasil é muito mais parecida com a Austrália de três anos atrás do que com a dos Estados Unidos hoje. O consumo de e-books tem sido pequeno. E uma das maiores razões para isso é a pequena quantidade de equipamentos. O Brasil cobra taxas punitivas para eletrônicos fabricados fora do país, onde todos os e-readers são fabricados. O único equipamento que estava em jogo no país era o Cool-er Reader, e a companhia faliu. Um dos nossos companheiros de jantar é o dono de uma livraria (uma pequena, porém importante cadeia) que tinha começado a vender um novo e-reader na noite anterior. Esse equipamento eletrônico, que não tem tecnologia WiFi nem 3G, e requer (como o da Sony) que você baixe o livro para o computador e então o transfira para o equipamento, será vendido pelo equivalente a pouco menos de $400. É quase o triplo do que o Kindle cobra dos seus consumidores nos Estados Unidos pelo seu novo equipamento com tecnologia WiFi.

Eu tive o equipamento em mãos. É menor e mais leve do que o Kindle, com touch-screen e dicionário embutido, e parece mais sólido. Mas com preço alto e sem conectividade direta que permite adquirir novos livros diretamente para o equipamento, ele não é mais do que o primeiro passo do caminho para a popularidade dos e-books.

Oferecer descontos através dos revendedores online entrou no mercado. (O revendedor na multidão, que tem uma operação na web muito bem sucedida, se recusa a oferecer descontos maiores do que os oferecidos na loja. “Eu estaria dizendo aos meus clientes para não visitarem mais minhas lojas!”) Meus companheiros de jantar estavam preocupados a respeito dos efeitos dos descontos. Os revendedores online pegam os livros das editoras em consignação (não tem custos de inventário) e eles são vendidos com grandes descontos. Isso inevitavelmente trará conseqüências negativas para as lojas físicas.

Como um dos meus companheiros, que administra uma grande editora, disse, “nós queremos saber o que acontece nos Estados Unidos porque é o que vai acontecer no Brasil cinco ou dez anos mais tarde.” Tanto ele quanto o dono da livraria podem prever que o futuro das lojas será cada vez mais difícil.

Toda a mesa concordou que a manutenção do preço de venda, como existe na França e na Alemanha, mas que é quase que universalmente ridicularizado por americanos e britânicos, seria uma bênção para todo o setor.

Uma das presentes, uma editora de livros infantis, disse que o México acaba de implantar a manutenção do preço de venda. Como resultado, a empresa dela está renegociando todos os acordos com revendedores e atacadistas mexicanos para derrubarem os descontos. E, ao mesmo tempo, eles vão baixar o preço dos livros. Na perspectiva dela, os preços para o consumidor serão praticamente os mesmos do que seriam com os descontos, seu lucro permanecerá praticamente o mesmo do que era com preços e descontos mais baixos, e também a margem dos revendedores será inalterada. Mas o mercado ficará mais estável e menos sujeito ao controle dos grandes jogadores que podem oferecer descontos mais agressivos.

Essa não é uma imagem pintada pelos maiores poderosos e experts econômicos dos Estados Unidos e Reino Unido.

Uma coisa que ficou bastante clara no Brasil é que a conversão de epub para idioma menor será difícil. A maioria dos e-books disponível nesse mercado está em PDF porque o mercado é muito pequeno para encorajar as editoras a investir em conversões. É claro que os PDFs não são tão atraentes como uma experiência de leitura. Mas não há os mesmos recursos disponíveis para conversões de epub em português que há para o inglês (e, presumivelmente, para o espanhol ou francês). Isso vai diminuir a adoção do e-reading em muitas partes do mundo e, além disso, levar aqueles que usam e-books para ler em inglês mais do que no idioma local de modo que eles poderão ter acesso aos benefícios. Eu tenho visto os e-books como uma potencial dádiva para editoras em línguas menores, permitindo que alcancem as diásporas, mas isso não será tão eficaz se for caro colocar galês ou dinamarquês em epub.

[17/08/2010 21:00:00]