Lojas próprias são o futuro para e-books
PublishNews, 09/08/2010
Para Mike Shatzkin, uma das características recorrentes de “mudança” é a de que uma coisa nova se pareça com aquilo que ela está tomando lugar

Uma das características recorrentes de “mudança” é a de que uma coisa nova se pareça com aquilo que ela está tomando lugar. E o mesmo está acontecendo com os e-books e seus pontos de venda. Os e-books têm sido, em sua maior parte, exatamente como os livros de papel só que com tela. E quando digo “o mesmo”, quero dizer exatamente duplicar até mesmo páginas em branco e a página de direitos encontrado em livros impressos, inclusive com as informações sobre quantas edições aquele livro teve (isso ainda acontece frequentemente; acabei de passar por essa experiência com The Big Short que estou lendo agora no leitor digital da Barnes & Noble).

E o revendedor de e-books também imitou a venda de livros impressos ao dar ênfase à maior concentração de títulos em um único lugar. Esse é um paradigma que faz sentido no mundo real: se pego meu carro e vou até uma megastore, não quero chegar lá e descobrir que os livros de mistério estão lá mas os de culinária estão em uma loja no próximo quarteirão.

Esse é um “fato” pré-estabelecido (apesar de questionar se é verdadeiro, como explicaremos mais tarde): quanto maior a seleção de livros oferecidos em um único lugar, maior o poder de atrair consumidores. Meu pai descobriu isso quando ele era o gerente de uma loja da cadeia Brentano nos anos 60. A loja de Short Hills, Nova Jersey era a pior da rede até que eles dobraram a seleção de títulos. E então, como mágica, ela se tornou a melhor em performance em toda a rede.

A Amazon comprovou esse aspecto quando começou nos negócios nos anos 90. Apesar de não ser a primeira livraria online, foi a primeira que realmente tentou ter todo tipo de produto à venda. De fato, eles foram muito além de “ter de tudo” ao prover uma base de dados (obtidos da Baker & Taylor, mas isso é uma outra história) que nos mostrava não apenas todos os livros impressos, mas também todos os livros que estavam fora de catálogo!

O pensamento da época, de editoras e revendedores, era de que não seria bom sugerir títulos fora de catálogo como resultado de uma pesquisa. Mas, é claro, essa era a vantagem competitiva deles. Rapidamente se tornaram o melhor lugar para busca por causa da completa base de dados e, na verdade, confirmando para o cliente que “o que você quer é um livro que foi publicado, mas não está prontamente disponível” tornava mais fácil oferecer um substituto. Enquanto que a loja (online ou não) que não tinha o livro (por estar fora de catálogo), mas que também não fornecia a informação, tampouco conseguia vender um livro alternativo.

A importância da seleção de livros foi novamente provada pela Amazon quando eles lançaram o Kindle em novembro de 2007 e acenderam o fogo, que ainda se espalha, do e-book. Antes do Kindle, havia talvez 100 mil títulos em e-books disponíveis em PDF que poderiam ser lidos em um computador, mas o número não chegava nem perto disso quando se tratava de equipamentos menores (Palm, Mobi, Ditlit). A Amazon lançou o Kindle com aproximadamente 150 mil títulos e usou seu poder de mercado para convencer as editoras a dar mais e mais do livro mais novo, do livro “sensação”, no formato deles (para Kindle) e o mais perto possível da data da publicação impressa.

Havia outras características do Kindle (habilidade de armazenar livros usando tecnologia wireless e instantaneamente sem precisar de intermediários; a facilidade para ser lido; o dicionário incluso; a profunda relação com um grande número de compradores de livros online; e, claro, os preços atraentes em relação às edições impressas dos livros mais vendidos) foi combustível para o sucesso instantâneo, mas a seleção robusta de títulos era um elemento crítico.

Então até aquele momento – e alguém pode dizer até este momento – a maior seleção de livros disponíveis em um único lugar tem sido tão importante para um vendedor virtual de e-books quanto foi historicamente para um vendedor de livros impressos em uma loja física.

Anos atrás, percebi que o poder de atração de uma grande seleção em uma única loja física tinha diminuído. Quando papai dobrou o inventário da Short Hill, ele oferecia títulos que os consumidores não poderiam encontrar em nenhum outro lugar das proximidades. Quando a Barnes & Noble e a Borders pegaram dinheiro de Wall Street para imitar o modelo da Bookstop de megastores com mais de 100 mil títulos nos anos 90, eles estavam disponibilizando com grande conveniência para os consumidores, livros que antes era necessário muito esforço para serem encontrados. Mas o espaço sem limites das prateleiras de uma loja online diminuiu a vantagem e nos primeiros anos dessa década me pareceu que o consumidor achava tão poderosa a ilimitada disponibilidade de títulos online que poderiam ser entregues em um ou dois dias que o apelo de ter uma grande seleção de títulos diminuiu.

Mas há outra ameaça na história de venda de livros (em lojas físicas e online) que acredito que se tornará em breve o paradigma dominante na venda de livros. E, é claro (só pra lembrá-lo de qual blog está lendo), isso se encaixa no conceito de “verticalidade”.

As editoras sabem há muito tempo que bons acordos podem ser feitos e grandes vendas realizadas através do que chamamos “varejistas especializados” (O rótulo dado a essas vendas em uma editora, e outras como vendas por catálogos ou vendas Premium, é “Canais Alternativos”). A loja que vende as ferramentas e materiais para repintura do seu assoalho pode vender um livro que explica como fazê-lo. A loja que vende computadores, papel e tinta pode também vender manuais e livros de ajuda para usuários de computador. A loja de jardinagem pode vender livros que ensinam como fazer suas rosas florescerem.

A megastore online Amazon, e outros comerciantes online (e não só de livros), tem operado programas de fidelidade pelos quais um site ganha comissão em vendas feitas quando um cliente chega até eles por um link no site de outro. Isso geralmente funciona quando o site participante promove um título em particular; quando o visitante clica no link, o consumidor é levado ao site da Amazon ou da B&N por causa desse título. Se o consumidor compra, o site que o encaminhou leva uma comissão. Essa receita não representa uma grande quantidade de dinheiro para os sites que encaminham clientes (apesar de que às vezes chega a representar), mas acredita-se que (como tudo que envolve a Amazon não temos dados que confirmem isso) cumulativamente, referências de talvez milhões de afiliados direcione um volume significativo de clientes para Amazon (e outros sites).

E isso é o mais longe que as “vendas especiais” foram no mundo de e-books. Mas acho que a partir daqui isso está para mudar e a mudança que veremos nos próximos anos vai acabar com a noção de “todos os assuntos em um só lugar” é uma vantajosa jogada de marketing, online ou em loja física. Muitas vendas de livros, e particularmente as vendas de e-books, vão passar a vendedores “contextuais”. O site do seu contador vai vender livros que o ajudam a entender a nova lei de imposto ou como se preparar para vender seu negócio. Seu site favorito de esportes vai vender a nova biografia do Kaká. E o seu boletim informativo preferido sobre “Crítica Literária” vai atender suas necessidades de adquirir um livro de ficção sem ter que passar por vastas listas de livros em uma megastore online.

Isto é: uma oferta acurada de e-books (a um clique da habilidade de comprar mais conteúdo além da seleção acurada) será apresentada em todo site que tenha tráfego significante. Entregar conteúdo comprável – livros agora, mais recentes revistas, artigos mais curtos, e áudio relevante (e vídeo) – vai se tornar um conteúdo normal de qualquer site (ou comunidade web) que aspira uma verdadeira aproximação com os visitantes do site. “O que eu li ultimamente e gostei; e porquê” é uma informação que se esperar de qualquer blogueiro ou comentarista com seguidores.

Algumas semanas atrás, a Barnes & Noble fez seu anúncio regular dos resultados financeiros e as expectativas para o futuro. Nesse anúncio a B&N expressou a expectativa de que o mundo do e-book se estabeleceria em cinco grandes empresas e que a B&N seria uma delas. Com essa perspectiva, eles se vêem com proporção razoável – diria 20% – do mercado de e-book.

Minha primeira reação a isso foi: “O que eles estão pensando? Não serão cinco vendedores online, serão cinco milhões.” Um dia ou dois depois eu tive uma conversa com um dos meus gurus pessoais de tecnologia que viu do mesmo modo o comunicado da Barnes & Noble (“vai se consolidar, como aconteceu com o negócio da música”). Ele também fez muitas perguntas práticas. Em qual equipamento esses livros serão lidos? Como todos esses sites individuais vão lidar com formatação, com DRM, com serviços ao consumidor? Em outras palavras, “grande visão, Mike, mas como isso pode funcionar?”

Eu acho que isso vai funcionar como os sites afiliados funcionaram, mas de uma maneira mais sofisticada. Um operador central forte facilita a oferta comercial de um player. O prenúncio do futuro é o acordo anunciado alguns dias atrás entre a F+W Media e a Ingram Digital. A Ingram está criando todos os sites especializados da F+W (e são vários sites para muitos diferentes grupos verticais de interesse) com a habilidade em vender livros eletrônicos e online de todas as editoras para o tráfego do site deles (Apesar de termos relações de trabalho com ambas empresas, não estamos envolvidos no negócio e não sabemos nenhum detalhe).

Eu acredito que o acordo entre Ingram e F+W é o começo de algo novo e grande. Ambas companhias vão achar meios de crescer qualquer que seja o assunto inicial. F+W vai ter de aprender como negociar o que a Ingram pode dar a eles em um shopping e a experiência de consumo para o consumidor. E a Ingram vai ter de aprender como entregar o que eles podem oferecer para a F+W de um modo que permita que a F+W melhore e ofereça algo personalizado e exclusivo para sua própria comunidade.

Se essa visão de futuro estiver correta, a competição entre os players que podem oferecer uma seleção de e-books e os serviços de transação que a Ingram oferece – aquelas que já estão no jogo como Amazon, B&N, iBooks, e Kobo e aqueles dizendo que estão para entrar como Google, Blio da B&T, e Copia – vai acontecer em uma nova arena. B&N anunciou acordos como esse, onde eles estruturam a livraria de outro. A Kobo ainda não fez, mas espero que o façam; isso também me parece uma oportunidade que eles perceberam. Isso é um pouco estranho; isso coloca a “distribuidora” Ingram competindo com “varejistas” para criar o próximo round de varejista especializado. A Ingram obviamente tem a capacidade inerente de oferecer entrega de livros impressos e eletrônicos mas, é claro, a B&N tem recursos internos para fazê-lo também, e a B&T também pode fazer isso. Há anomalias quanto às margens de cada um a serem acertadas, mas, no final, as compras por meio dessa estratégia serão mais baratas para o consumidor do que na maioria das outras formas de vendas, mesmo que uma margem fixa do editor seja dividida entre os players daquele nicho.

Esse negócio ainda não começou pra valer; estamos apenas vendo os contornos dele. Inicialmente, a competição parece ser sobre como cada varejista oferece seu vasto conjunto de conteúdo para o consumidor online de uma maneira consolidada. (E, geralmente, tem sido o mesmo para Ingram. A maior parte de seus negócios vem de grandes lojas “distribuidoras” de e-books.) Mas com o tempo vai envolver na competição os revendedores especializados. Ganhar sempre foi sobre como oferecer a melhor experiência consumista ao consumidor do concorrente. Marcas próprias são a chave para o futuro de vendas de e-book (e de livro impressos).

[08/08/2010 21:00:00]