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A antieditora: o aumento da quantidade de livros
PublishNews, 28/09/2010
Nesta coluna, Cindy Leopoldo questiona até que ponto alta produtividade afeta a qualidade dos livros, o sentimento de satisfação com o trabalho dos profissionais da área e também se isso tudo está de
"O problema pra mim é que o original, ao chegar à editora (à maioria delas), é submetido a um processo de desencaminhamento."

"TODAS as traduções deveriam passar por revisão de tradução

e depois seguir para o copy, não só os livros técnicos."

"O profissional que trabalha com o texto (copy ou revisor) deveria ser mais valorizado(o que percebo, em todas as editoras, é uma valorização imensamente maior do designer, (inclusive em termos financeiros)."

"Padronização de termos e equilíbrio de remuneração (comparando-se o que cada editora paga para seus frilas)."

"Menos livros sendo produzidos (não há público para 30, 40 livros por mês vindos de uma única editora)."




As citações acima são trechos de resposta à última enquete da coluna. Não coloquei os nomes dos autores, uma vez que ainda não fui autorizada por eles, mas gostaria de citá-los e agradecê-los na próxima coluna porque acho importante que saibamos que somos muitos pensando as mesmas coisas. Depois que leio esses retornos tenho mais certeza de que as pessoas que produzem livros estão mudando sua maneira de pensar e a forma da produção editorial nas empresas precisa mudar rapidamente. Também estou certa de que já temos autores para uma coletânea do tipo A construção do livro revisitada. Ideias...

Fato é que a grande quantidade de livros para cada produtor editorial está afetando não apenas a qualidade dos livros, mas o sentimento de satisfação com o trabalho dos profissionais da área. Sim, estou generalizando, mas tenho por base os e-mails que recebo. Muitos reclamam da falta de profissionalização da área, e alguns são apenas sinceros desabafos sobre a desilusão com o “trabalho com livros”. Tenho para mim que o que aconteceu foi o seguinte: as casas editoriais perceberam que precisavam se capitalizar para se renovar e se manter no mercado. Para maximizar seus lucros precisavam diversificar seus produtos e assim criaram novas editorias, novas maneiras de vender os conteúdos dos livros e apostaram na compra de obras dos mais variados temas e nacionalidades. De outra forma, podemos dizer que aplicaram uma pressão muito forte e inédita sobre os setores de aquisição, marketing, comercial e produção, e estes foram pressionando os outros. Isso criou, além de animosidades internas, empresas cansadas, com processos emburrecidos pela falta de tempo para pensar e pesquisar novas soluções que poderiam ser tão interessantes para as empresas como para seus funcionários. E então se tem perdido (e até amaldiçoado) o amadorismo apaixonado dos funcionários sem dar lugar à profissionalização consciente, aquela que se espera das “melhores empresas para trabalhar”, por exemplo. Por sinal, fiz uma busca há uns meses e achei apenas duas editoras nas listas Great Places to Work, uma no Canadá e outra na Dinamarca. Mas como foi uma pesquisa extremamente informal, sequer me lembro os nomes delas e se foi 2009 ou 2010... (mas adoraria se alguém pudesse provar que estou errada e que há, sim, várias editoras na lista, se não no Brasil, ao menos em qualquer lugar do globo).

O que está acontecendo na prática é muitas vezes a duplicação do trabalho (ou até mais) sem investir em treinamento e contratando o mínimo possível de novos funcionários. Nesse caso não é difícil verificar o gargalo da empresa: é a produção, lógico. E daí vêm as ordens para agilizar, não segurar o livro, falar para os revisores apenas consertarem erro e não ficarem melhorando o texto, porque ele já está bom etc. Busca-se o limite da produção individual (estamos ainda em 1911 com Taylor), e a história nos diz como isso tende a terminar: “Outra crítica ao modelo é a de que ele transformou o homem em uma máquina. O operário era tratado como uma engrenagem do sistema produtivo, passivo e desencorajado de tomar iniciativas, já que os gerentes não ouviam as ideias das classes hierárquicas inferiores, uma vez que essas eram consideradas desinformadas.” (da Wikipédia, verbete “taylorismo”).

Esse anacronismo cria situações contraditórias, como editoras querendo atingir em 2020 as mesmas metas da Google, mas usando ferramentas de 1911, que obviamente não dão conta das demandas. Além disso, nos permite imaginar o futuro da antieditora, que é a empresa que recebe um bom livro do autor ou do agente e o transforma em um livro ruim. Isso pode acontecer, por exemplo, quando se recebe o original, manda correndo para um tradutor que ainda não foi testado, porque todos os bons e conhecidos estão ocupados; depois recebe uma tradução horrível que parece feita pelo Google Translator; daí manda para um copy, que também não foi testado, mas que, espera-se, consertará tudo (apesar de ele não ler alemão, língua do original), porque o copi bom vai precisar de mais prazo do que você pode oferecer. Então, você, assistente, coordenador ou editor, a cada vez que a prova chega do “inimigo”, tem por missão salvar o livro de todos os erros que foram inseridos, recolocar as vírgulas retiradas, restabelecer as concordâncias e aí mandar para o birô que trabalha rápido. Infelizmente você só vai descobrir que a revisão não percebeu o capítulo inteiro que deixou de ser editorado no momento em que a indexação estava sendo feita por uma estagiária atenciosa, que além de descobrir isso, percebeu que muitas partes do livro também não foram traduzidas. E assim o livro precisará ter a data de publicação alterada, porque um outro tradutor topou consertar o trabalho já na prova editorada (para “agilizar”). E essa será a prova que depois seguirá para um copy “dar apenas uma olhada”. Então isso vai fazer o texto andar e fará o diagramador cobrar por uma nova editoração. Assim você tem um livro ruim, remendado por pessoas diferentes, com vocabulários diferentes e que saiu bem mais caro do que deveria. Essa é a antieditora padrão, e toda editora pode ser uma antieditora às vezes, mas a ideia é aprender com o erro e evitar isso ao máximo.

Aí vem outro problema citado em um dos e-mails que recebi: a quase completa falta de documentação do trabalho. É praticamente inexistente o treinamento em ferramentas de controle da imensa quantidade de informação com as quais trabalhamos. Não temos um banco de dados de lições aprendidas, ao menos não um que eu já tenha ouvido falar. Cada um que faz um livro, o faz baseado em sua memória pessoal – e, se der sorte, com a experiência de alguém próximo. Não é que as ferramentas não existam no mercado (e mesmo que não existam, grande parte das empresas desenvolvedoras de softwares são especializadas em desenvolver produtos customizados); imagino que o pensamento seja “nunca foi necessário esse tipo de coisa, por que seria necessário agora esse altíssimo investimento?”.

Essa confusão faz com que aqueles funcionários mais antigos não reconheçam mais sua função e seu local de trabalho e cria um imenso gap entre o que é estudado pelas novas gerações nas faculdades de produção editorial e o que é exigido em seus estágios. Parece claro que a transição 1911-2011 não foi detalhadamente planejada, mas agora que o forte impacto no pessoal resultou em alta rotatividade, aumento do absenteísmo, desmotivação, talvez seja hora de dar o passo além do taylorismo e chamar seus departamentos de produção para conversar e pensar juntos (com os números da lista de mais vendidos do PublishNews em mente) até onde aumentar a produção realmente está se convertendo em lucro.

Cindy Leopoldo é graduada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em Gerenciamento de Projetos pela UFF. Em 2015, cursou o Yale Publishing Course e, em 2020, iniciou a especialização em Negócios Digitais, da Unicamp. Trabalha em editoras há uns 15 anos. Na Intrínseca, onde trabalhou por 7 anos, foi criadora e gerente do departamento de edições digitais e editora de livros nacionais. Atualmente, é editora de livros digitais da Globo Livros.

Escreve quinzenalmente, só que não, para o PublishNews. Sua coluna trata de mercado editorial, livros e leituras.

Acesse aqui o LinkedIn da Cindy.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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