Brasil

Educadores criticam recolhimento de livro polêmico pelo MEC

Conto de "Enquanto o sono não vem", destinado a crianças de 7 e 8 anos, trazia abordagem sobre incesto
Livro traz história que aborda incesto Foto: Reprodução
Livro traz história que aborda incesto Foto: Reprodução

RIO- O Ministério da Educação (MEC) decidiu, na quinta, recolher 93 mil exemplares do livro “Enquanto o sono não vem”, destinado a escolas públicas de ensino fundamental, após uma polêmica envolvendo o conto “A triste história de Eredegalda”, que narra a saga de uma princesa que se recusa a casar com o rei, seu pai, e acaba trancafiada em uma torre. Segundo o MEC, o livro, que aborda a temática do incesto, seria impróprio para a idade a qual era destinado — crianças de 7 e 8 anos— “por serem leitores em formação e com vivências limitadas”, que ainda não adquiriram senso crítico. Apesar da grande repercussão negativa a respeito da obra, educadores consultados pelo GLOBO ponderaram sobre a necessidade de se abordar temas complexos em sala de aula e ressaltaram a importância da figura do professor como mediador.

Com lotes comprados em 2005 e 2014, o livro havia sido distribuído pelo Programa de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), após ter sido avaliado e aprovado pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em novo parecer emitido no último dia 1º , o Ceale afastou as críticas à obra, que traz um compilado de histórias populares, e afirmou que a polêmica é resultado de um “julgamento indevido construído por leitura equivocada do romance”. O Centro citou ainda elementos controversos de outros contos de fadas popularmente aceitos e argumentou que o confronto com essas narrativas tem papel importante no desenvolvimento das crianças.

DISCUSSÃO DE TEMAS DELICADOS

A educadora Cleuza Repulho chamou atenção para a importância de discutir temas delicados e criticou o recolhimento da obra:

— Tudo o que acontece fora da escola vem para dentro e discutir sobre isso é importante. Recolher o livro não vai resolver. Esse conto vai ser positivo dependendo de como o professor trabalhar.

Eliana Yunes, da Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio, também defendeu a obra e afirmou que esses contos são importantes para desenvolver a função crítica das crianças, ressaltando que para a compreensão de todo texto é imprescindível um mediador.

— Se formos fazer uma revisão desta natureza, não sobra nem “Branca de Neve”, nem “A bela adormecida”, originalmente engravidadas enquanto dormiam... Menos ainda Sherazade que, ao ser libertada da sentença de morte, já tinha três filhos com o sultão. É necessário mais estudo, mais compreensão do que seja arte e sua função social e menos hipocrisia no trato de problemas que nos atormentam. Crianças são mais inteligentes e perspicazes do que presumimos — concluiu.

O autor do livro, José Mauro Brant, criticou a “demonização” promovida por alguns setores:

— Eu não inventei essa história. É um livro de histórias contadas no Brasil e, como todo conteúdo de cultura popular, toca em assuntos delicados. As pessoas têm pouca informação sobre o que é o conto de fadas. De “Chapeuzinho Vermelho” a outros contos, não são temais banais. É sempre uma mensagem de opressão, do bem contra o mal. Em um momento tão difícil, com tanta coisa grave para discutir, demonizar um conto é uma consequência de nossa crise moral.

A Secretaria Municipal de Educação do Rio disse que as escolas da rede receberam os livros do MEC, e que “será definida a melhor forma logística para atender à orientação do ministério para recolhimento”.