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Guerra contra Cultura. Guerra contra o povo!
PublishNews, Volnei Canônica, 15/12/2017
Volnei Canônica relata a guerra que os artistas de Caxias do Sul, sua terra natal, encamparam contra o prefeito Daniel Guerra, que desviou recursos da Cultura para outras áreas

Você deve estar perguntando se esta é uma coluna sobre aquele movimento que teve seu auge na década de 1960 onde jovens com um espírito mais liberal voltaram-se contra o conservadorismo de famílias tradicionais e que também foi chamado de cultura underground, cultura alternativa, cultura marginal ou Contracultura. Na verdade, podemos considerar que estamos vivendo este movimento novamente.

Reprodução de manchete de matéria publicada pelo jornal O Pioneiro, de Caixas, sobre os protestos dos artistas contra o prefeito Guerra | © Reprodução
Reprodução de manchete de matéria publicada pelo jornal O Pioneiro, de Caixas, sobre os protestos dos artistas contra o prefeito Guerra | © Reprodução

Artistas de Caxias do Sul, cidade gaúcha onde nasci, travaram uma batalha com o atual prefeito Daniel Guerra (PRB/RS). Guerra acabou de descumprir a Lei nº 6.967, de 30 de julho de 2009, que prevê verba entre 1% e 2% da receita proveniente da arrecadação com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para projetos culturais do Financiarte – Financiamento da Arte e Cultura Caxiense.

O ápice desta guerra foi quando o atual Secretário da Cultura Joelmir da Silva Neto, anunciou que somente 18 projetos, dentre os 184 inscritos, seriam contemplados com o financiamento público. A Comissões de Avaliação, Seleção e Fiscalização (Casf), que analisa os projetos enviados para o Financiarte, havia recomendado 69 projetos para receber apoio. Segundo o secretário, o número bem inferior do esperado aconteceu porque a administração pública liberou apenas R$ 600 mil para o Financiarte. Nos últimos três anos o valor sempre foi de R$ 2 milhões.

Um pedido de informação do vereador Rafael Bueno (PDT/RS) sobre a arrecadação do município foi respondido pelo secretário de Gestão e Finanças, José Alfredo Duarte Filho, mostrando que Caxias do Sul arrecadou, de janeiro a setembro deste ano, mais de R$ 180 milhões. Arrecadação esta que já garantia o mesmo valor do investimento de anos anteriores para a área.

Os artistas locais questionaram o secretário da Cultura sobre o baixo investimento e obtiveram como resposta que o valor faltante seria desviado para questões prioritárias deste governo como saúde. Resposta esta que foi confirmada, alguns dias depois, pelo próprio prefeito.

Guerra não é o primeiro político que tenta o apoio da população dizendo que irá cortar recursos da área da Cultura para investir em saúde e segurança. Um absurdo e, no caso de Caxias do Sul, um desrespeito e descumprimento da legislação. Mas como podemos confiar em um prefeito que não consegue nem cumprir uma lei? Virou moda entre os novos prefeitos, que dizem estar fazendo o melhor para a população, não cumprirem as leis.

Outra questão importante, que os gestores esquecem, é que os artistas e muitos outros cidadãos pagam os seus impostos e querem ver esse recurso revertido para a Cultura e Educação. Os prefeitos precisam entender que não podem desviar recursos públicos destinados à Cultura como bem entenderem. Este recurso não é o seu salário em que podem remanejar cobrindo algumas áreas e outras não.

Em um lindo movimento, chamado “Cachinhos do Sul”, a favor da Cultura e contra o Guerra, os artistas caxienses obtiveram o apoio da Câmara dos Vereadores e do Ministério Público (MP). Em 1º de dezembro o MP instaurou um inquérito público para esclarecer a questão. Nesta quinta (14), a Promotora Janaína De Carli dos Santos ajuizou uma ação contra o município de Caxias do Sul na qual solicita o cumprimento da Lei 6.967.

Mais uma matéria do jornal O Pioneiro, desta vez sobre o pedido de impeachment ao prefeito Guerra | © Reprodução
Mais uma matéria do jornal O Pioneiro, desta vez sobre o pedido de impeachment ao prefeito Guerra | © Reprodução

A atual administração de Guerra anda bastante conturbada. O prefeito deve receber ainda hoje (15), a notificação da abertura do processo de impeachment que analisa a denúncia de infrações político-administrativas, crimes de responsabilidades e atos de improbidade administrativa de sua gestão. Este já é o terceiro processo de impeachment que Guerra sofre.

O “Cachinhos do Sul” reuniu artistas de diferentes áreas que ocuparam ruas, praças e câmara dos vereadores. Também foi produzido o vídeo MusicaBoaParaAcordar (assista a ele logo abaixo) que, por meio de linguagem artística, apresenta de forma poética o descaso da administração pública com a Cultura. Só neste ano, a Prefeitura de Caxias do Sul cancelou verba para importantes eventos da cidade como Carnaval, Rodeio Campos dos Bugres, Festa Nacional da Uva, além de ter diminuído consideravelmente os recursos para a pasta.

Acompanho de perto o desenvolvimento cultural nesta cidade. A Secretaria Municipal da Cultura foi criada em 1997, com a sua desvinculação da pasta da Educação. Uma ação política e administrativa que colocou a Cultura em outro patamar transformando-a em um órgão independente, com orçamento, planejamento e quadro de pessoal próprio para atender a demanda da área. Fui servidor público deste quadro de funcionários e vi nascer tantos projetos importantes. Na área do livro e da leitura ajudei a criar um programa que se tornou referência nacional ganhando o 1º lugar no Prêmio Melhores Programas de Incentivo à Leitura da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil– FNLIJ/Petrobrás, em 2009.

Me orgulho dos meus colegas artistas caxienses que foram para as ruas e travaram essa batalha contra a atual administração pública. A questão não é contra uma ou outra pessoa. É contra o descumprimento da lei e a falta de diálogo com aqueles que contribuem diariamente com o desenvolvimento da cidade. É importante que se entenda que o desenvolvimento de uma sociedade se dá, também, pela capacidade de expressão artística e pelo nível de educação dos cidadãos e não só pelo número de empregos, de empresas, de quilômetros asfaltados, de shopping centers.

Espero, assim como em Caxias do Sul, que todos os artistas e educadores dos municípios brasileiros não baixem suas cabeças para os maus gestores públicos. As leis existem para serem cumpridas! Os recursos públicos devem atender todas as demandas da sociedade. A cultura e a educação é e, sempre será, prioridades de uma sociedade e deve permanecer na pauta. É com o discurso “Vamos dar um futuro melhor para as nossas crianças investindo em cultura e educação” que os políticos se elegem.

O Brasil é um pais que foi subjugado pelos seus colonizadores. A história está aí para confirmar que para dominar um povo o primeiro passo é acabar com a cultura existente e cercear o livre pensar. Como diz a música do clip “A Arte vem para despertar!” Prefeito Daniel Guerra esse “descaso” não é com os artistas caxienses, mas com o futuro da cidade. Estar contra a Cultura é estar contra o seu Povo!

Volnei Canônica é formado em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em Literatura Infantil e Juvenil também pela Universidade de Caxias do Sul, e especialização em Literatura, Arte do Pensamento Contemporâneo pela PUC-RJ. É Presidente do Instituto de Leitura Quindim, Diretor do Clube de Leitura Quindim e ex-diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, do Ministério da Cultura. Coordenou no Instituto C&A de Desenvolvimento Social o programa Prazer em Ler. Foi assessor na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Na Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, assessorou a criação do Programa Permanente de Estímulo à Leitura. o Livro Meu. Também foi jurado de vários prêmios literários.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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