Mas a mudança principal, facilmente percebida após os cinco dias de Flip, não foi no palco. Foi na rua.
Por consequência da curadoria de Joselia Aguiar, jornalista que ocupou a função pela primeira vez — não foi anunciado se ela continua ou não na Flip para 2018 —, o público que veio a Paraty foi claramente mais plural. Havia mais negros, mais mulheres, mais diversidade.
Lima Barreto
, o homenageado, foi bem representado por debates como o que teve Beatriz Resende e Luiz Antonio Simas.
O Auditório da Praça
, com 700 lugares, transmitiu ao vivo os debates e esteve sempre lotado.
Ainda desconhecido
do grande público, o poeta mineiro Edimilson de Almeida Pereira brilhou.
Desce
Cadeiras vazias
: mesmo com 400 lugares a menos, o auditório montado na Igreja Matriz não lotou na maioria dos debates.
As performances
antes de algumas mesas só funcionaram quando os convidados fizeram performances mesmo, e não apenas leituras.
As barracas de comida
, que têm os preços mais acessíveis de Paraty, foram ‘banidas’ de perto da igreja para longe do centro da festa.
Diva Guimarães,
uma paranaense negra de 77 anos, professora aposentada
que teve a coragem de pegar o microfone e pedir para si a palavra numa festa tradicionalmente elitista, foi a representação de que a voz da rua falou mais alto do que a voz do palco. Ela emocionou Paraty ao recordar episódios de sua vida em que sofreu racismo. O vídeo com sua participação teve, até ontem, mais de 8 milhões de visualizações na página da Flip no Facebook.
Diva foi o símbolo da presença maior de visitantes negros na Flip, ainda discreta dentro do espaço principal (o ingresso custava R$ 55), mas bastante clara em debates paralelos e no Auditório da Praça, ambos com entrada gratuita. Como ela, a documentarista mineira Tatiana Carvalho veio à festa pela primeira vez. Tatiane diz ter visto racismo nos olhos do público branco ao encontrar mais negros nas ruas de Paraty.
“Essas composições com mais diversidade deveriam acontecer sempre. Os jornalistas e os coletivos negros devem se apropriar dessas festas literárias como cidadãos brasileiros”
— Eles nos olharam como se fôssemos ETs, como se não soubessem o que fazer conosco — disse Tatiane, que veio de ônibus para a Flip. — Agora, somos nós que viramos a atração.
Além da curadoria, uma das razões para a mudança foi a atuação desses autores junto a suas redes e coletivos para atrair seus próprios públicos. Nomes como a escritora
Conceição Evaristo
e o professor
Edimilson de Almeida Pereira
, ainda sem amplitude nacional, são reconhecidíssimos por movimentos negros.
— Essas composições com mais diversidade deveriam acontecer sempre. Os jornalistas e os coletivos negros devem se apropriar dessas festas literárias como cidadãos brasileiros — disse Joselia Aguiar, no domingo, em entrevista coletiva de encerramento da festa literária.
— Por que todos leem Clarice Lispector e conseguem perceber que ela fala de uma dúvida existencial, das angústias humanas, e não percebem isso na Carolina Maria de Jesus? — questionou Conceição, em sua mesa, comparando a percepção da academia sobre as obras da branca Clarice e da negra Carolina (mortas no mesmo ano, 1977).
Mas houve críticas sobre a falta de nomes internacionais de mais peso nesta Flip. Grandes editoras reclamaram que ofereceram autores consagrados e que não foram aceitos pela curadoria. Quem foi o grande autor da Flip 2017? Considerando que, pela primeira vez em 15 anos, os melhores debates ocorreram em torno da obra do escritor homenageado, a única resposta possível é Lima Barreto — ele próprio um autor negro, cuja obra se provou atual ao permitir discussões sobre racismo, injustiças e corrupção política.
A dúvida está no futuro. É inquestionável a importância de se buscar uma programação mais plural. A Flip cresceu ao longo de 15 anos em torno de debates literários e políticos fortes, revelando nomes brasileiros e estrangeiros, e ampliando ideias para qualquer tipo de espectador. Com o desafio de recuperar patrocínios — desde 2014, a queda na verba é de R$ 1 milhão por ano —, a festa terá, para 2018, que aprender com a experiência desta edição, para lembrar que a literatura pode, sim, criar pontes num país dividido por ideologias, crenças, raças e gêneros.
Título
: “A hipótese humana”.
Editora
: Record.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: Quarto e último volume de seu Compêndio Mítico do Rio de Janeiro, série de romances que retratam cada século da cultura carioca, iniciada com “O trono da rainha Jinga”, “A primeira história do mundo” e “O senhor do lado esquerdo”.
Carol Rodrigues
Título
: “Ilhós”.
Editora
: Jota/e-galaxia.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: Um texto dividido em duas partes, com dois personagens, cada um em uma parte. Em uma delas, o personagem só vive no tempo e, na outra, o personagem só vive no espaço.
Conceição Evaristo (1)
Título
: “Becos da memória”.
Editora
: Pallas.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: Uma compilação das “ficções da memória” da escritora mineira, com temas que vão da fome e a miséria passando pelo preconceito racial e de classe.
Conceição Evaristo (2)
Título
: “Ponciá Vicêncio”.
Editora
: Pallas.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: Acompanha a trajetória da protagonista da infância à vida adulta pela perspectiva da herança identitária da avó e das relações afetivas que construíram.
Deborah Levy
Título
: “Coisas que não quero saber: Uma resposta ao ensaio ‘Por que escrevo’, de George Orwell”.
Editora
: Autêntica.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: A sul-africana responde à pergunta de George Orwell, tendo como pano de fundo seu país, onde seu pai foi preso na luta contra o apartheid; Londres e Maiorca.
Título
: “Jamais o fogo nunca”.
Editora
: Relicário.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: O primeiro romance da chilena lançado no Brasil é centrado numa mulher sobrevivente da luta política durante a ditadura militar de Pinochet, quando foi encarcerada, enfrentou delação e perdeu o filho.
Diamela Eltit (2)
Título
: “A máquina Pinochet e outros ensaios”.
Editora
: Peixe Elétrico/e-galaxia.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: A autora chilena reflete sobre literatura, história, política e cultura latino-americana, usando o golpe de 1973 e a transição democrática como fio condutor.
Djaimilia Pereira de Almeida
Título
: “Esse cabelo: a tragicomédia de um cabelo crespo que cruza fronteiras”.
Editora
: LeYa.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: Uma bem humorada biografia do cabelo da autora nascida em Luanda e radicada em Portugal, que mistura memórias, ficção, ensaios em um manifesto antirracismo.
Edimilson de Almeida Pereira (1)
Título
: “Qvasi - Segundo caderno”.
Editora
: 34.
Gênero
: Poesia.
Sinopse
: Compilação da obra poética do estudioso da cultura popular afro-brasileira e professor de literatura da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Edimilson de Almeida Pereira (2)
Título
: “A saliva da fala: Notas sobre a poética banto-católica no Brasil”.
Editora
: Azougue.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: Ensaios sobre a poética do congado, estilo silenciado pelas formas estéticas europeias.
Título
: “Entre Orfe(x)u e Exunouveau: Análise de uma estética de base afrodiaspórica na literatura brasileira”.
Editora
: Azougue.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: Uma discussão sobre os excluídos do cânone literário brasileiro a partir de seus lugares de fala.
Frederico Lourenço
Título
: "O livro aberto".
Editora
: Oficina Raquel.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: Conjunto de ensaios que refletem sobre a natureza religiosa do texto bíblico, bem como a poesia que há nos Testamentos e o legado da Bíblia para a civilização ocidental.
Joana Gorjão Henriques
Título
: “Racismo em português: o lado esquecido do colonialismo”.
Editora
: Tinta da China.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: A partir de entrevistas feitas em Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe, Joana Gorjão Henriques desconstrói o tema tabu do racismo no colonialismo português.
Lázaro Ramos
Título
: “Na minha pele”.
Editora
: Objetiva.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: O ator, apresentador e ativista apresenta suas reflexões sobre temas como ações afirmativas, gênero, família, empoderamento, afetividade e discriminação, usando de sua experiência pessoal.
Leila Guerriero
Título
: “Uma história simples”.
Editora
: Bertrand.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: A repórter argentina investiga o molambo, dança folclórica muito popular em Córdoba, e traça um perfil de Rodolfo González, seu maior expoente.
Título
: “Sou eu mais livre, então: Diário de um preso político angolano”.
Editora
: Tinta da China.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: O rapper angolano ganhou os noticiários ao ser preso, em junho de 2015, e fazer greve de fome. Neste livro, publica suas memórias do cárcere.
Luaty Beirão (2)
Título
: “Ikonoklasta: Kangue no maiki”.
Editora
: Demônio Negro.
Gênero
: Poesia.
Sinopse
: Compilação de poesias de forte teor político escritas pelo rapper angolano desde 2001.
Luiz Antonio Simas
Título
: "Coisas nossas".
Editora
: José Olympio.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: Reunião de crônicas que celebram a cultura de rua do Rio de Janeiro, em especial da Zona Norte e do subúrbio, escritas pelo vencedor do prêmio Jabuti em 2015.
Marlon James
Título
: “Breve história de sete assassinatos”.
Editora
: Intrínseca.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: O romance vencedor do Man Booker Prize em 2015 explora a década de 1970 na Jamaica, quando sete homens invadiram a casa de Bob Marley e feriram o cantor, sua mulher, o empresário e várias outras pessoas.
Noemi Jaffe
Título
: “Não está mais aqui quem falou”.
Editora
: Companhia das Letras.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: Compilação de textos poéticos, ensaios e outros textos sobre temas que vão de encontros amorosos, encontros improváveis entre figuras históricas, ou digressões sobre os significados de uma palavra.
Título
: "Peste e cólera".
Editora
: 34.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: Um retrato de Alexandre Yersin, cientista que descobriu o bacilo da peste.
Ricardo Aleixo
Título
: “Encontros: Ricardo Aleixo”.
Editora
: Azougue.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: este volume da série de livros com entrevistas se dedica ao poeta mineiro, que reflete sobre poesia, oralidade, cultura negra, entre outros assuntos.
Scholastique Mukasonga (1)
Título
: "Nossa Senhora do Nilo".
Editora
: Nós.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: A história das estudantes do liceu que dá nome ao livro, jovens abastadas cujos casamentos combinados enriquecem e fortalecem suas famílias.
Scholastique Mukasonga (2)
Título
: "A mulher de pés descalços".
Editora
: Nós.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: Romance escrito em memória de Stefania, mãe da escritora, assassinada pelos hutus durante a guerra civil de Ruanda. Às lembranças de uma senhora alegre se mesclam o medo constante e busca de esconderijos seguros.
Sjón
Título
: “Pela boca da baleia”.
Editora
: Tusquets/Planeta.
Gênero
: Ficção.
Sinopse
: O autor islandês, mais conhecido pela colaboração com a cantora Björk, acompanha um poeta que, após a chegada de protestantes à Islândia, no século XVII, é condenado por bruxaria.
Título
: “Dias bárbaros: Uma vida no surfe”.
Editora
: Intrínseca.
Gênero
: Não-ficção.
Sinopse
: Repórter da prestigiosa revista “The New Yorker”, o jornalista vencedor do Pulitzer em 2016, radicado no Havaí desde a infância, narra sua experiência no mar.