A Ilha do Sal recebeu escritores, tradutores, jornalistas e editores em torno da “Literatura-Mundo”, um conceito que abarca, entre outras definições, a produção e circulação da escrita para além das literaturas nacionais, principalmente as de países de fora do cânone ocidental (vale dizer, dos colonizadores). Na discussão cabe falar sobre a “universalidade” dos textos e a dinâmica multicultural.
Se existe um “lugar de fala” para universalidade e multiculturalidade este fica em Cabo Verde: uma fusão de diferentes povos arrancados da África (mandingas, wolofs, mandjacos, bantos) com portugueses desgarrados e outros europeus que deram às ilhas vulcânicas. A mistura é refletida no crioulo, língua do dia-a-dia (ao lado do português, idioma da lei e da escola), aglutinando a base lusitana a falas africanas e europeias. Há talvez mais cabo-verdianos no mundo do que no arquipélago e mesmo entre os que residem no país há constante diálogos com nações africanas, europeias e americanas. Não há portanto cultura menos “isolada” do que a dessas ilhas.
O primeiro Festival de Literatura-Mundo do Sal surgiu do esforço e vontade de seus organizadores Filinto Elísio (cabo-verdiano) e Márcia Souto (brasileira) e de Patrícia Santos Pinto (portuguesa); bem como do curador, José Luís Peixoto, vencedor do Prêmio Oceanos em 2016. O autor de Galveias (Companhia das Letras) foi, quando jovem, professor em Cabo Verde e criou uma relação de afeto com o arquipélago (o que costuma acontecer com outros escritores, como testemunhou Socorro Acioli).
Uma apresentação ao que seja a “Literatura Mundo”, proferida pela professora Inocência Mata, inspirou e disparou os debates. Inocência é um exemplo da circulação no território lusófono por via da cultura: natural de São Tomé e Príncipe, é professora na Universidade de Macau. As mesas trataram da “polifonia” de literaturas, da disseminação da prosa e da poesia e o papel dos festivais literários, pontuadas, aqui e ali, por discussões sobre identidade e etno-euro-centrismo. Havia autores de Cuba, Sérvia, Colômbia, Alemanha, EUA e Espanha, todos conversando em português. Entre os autores “da casa” estavam Germano Almeida, Arménio Vieira (laureado com o Prêmio Camões), José Luís Tavares e Jorge Carlos da Fonseca, presidente de Cabo Verde. (São também escritores o atual e o anterior ministros da Cultura, respectivamente Abraão Vicente e Mario Lucio Souza). A homenagem foi para Corsino Fortes e para José Saramago, representado por Pilar del Río.
No time (ou “equipa”) brasileiro estavam a autora e curadora Guiomar de Grammont e o jornalista e romancista Sérgio Rodrigues, que aconselhou que o escritor que se pretenda “universal” precisa driblar dois riscos: o de emular a literatura de fora em uma escrita apátrida ou, no extremo oposto, o de carregar no exotismo e fazer “macumba para turista”.
Voltar ao Brasil, depois de quatro dias em Santa Maria (uma espécie de Búzios ou Praia do Forte, só que organizado) e conversar sobre tantas culturas diferentes me deixou com dois sentimentos. O primeiro é que somos nós, um país continental, que nos comportamos como ilhas, voltados para nós mesmos. O segundo sentimento é aquele que dá em todos que visitam Cabo Verde: a sôdade.
PS. Se quiserem saber mais sobre Cabo Verde e a língua portuguesa, com depoimentos de José Luis Peixoto, Sérgio Rodrigues e outros, assistam ao primeiro episódio de “NossaLíngua.Doc”.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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