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Mudança de sentidos na leitura
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 14/07/2017
Snel assina termo de ajuste de conduta com Ministério Público Federal através do qual as editoras do país vão se adequar paulatinamente a tecnologia de conversão de textos de livros em voz

Em termos de questões jurídicas o mercado editorial andou sem novidades durante uns tempos, mas agora parece vir um tsunami. Na escola, sempre aprendemos a respeito da configuração de “pré-condições” para surgimento de novo fenômeno, como, por exemplo, a Revolução Industrial e a 1ª Grande Guerra. Hoje, com o notório fenômeno da aceleração do tempo histórico, os ciclos sociais são mais curtos, os modismos se sucedem com maior frequência e menor duração, e hábitos profundos da sociedade caem em desuso em curtíssimo espaço de tempo, logo entrando para a história.

O novo ciclo, que penso estar se configurando nesse ano de 2017, resulta da recente conjugação de alguns aspectos da tecnologia com os sentidos da fala e da audição, como instrumentos transmissores de conhecimento.

Antes da difusão da escrita, o conhecimento se transmitia basicamente pela oralidade, pelas histórias contadas, pelos sermões, pelas lições dos filósofos, pelos registros de memória nas discussões da Ágora. Gutenberg inventa os tipos moveis no século XV e durante 500 anos o livro, o suporte físico, se torna o maior instrumento de armazenamento e transmissão de informações.

A introdução do computador no cotidiano social potencializa essa capacidade de guarda e troca de informações, numa crescente conjugação de fatores: redução do tamanho dos aparelhos, aumento da capacidade de obtenção e armazenamento de dados - já que hoje, um aparelho de telefonia concentra gravador, câmera de filmar, arquivo de textos e imagens, radio e livro, dentre outros - e hábito de transposição dos suportes físicos para os digitais.

Surge agora novo componente que introduz na sociedade, de forma que se supõe estável por algum tempo, em determinadas camadas da população; os aparelhos denominados pela Amazon “assistentes”, só que comandados pela voz!

Echo, o assistente pessoal da Amazon | © Divulgação
Echo, o assistente pessoal da Amazon | © Divulgação

A gigante Amazon criou os aparelhos Alexa e Echo consistentes num cilindro metálico, de cerca de até um palmo de altura (mas que vem encolhendo), para uso em residências ou escritórios. O que eles fazem? Mediante solicitações de voz do usuário, podem fazer quase tudo o que um computador faz! Por exemplo, responder “falando” sobre o horário de meios de transporte aéreo, as condições de tráfego no local, despertar uma pessoa em horário determinado, informar a agenda do usuário, ativar aparelhos domésticos, como tranca de imóveis, sistemas de iluminação, enfim, quase tudo o que fazemos via computador (já está sendo acoplado um monitor ao aparelho), porém comandados pela voz do usuário; literalmente uma conversa.

Desnecessário dizer que todas as demandas feitas vão sendo registradas e armazenadas pela Amazon, que em alguma nuvem vai acumulando dados sobre os pedidos do usuário, traçando seu perfil comportamental e de consumo, de modo a enviar propaganda e lembretes feitos sob medida para os seus desejos ostensivos e para aqueles resultantes da combinação algorítmica de suas solicitações, que podem resultar em ofertas inusitadas de programas, lembretes, atividades esportivas ou, até mesmo, sugestões, como diz o nome da sociedade “robô intuitivo”, cujo site vale uma visita, pela inovação lançada!. O fato é que o comando de voz vai se tornando mais popular nos aparelhos, o que permite maior rapidez de acesso e elimina teclados, já que os aparelhos identificam as combinações de palavras em infinitas possibilidades. Até mesmo palavras de Harry Potter vem sendo incorporadas aos aparelhos.

Snel assina termo de ajuste de conduta com Ministério Público Federal | © Antonio Augusto / PGR / MPF
Snel assina termo de ajuste de conduta com Ministério Público Federal | © Antonio Augusto / PGR / MPF

No mesmo patamar do surgimento de aparelhos suscetíveis a comando de voz, destaco a recente assinatura de termo de ajustamento de conduta entre o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e o Ministério Público Federal (MPF) através do qual as editoras do país vão se adequar paulatinamente a tecnologia de conversão de textos de livros em voz, principalmente para facilitar o acesso de deficientes visuais a obras literárias. O braile é uma linguagem de pouco uso entre os jovens deficientes visuais de hoje, sendo o texto falado o meio mais fácil de acessibilidade ao conteúdo literário.

Assim, o simples ato de leitura, ato eminentemente visual e de contato direto com o suporte físico, pelo manuseio do livro e acompanhamento dos caracteres impressos nas folhas de papel, pode variar para o processo de escuta do texto, conforme matéria da Folha de S.Paulo deo último dia 09, intitulada Mercado de audiolivros explode nos EUA e ganha impulso no Brasil. É o pêndulo da história, que parece reintroduzir na sociedade a transmissão de conhecimento por meio da oralidade, da escuta. As ordens do computador também dependem de expressão vocal, reconhecimento de voz, distanciando o contato físico - a biometria seria substituída pela audiometria?

E onde entra o direito nesse tema, já que a coluna tem enfoque preponderantemente jurídico? Certamente algumas novas relações jurídicas surgirão por força dessas inovações, como a decorrente da privacidade das informações faladas em casa e o armazenamento de dados extraídos de conversas, o chamado data mining. No âmbito do livro falado, tanto o texto pode ser convertido para expressão através de voz sintetizada, metálica, muito comum em comunicação por aparelhos, como também poderá ser expresso por meio da voz de pessoas famosas, ou ainda, eventualmente, ocorrer a conversão da voz para um tom semelhante ao do dono do aparelho. Assim, cada hipótese requererá um contrato específico para que os termos de uso do aparelho correspondam ao que foi vendido pelo fabricante. Em vez do contrato por um “clique” na tela, teremos o contrato “formalizado” por manifestação de vontade oral; um “sim” ou um “aceito”.

O fato é que o comando de voz vai se alastrando, como no carro Tesla, criação de Elon Musk, revolucionário da tecnologia, que admite a direção também por comando de voz. Por trás de todas essas mudanças um batalhão de advogados examina as hipóteses decorrentes da nova tendência, de modo a preservar fabricantes e consumidores nos novos contratos que regulamentarão o uso das novas ferramentas. Está ocorrendo uma mudança de uso dos sentidos pelo ser humano na sociedade; a audição e fala entram forte no palco em que o tato e a visão eram os protagonistas; tela e teclado migram para microfones e alto falantes; máquinas cada vez mais fazem parte do cotidiano, interagindo com as pessoas. Mais recursos, mais problemas, mais soluções, mais questões jurídicas.

Por hoje é só! Na próxima semana a sigla será KDD!

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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