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Amazon Charts: uma lista com novo formato
PublishNews, Felipe Lindoso, 22/05/2017
Nos EUA, Amazon lança listas de mais vendidos e de mais lidos. Felipe Lindoso analisa


A loja dos EUA da Amazon lançou, nesta semana, uma lista dos “mais vendidos e mais lidos”, que será renovada semanalmente.

O lançamento foi geralmente bem recebido pelos editores (os livreiros, ao que eu saiba, não se manifestaram até o momento em que escrevia este post).

No dia em que a notícia foi divulgada (18 de maio), perguntei à Amazon.br se a iniciativa também seria adotada pela loja brasileira. A resposta foi não, como também não havia previsão disso acontecer aqui.

Listas de “mais vendidos” (nunca vi uma lista de “mais lidos”) são uma presença constante nos jornais, e uma disputa permanente nas editoras para aparecer nelas. Não é à toa. Aparecer em uma das listas aumenta imediatamente a procura dos livros nos pontos de venda. Os leitores de cada meio (como detesto vários desses meios, não dou o nome de nenhum) se guiam pelo que essas listas revelam. E, como qualquer um pode verificar, as listas nem sempre são coincidentes entre si, em todos os títulos.

A resposta para essa questão é decorrente do método como é elaborada cada lista.

Lá pelos anos 78, quando essa onda se espalhou por aqui, a mídia perguntava quais eram os mais vendidos a um número de livrarias selecionadas por ela mesma, geralmente concentradas no eixo Rio-São Paulo (com ênfase maior na cidade onde se situava o jornal ou revista), e as livrarias mandavam suas respostas.

A janela de manipulação era óbvia, não tardou muito a ser descoberta, e a mídia procurou meios de verificar isso com métodos de pesquisa na porta das lojas. Não havia nenhuma estatística metódica nisso tudo, e assim foram aparecendo listas para todos os gostos. O grande questionamento vinha exatamente da opacidade da formação dessas listas, sem critérios específicos para determinar quais lojas forneceriam a informação. Hoje, vários jornais e revistas deixaram de publicar qualquer lista.

Em alguns países, a informação é dada pelas editoras, diretamente. Aí a questão é de outra ordem. “Vendas” de editoras às livrarias e distribuidoras não significa que os livros terminem vendidos ao público. Em alguns casos (como o brasileiro), muitas saídas das editoras são em consignação. Em outros, como os EUA, praticamente todas as vendas são com direito a devolução, e há muito essa é uma preocupação do mercado editorial, pois há casos que os retornos são altos demais. A tentativa de remediar isso, às vezes, é fazer uma checagem com outras fontes, como as próprias livrarias e o BookScan ou o sistema similar que a GfK tem em outros países.

Quando o PublishNews começou a elaborar sua lista, aperfeiçoou o mecanismo de pesquisa, ainda com consulta às livrarias, embora ampliando. A metodologia explicitada está aqui. Mais tarde, passaram a elaborar, desta vez junto com a Nielsen, Lista Nielsen PublishNews que apura só os autores nacionais.

Existe também listas e informações compiladas através da Nielsen BookScan, um mecanismo que registra a venda de cada exemplar na caixa do varejista. Isso foi explicitado desde o começo. O problema central dessa lista é o fato do BookScan não cobrir as livrarias independentes, o que vale também para as análises de exemplares vendidos e faturamento que são mensalmente divulgados no Painel das Vendas de Livros no Brasil, realizado em parceria com o SNEL. O descritivo da metodologia do Painel, entretanto, não informa que livrarias ou redes estão fornecendo os dados. [Nota do Editor - depois de solicitação à Nielsen, a empresa informou que colhe seus dados nos seguintes varejistas: Livraria Cultura, Livrarias Curitiba, Livraria Leitura, Saraiva, FNAC, Shoptime, Americanas, Cia dos Livros, Amazon, Submarino, Livraria da Vila, Nobel, Disal, CNova, Escariz, Grupo Pão de Açúcar, Walmart, Coop, Big, Supermercados Imperatriz, Nacional, Carrefour, Extrabom, Mercadorama, Angeloni e Bom Preço].

O que deixa de fora é o registro da bibliodiversidade da produção editorial, que se concentra principalmente nas pequenas e médias editoras. Isso pode não prejudicar uma apreciação dos “mais vendidos”, mas não deixa de ser um buraco negro de interrogações.

O importante, sempre, é saber qual o escopo abrangido por listas, pesquisas, etc.

Dito isso, voltemos à Amazon Chart.

Uma característica que foi muito elogiada por autores e pelos próprios beneficiados, é que aparece o nome do agente logo abaixo do título.

É óbvio que a varejista compila apenas os dados de seus clientes. Lembremos que a Amazon é a maior vendedora de e-books e de livros físicos nos EUA, assim como o Audible, sua loja de audiolivros, é a mais importante do mercado. Por isso mesmo, a lista Amazon Charts deixa claro que a lista trata apenas dos livros vendidos pela varejista que, aliás, também é editora, com selos próprios e de auto publicações com o sistema KDP.

A advertência colocada quando se clica um ponto de interrogação no cabeçalho da Amazon Charts especifica os critérios. São estes:

A lista dos mais vendidos tem três componentes: a) a lista dos livros vendidos pela empresa; b) a lista dos livros encomendados pelos clientes; e c) a lista dos livros lidos através dos programas de assinatura (uma vez que o cliente haja lido uma certa porcentagem – aproximadamente do tamanho de uma amostra grátis).

A lista dos mais lidos compila os livros pelo número médio de leituras diárias no Kindle ou ouvidos pelo Audible (o que seria isso exatamente não está explicado).

Dicionários, enciclopédias, textos religiosos, livros de devoção diária e calendários não são computados na lista dos mais lidos.

Ou seja, as vendas incluem livros vendidos através de todas as plataformas usadas pela varejista: livros físicos, e-books e audiolivros (inclusive os lidos por assinatura, com a tal porcentagem). A lista dos mais lidos, entretanto, só compila os livros lidos por meios eletrônicos (Kindle ou Audible). Interessante notar que os livros emprestados pelas diferentes plataformas eletrônicas da empresa (Amazon Premium, Kindle Unlimited) são compilados nas duas listas: como vendidos depois que se lê uma determinada porcentagem, e como mais lidos, pelos critérios já mencionados.

Uma das fontes de metadados mais importantes da Amazon é, efetivamente, o quanto, a que horas, em qual velocidade, e se os livros são lidos (ou ouvidos) até o final. É uma quantidade de dados de enorme riqueza para as análises da empresa. A própria elaboração das duas listas (que é resultado disso) mostra o potencial analítico dos metadados recolhidos pela varejista.

Algumas características adicionais das listas, não presentes em todos os livros apresentados, são também interessantes.

O está presente em todos os livros apresentados é o botão de “Customers Reviews”. Ao clicar nesse botão, o cliente (chamemos assim todos os que entram na loja) são enviados diretamente para a página do livro na loja, onde não apenas leem as resenhas como estão diante do onipresente botão de compra.

Outros botões aparecem diante de alguns livros. The Handmaid’s Tale (A História da Aia), está em primeiro lugar nas duas listas. Na de mais vendidos o botão adicional é ‘Chartography’. Nele podemos ver que é o livro mais popular na lista dos Mais Lidos no Maine. Traz também a notícia de que o livro é a base da série de televisão da Hulu. O “Leia Mais” manda direto para a página do livro. Já na lista dos Mais Lidos, essa cartografia desaparece nesse título, e o botão é o comum a todos, de avaliações dos leitores/compradores.

Outro botão que aparece ocasionalmente é o “All Ears”, como está ao lado do livro Into the Water, da Paula Hawkins. Lá se informa que “mais leitores escutaram Into the Water no Audible que os que leram no Kindle”.

Nem todos os livros aparecem nas duas listas, e muito menos na mesma ordem.

Porter Anderson, editor da Publishing Perspectives assinala em sua análise, que Thirteen reasons why (que baseou a série na Netflix), aparece na lista dos mais vendidos, mas não na dos mais lidos. Talvez, especulo eu, ver a série esteja substituindo parcialmente a leitura imediata.

Outro botão interessante é o de “By the numbers”. No caso da lista de Mais Lidos, o Harry Porter and the sorcerer’s stone, o botão informa que este é “o livro de ficção mais curto que apareceu na lista esta semana; o do Stephen King é o mais longo”. Este botão aparece também na lista dos Mais Vendidos, com o mesmo tipo de informação.

Os livros que tiveram mais pré-vendas aparecem com o botão “Most Antecipated”. No caso, é o livro que está em 20º. lugar em vendas, Making It right, de Catherine Bybee, uma espécie de neo-caubói. Vai entender...

O último botão é “Unputdownable” (outro neologismo, significando aproximadamente “Que não se consegue parar de ler”). The perfect illusion, de Winter Renchaw, publicado pela própria Amazon, que está no 19º. lugar entre os Mais Vendidos informa que “leitores do Kindle e do Audible terminam o livro mais rapidamente que livros similares”. O que provoca duas questões. A primeira é que, mesmo na lista dos Mais Vendidos (que abrange todos os canais de venda), a velocidade de leitura é medida no Kindle e no Audible. A segunda é a classificação que coloca esse título como o mais rapidamente lido que os similares. Só para ilustração, o livro parece estar na categoria de pornografia para senhoras inaugurada pelos 50 tons de cinza. A “biografia da autora” na página informa que “ela é uma autêntica sonhadora. Vive em algum lugar no meio dos EUA e raramente é vista sem seu caderno de notas Mead e um laptop ultra portátil. Quando não está escrevendo, vive o sonho americano com marido, três filhos e o puggle mais preguiçoso deste lado do Mississipi”. Divirtam-se com o livro e com a informação, se quiserem.

Como a Amazon declara explicitamente que não leva em consideração as “opiniões”, a definição de “livros similares” só pode ter uma fonte: metadados.

É um tapa na cara de listas baseadas nas opiniões, seja de leitores ou de especialistas. David Naggar, o vice-presidente da Amazon, divulgou uma declaração escrita, onde se lê: “muitas listas de best-sellers que existem acrescentam, removem, ou reordenam, baseados em considerações editoriais, e nossos clientes pediram uma lista baseada no engajamento com a leitura e dados de venda, em vez de listas baseadas em opiniões que lhes dizem sobre que livros deveriam prestar atenção”.

O fato é que a Amazon não se importa um pepino com opiniões, nem de críticos, nem de leitores. Ali o que importa são os dados duros: quem compra, quem lê e em que velocidade; quem comprou, consultou ou leu algum livro “similar” (mais metadados) àqueles que você comprou ou consultou na loja, onde o cliente mora, que cartão de crédito usa, etc.

É a tal “centralidade do cliente” tão gabada pela Amazon, que conduz à fidelização e ao ódio dos que defendem que leitura só é tal se for de “bons livros”. É o risco e a qualidade da Amazon Charts. As listas nos levam diretamente ao comportamento dos clientes. No caso, separados entre os que simplesmente compram e os que compram e leem (nesse último caso, apenas no Kindle e no Audible).

Uma observação final do Porter Anderson, citando Michael Calder, do Publisher’s Lunch (só acessível para assinantes): “A lista inaugural da lista de Mais Lidos de ficção do Kindle não apresenta nenhum título autopublicado – 17 livros são publicados tradicionalmente e três são da Amazon Publishing. Na lista dos Mais Vendidos, entretanto, estão dois títulos auto publicados, com preço respectivamente a US 1,99 e US$ 0,99”.

Mais que a simples existência das duas listas, uma das quais completamente inédita, a inovação da Amazon mostra como a empresa usa metadados de modo intensivo e criativo.

O estabelecimento de lista similar ainda vai demorar por aqui. A Amazon geralmente prefere expandir suas experiências primeiro para mercados mais sólidos, como os do Reino Unido e da Europa (apesar dos trancos que leva por lá). Acredito que vai demorar mais aqui também pela reconhecidamente péssima qualidade dos metadados fornecidos pelas editoras brasileiras, de todos os portes.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Tags: Amazon
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