A cabeça do editor do século 21: Até quando, universitários?
PublishNews, Rogério Alves*, 06/04/2017
Em artigo, Rogério Alves fala sobre a dura tarefa de estabelecer quem é o público-alvo de um livro universitário

Depois de dois textos tratando principalmente do livro trade (leia ou releia A cabeça do editor do século 21: cadê o glamour? e A cabeça do editor do século 21: a angústia do jogador), chegou a hora de jogar um pouco de luz sobre o mundo das obras universitárias. Dediquei-me cinco anos a tentar entender os meandros desse mercado intrincado. E eis que há duas semanas, uma editora da equipe universitária me perguntou, com ar preocupado: você tem clareza de qual é o nosso público-alvo?

E não é que ela acertou na mosca? A maior dificuldade na edição, na promoção e na venda dos livros universitários é identificar para quem os estamos fazendo. No caso da obra que visa diretamente o consumidor de livraria (trade), o livro tem uma comunicação precisa, objetiva, relacionada diretamente com seu conteúdo e, muitas vezes, gênero. Se é um livro para os jovens, logo percebemos pela capa; se é um romance feminino, só de bater os olhos na estante já sabemos. A comunicação é (quase sempre) preto no branco. E, se não é assim, o objetivo certamente foi deixar a dúvida. É como um produto no supermercado. Iogurtes desnatados, com pedaços de fruta, sem sabor, cremosos... Estão todos disponíveis ali, para os gostos variados dos consumidores finais.

No caso dos livros-textos, que é como se chamam as obras teóricas utilizadas nas universidades / faculdades, o jogo é outro. A complexidade começa no momento em que o sucesso do livro universitário está relacionado a sua adoção por uma Instituição de Ensino Superior (IES). Isso significa que a obra, para ter a chance de vender bem, precisa estar no programa oficial de um curso oferecido por uma determinada IES. Por outro lado, não basta a obra constar do programa da disciplina. O professor que dará a aula precisa efetivamente utilizar o livro indicado. E, por último, os alunos precisam se convencer de que devem adquirir o tal livro que o professor vai usar.

É uma corrida de obstáculos de intermediários. De trás para a frente: o consumidor final do livro, o aluno, só comprará o calhamaço (normalmente são longos e caros) se estiver convencido de que a obra é útil para a aula de um determinado professor.

Para facilitar, pense numa única disciplina, por exemplo, Teoria Geral da Administração (TGA). O trabalho de edição começa por elaborar um conteúdo que atenda o programa daquela disciplina da maneira como é ministrada na maioria das IES. Contendo boa parte dos tópicos das ementas, o livro então precisa agradar os professores / reitores que, por sua vez, vão colocar a obra no programa oficial da disciplina TGA, seja como leitura obrigatória ou complementar.

Com isso em mente, responda: qual o público-alvo: professor ou IES? Nada é tão racional no mundo editorial. Há uma diferença enorme de perfis entre as instituições de ensino espalhadas pelo país. Existem aquelas que preferem textos mais simples, outras que os querem mais densos, outras que preferem fazer seus próprios livros e há aquelas que não aceitam traduções e só usam livros importados na língua original.

Da mesma forma, há disciplinas que estão totalmente loteadas por autores clássicos, como é o caso do Marketing, cujo programa de 80% das IES utiliza os livros do Philip Kotler. Por convicção ou comodidade, poucos professores trocam os clássicos. E será que deveriam?

No meio dessa teia de aranha, está o aluno, aquele que vai comprar efetivamente o livro. Mesmo que o professor indique determinada obra (e não deixe capítulos no xerox), se a edição não utilizar elementos que chamem a atenção ou facilitem o conteúdo para o estudante, como diagramas, imagens, cores etc., dificilmente o leitor final comprará o produto. E quem frequenta as salas universitárias hoje sabe que a foto da lousa ou do slide projetado pelo docente satisfaz a maioria dos estudantes.

Com tudo isso, volto à pergunta: qual o público-alvo: o professor, a IES ou o aluno? Na verdade, o editor de livros universitários precisa conseguir equilibrar todos os fatores. Só assim conseguirá atender à variedade de intermediários que decidem a escolha de um livro. Mas, é claro, existem pesos diferentes: em primeiro lugar, o professor, depois, a IES e, por último, o aluno. Deveria ser diferente? Muito provavelmente.

Olhando dessa perspectiva, o quadro é desanimador mesmo. O esforço, o tempo e os recursos gastos para fazer um sucesso universitário são tão gigantescos que o torna quase inviável. Mas o mercado segue firme. Graças a nichos como o Direito e, até bem pouco tempo, a Medicina, é um segmento robusto. Mas, até quando, universitários?


* Rogério Alves
é editor. Doutor em Teoria Literária e administrador de empresas, trabalhou nos grupos Somos Educação, Saraiva e Planeta, e também na Fundação Padre Anchieta e na Folha de S.Paulo.
[06/04/2017 07:57:00]