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Booktuber lança livro sobre paixão por cultura pop – e por famosos

Raffa Fustagno, do blog 'A menina que comprava livros', é stalker de celebridades assumida

Era só uma menina... Raffa Fustagno com “O livro da menina” na Livraria da Travessa do Leblon, onde realiza o Evento da Menina
Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
Era só uma menina... Raffa Fustagno com “O livro da menina” na Livraria da Travessa do Leblon, onde realiza o Evento da Menina Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

RIO – Aos 11 anos de idade, Raffaela Fustagno não era a única aluna do colégio Santo Inácio, em Botafogo, que fugia da Educação Física. Mas era a única a correr para a biblioteca. O vício teve início com a leitura de “Olhai os lírios do campo”, de Erico Verissimo — que a professora apostou que ela não leria — e seguiu por contos e romances para jovens, que ela amava em silêncio.

— Na escola, eu sentia muita falta de ter com quem conversar sobre livro — diz Raffa, hoje com 37 anos. — Isso mudou completamente.

Se nos anos 1990 ler podia ser um prazer solitário da adolescência, hoje é uma catarse coletiva. Na era pós- Harry Potter e Crepúsculo, o que sustenta o mercado editorial é a literatura para jovens (de todas as idades). O gênero young adult domina as listas de mais vendidos, seus autores são celebridades e não falta gente para falar do assunto. Até quem comenta obras de nomes como John Green ou Talitha Rebouças se destaca: são os booktubers , que falam de livros no YouTube, mas também por escrito em seus sites.

Neste novo continente, Raffa cavou seu espaço. Fã do filão young adult e rata das bienais do livro de Rio e São Paulo (ela tira férias para ir aos eventos), começou com um blog de resenhas e vídeos, “A menina que comprava livros” (trocadilho com o best-seller “A menina que roubava livros”). Desde 2014, virou uma verdadeira lit-girl , promovendo o concorrido Evento da Menina, que reúne autores com seus público —o próximo será no dia 4 de fevereiro, na Fnac, no BarraShopping.

Agora, ela lança “O livro da menina” (Babilônia), onde costura casos, listas, serviço e páginas interativas em torno de sua paixão por livros. O amor inclui cinema, TV e suas estrelas: stalker assumida, de esperar horas por um autógrafo, Raffa narra em trechos divertidos seus encontros e desencontros com autores e atores como Johnny Depp e Ricardo Darín.

A seguir, Raffa fala sobre sua trajetória, a diferença entre youtubers e booktubers e sobre o mito de que jovens não leem. A conversa, como não podia deixar de ser, foi numa livraria.

Seu livro é cheio de espaços para preencher, jogos que você propõe ao leitor. Qual a ideia da interação?

É para ser um livro meu e de quem está lendo. Fazer um livro que fosse só meu não ia ter muito a minha cara. Sempre pedi opiniões sobre posts e vídeos, sempre ouvi esses comentários. Essa participação também é fundamental nos meus eventos.

Como começou o Evento da Menina?

Em maio de 2014, recebi um convite para apresentar um evento dentro de uma feira. Tinha dois dias para organizar, corri, me preparei, divulguei. E só apareceu uma pessoa. Mas não desisti. Comecei a chamar autores, fomos para 50, 100, até 150 pessoas. Ou seja, fora a primeira fez, sempre foi um sucesso.

No livro você conta que não ganha nada com os eventos. Nada mesmo?

As pessoas não acreditam! Não ganho. Trabalho com RH, minha renda vem daí. Os livros eu compro ou recebo, só chamo autores cariocas ou que estão no Rio. É intenso, mas por amor.

De onde vem esse amor?

Com 11 anos, uma professora mandou ler “Olhai os lírios do campo”, do Erico Verissimo, em três dias. Achei que não ia conseguir e me apaixonei, li três vezes em três dias. Pensei: nossa, nasci para ler! Descobri isso. E me sentia diferente das outras crianças.

E quando descobriu que existia gente igual a você?

Bem mais tarde. Continuei fã do que hoje se conhece como young adult, ia às bienais sozinha para conhecer autores. Na Bienal do Rio de 2007, uma editora criou um grupo de leitores e ali conheci gente que nem eu, que amava ler. Achei minha turma. Nesse grupo tinha gente que hoje já lançou livro, tem milhares de seguidores, se destacou como youtuber ou booktuber.

Qual a diferença entre o youtuber e o booktuber?

O booktuber fala só de livro, ele tem aquela paixão. Por mais que ele até ganhe um dinheirinho, nunca vai ganhar como um youtuber famoso, uma Kéfera, um Cellbit, que fazem humor, falam de moda, são quase atores. Basta dizer que quando sai um livro de um youtuber, as pessoas dizem “que absurdo”. Quando o livro é de booktuber, elas acham natural. E sabem que foi a gente mesmo que escreveu.

E que diferença você vê entre um booktuber e quem escreve sobre livros num jornal, por exemplo?

Booktuber tem que gostar de aparecer, né? O cara do jornal pode ficar escondido, só postar uma foto em que ele estiver melhor e falar o que quiser.

Raffa Fustagno e Bradley Cooper Foto: Arquivo pessoal
Raffa Fustagno e Bradley Cooper Foto: Arquivo pessoal

Não é uma abordagem diferente, um repertório diferente?

Talvez o crítico tradicional seja mais distanciado, mais Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). A gente (os booktubers) é mais fã, mais Bienal, essa coisa de ficar horas em uma fila para pegar autógrafo, conhecer, lembrar daquele dia para sempre. Como booktuber, levo em conta as reações e as opiniões de todos, me sinto muito próxima dos leitores e dos autores.

Por falar em proximidade com os autores, você conta no livro que anda atrás de famosos desde cedo. Como foi a história com a Aerosmith?

Foi a primeira vez. Minha mãe tem raiva de mim até hoje, mas aos 13 anos eu matei aula para ver o Steven Tyler (vocalista da banda). Fiquei um dia inteiro esperando perto da saída de serviço do Copacabana Palace, cercada de lixo, para vê-lo passar. Na hora, nem consegui falar nada. Eu cheirava tão mal que acho que ele nem quis chegar perto de mim. Eu ainda não era profissional.

O que seria profissional?

Hoje tenho um grupo, a gente se divide, faz um esquema organizado, conhece o pessoal dos hotéis, descobre onde eles estão, onde são as saídas... (Risos.) Uma regra: nunca abordar durante refeição, um momento da pessoa. O Bradley Cooper eu persegui até um restaurante chique e fiquei esperando fora. Fui convidada para jantar com ele e outros atores. Mas não topei por medo da conta.

Sendo apaixonada por histórias, convivendo com autores, você nunca teve vontade de escrever ficção?

Talvez um dia, talvez uma parceria. Um sonho seria escrever com o meu autor favorito, o Stephen King. Seria uma continuação do “It" (“A coisa”). Até hoje tenho medo de palhaço por causa daquele livro. Recomendo!

NAS CALÇADAS DA FAMA

Raffa parte atrás dos famosos sem medo de ser feliz. Em seu livro, recorda algumas dessas buscas por autógrafos e selfies.

Meg Cabot, autora da série “O diário da princesa”. Raffa passou mal na fila de autógrafos e foi para a enfermaria da bienal — que recebia a equipe de um telejornal. Saiu na TV e, recuperada, voltou à fila e conheceu a escritora.

Nicholas Sparks, autor de vários best- sellers românticos. Desfazendo-se em choro na porta do hotel, ela comoveu Nicholas. Ganhou autógrafo e foto.

Bradley Cooper. Em 2013, o ator veio ao Brasil lançar “Se beber, não case 3”. Após a première no Rio, Raffa e amigas pegaram um táxi que seguiu o carro do ator até um restaurante. Elas ficaram esperando na porta. Quando o diretor Todd Phillips saiu para fumar, convidou as fãs para se juntarem ao jantar — cientes do preço da casa, elas recusaram. Mas a tocaia rendeu: na saída, houve autógrafos e selfies com todo o elenco do filme, inclusive o cobiçado ator.

Ricardo Darín, Penélope Cruz e Javier Bardem. Isso, os três. Na lua de mel, Raffa foi ver uma peça com Darín em Madrid. Na saída, o casal estava lá. Bardem fugiu; Penélope ficou contrariada; Darín “foi encantador”.

Johnny Depp. O ator veio com a banda Hollywood Vampires. Entre o ônibus e o hotel, fez um vídeo de humor involuntário que viralizou.

Reese Witherspoon. Sorriu para fotógrafos e disse: “Tire os fãs daqui!”

Vin Diesel. O astro dos filmes “Velozes e furiosos” ouviu atento os pedidos dos fãs. Aí apontou para as partes baixas, mostrou a língua e entrou no hotel. “Estava bêbado”, conta Raffa.