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O demônio assombra Bernardo Carvalho em seu novo romance

Escrito durante crise de meia-idade, livro aborda cruzamentos entre amor, sexo e violência

O escritor Bernardo Carvalho está lançando o romance “Simpatia pelo demônio”
Foto: Edilson Dantas
O escritor Bernardo Carvalho está lançando o romance “Simpatia pelo demônio” Foto: Edilson Dantas

RIO - Amor, sexo e violência formam um triângulo de forças que move “Simpatia pelo demônio” (Companhia das Letras), novo romance de Bernardo Carvalho. Rato é um brasileiro de meia-idade, casado, autor de uma aclamada tese sobre violência e funcionário de uma agência humanitária em Nova York. A paixão avassaladora por um jovem mexicano, que estuda filosofia em Berlim, vira sua vida do avesso. Rato está devastado pelos desdobramentos dessa relação quando recebe o pedido do chefe: viajar a um país conflagrado para pagar o resgate de um prisioneiro que não sabe quem é a um grupo terrorista que desconhece.

O romance alterna os dois momentos da vida de Rato, presente e passado: sua missão quase impossível na guerra e o relacionamento com o mexicano. O amante é identificado apenas por “chihuahua”, em referência à região no norte do México onde nasceu e à sua baixa estatura. As duas tramas nasceram separadamente, em fragmentos, e Carvalho demorou para encontrar o ponto que as unia. Esse foi, inclusive, o seu livro de mais longa gestação, quase cinco anos. O escritor, de 56 anos, conta que viveu uma crise pessoal nesse período e isso marcou a sua escrita:

— Assim como o Rato, eu tive uma crise de meia-idade. Pela primeira vez na minha vida, intimamente, as coisas saíram do lugar. Aí surge uma espécie de desespero em retomar o amor e o sexo numa intensidade adolescente, porque parece que você vai perdê-los. Eu vivi uma reorganização dos meus valores, do meu eixo. E calhou de isso acontecer quando percebi que o mundo também passava por uma mudança de valores.

Para Carvalho, a violência do terror está relacionada ao sexo e ao desejo e se manifesta no ataque a comportamentos considerados permissivos. Ele lembra que, em novembro de 2015, em Paris, o alvo foi um show de rock num sábado à noite. Em junho passado, em Orlando, foi uma boate gay. O nexo entre essa violência contemporânea e a sexualidade foi o que deu sentido aos textos que vinha escrevendo, diz.

— Esses atentados são cometidos com a desculpa da religião, mas são perpetrados por gente que está em um lugar incômodo, num mal-estar em relação à própria sexualidade e à apreensão do prazer do outro. Embora seja realizado em nome de Deus, o ato está ligado ao desejo individual — argumenta o escritor, que vê uma ofensiva legal. — Há uma série de leis que tentam coibir comportamentos sexuais considerados divergentes. No mundo todo há iniciativas contra a liberdade e os direitos das mulheres.

CRÍTICA:  sobre o amor e o mal em ‘Simpatia pelo demônio’

Os personagens de “Simpatia pelo demônio” trazem em comum com os seus livros anteriores o fato de estarem sempre em trânsito. Rato é brasileiro, vive em Nova York e passa boa parte do romance em Berlim, na companhia de chihuahua, quando não está em alguma viagem a trabalho à África ou ao Oriente Médio. Um dos diálogos mais significativos do livro ocorre dentro de um avião. Essa experiência é também de Carvalho. Durante a escrita do romance, ele participou de residências artísticas em Bruxelas, de dois meses, e em Berlim, de um ano e meio.

EM TRÂNSITO CONSTANTE

Contudo, o escritor afirma que não consegue produzir quando está em trânsito. No período que passou na capital alemã, escreveu alguns fragmentos que depois foram incorporados ao romance, mas a princípio eram só exercícios. Na Bélgica, já estava dedicado apenas a “Simpatia pelo demônio”, mas não falava do lugar onde estava. Carvalho acredita que viajar é mais importante para viver do que para fazer literatura:

— O fato de os personagens estarem em trânsito sempre tem a ver com quem eu sou. Preciso estar em deslocamento. Sou brasileiro, é daqui que eu venho, mas preciso da ideia de ser um viajante permanente. A partir do momento em que começo a pertencer a um lugar, isso me deixa louco e preciso sair dali. Nunca consegui ficar muito tempo numa cidade fora do Brasil.

Outro elemento de sua obra que reaparece no novo romance é a problemática da comunicação. Ao viajar para a guerra, Rato sofre com diálogos impossíveis. Ninguém o entende, ou fingem não o entender. Já na sua relação com chihuahua, a dominação e a manipulação são exercidas por meio da linguagem. A dificuldade de se fazer compreender fascina o escritor:

— Os personagens e os narradores dos meus livros, quando saem do Brasil, entendem tudo errado. E esse fato de entender tudo errado é o que permite a eles alargar o entendimento do mundo. Rato representa um pouco esse personagem, que também sou eu, no contato com o outro, ao estabelecer uma relação de projeção, desentendimento, fabulação, paranoia.

Logo no início no livro, para evitar desentendimentos, uma nota informa: apesar da referência explícita no título à música dos Rolling Stones “Sympathy for the devil”, o sentido é diferente. Em inglês, “sympathy” é “consideração”. Já Carvalho ressalta que, no caso do livro, trata-se de simpatia mesmo:

— A simpatia aí é, de fato, amor. O amor do Rato pelo chihuahua, essa ideia louca de encontrar a morte procurando a vida. Abrir os braços e se entregar a uma paixão que obviamente vai te destruir.