Editor de gabinete
PublishNews, Dênis Dubra*, 14/07/2016
Em artigo escrito para o PN, Dênis Rubra se questiona: 'se o escritor de gabinete já não sobrevive a este século, por que o editor sobreviveria?'

O leitor é o cliente. O livro é o produto. Calma, eu não vim para atacar a percepção romântica do livro como bem acima do interesse do capital. Pelo contrário. O que quero dizer, e já digo, é que está destinada ao fracasso a produção editorial cuja execução ignora a necessidade de criar mentalmente uma imagem de seu leitor. Percebê-lo como comprador de um produto também deve ser obrigação do editor enquanto pensa a produção.

Durante minha jovem carreira editorial, vi livros com algum potencial se perderem, comercialmente, devido a visões embaçadas do que seria o público para aquele assunto e autor. Superficialmente, parece que basta a reprodução de certos estereótipos sobre nichos específicos. Leia com voz de quem sabe tudo: “ah, esse autor escreve para academia, então capa e projeto gráfico precisam seguir o padrão X” ou “esse título aqui pede uma apresentação menos conceitual, porque o autor escreve para um público mais amplo”.

Acontece que as aparências enganam. E há mais cousas entre o céu e a terra do que supõe nosso vão palpite. Empregar um esforço contínuo para estudar os hábitos e desejos de possíveis leitores é o que permite ao editor ir além, explorando editorialmente a potência comercial respectiva a cada publicação.

Se a sociedade está mudando o tempo inteiro, se gostos e interesses gerais têm dinâmica e tendências em evolução e involução constantes, cabe também ao editor (por que não?) dar importância à habilidade de apreender o que ocorre no mundo que o cerca e que, veja só!, cerca os leitores também. Se o escritor de gabinete já não sobrevive a este século, por que o editor sobreviveria?

Não importa o gênero editado. Há novas canções, notícias, polêmicas, invenções e descobertas surgindo o tempo inteiro. É necessário ser curioso. E ter interesse genuíno por qualquer coisa que possa estar, hoje, formando e informando o leitor.

Esse interesse genuíno requer mais do que curiosidade, mas desprendimento de gostos e de opiniões pessoais - sem ideologia, sem preconceito (funk é música, ok?), percebendo o que há de socialmente relevante em curso. Dá trabalho. Gasta-se tempo. É um desafio. Mexe com a zona de conforto, às vezes, e pode alfinetar certezas também. Mas é isso ou ficar parado lamentando a crise e a consequente diminuição - ou extinção - de compras governamentais.

Não gosto de conceber a ideia de alguém pegar na estante de uma livraria um produto no qual trabalhei, olhá-lo, folheá-lo e, no entanto, não se interessar o suficiente para levá-lo ao caixa e comprá-lo. Eu quero saber o que meu cliente anda absorvendo no mundo. Quero conhecer o que ele conhece para que eu seja capaz de decidir aspectos editoriais em direção ao que possa atraí-lo e conquistá-lo.

Se ele tomou o livro da estante, marketing, comercial e imprensa já fizeram bem o que lhes cabia. Agora, é o texto de orelha, de quarta capa, a capa, o projeto gráfico e o que há de conteúdo escrito e visual que o farão levar o volume ao caixa.

Descer do pedestal do editor intelectual, esforçando-se para imaginar com criatividade o que pode conquistar o leitor natural de um livro - e conquistar também os leitores que a princípio nem fazem parte daquele público, e as pessoas que a princípio nem têm o hábito de ler -, é fundamental para que se tome decisões corretas no decorrer de uma produção editorial, contribuindo, e por vezes definindo, o sucesso ou não de seu produ...

Ops, livro.


* Dênis Rubra é editor na Edições de Janeiro, foi estagiário de revisão na Fundação Biblioteca Nacional, assistente editorial na Civilização Brasileira e editor na José Olympio. Bacharel em Letras pela UERJ, é poeta e sócio do selo editorial independente Rubra Editora.

[14/07/2016 08:30:00]