Há muito o que temer
PublishNews, Paulo Tedesco, 09/06/2016
Paulo Tedesco, em sua coluna dessa semana, faz um desabafo sobre o governo interino de Michel Temer

Em poucos dias estamos vivendo um pesadelo: as principais instituições federais brasileiras vêm sendo atacadas e as principais conquistas dos últimos 20 anos destrinchadas a canetadas. As políticas econômicas, sempre tidas com muita cautela - em excesso eu diria - de repente perderam sua estrutura de cristal Checo e se transformaram num algo a mais, ao ponto que um funcionário de um grande banco privado é, agora, o diretor do mais importante banco brasileiro, o Banco Central.

O que sobrará para o livro com todo esse poder nas mãos de gente tão ansiosa por acabar ministérios como o da Cultura e engessar o da Ciência e Tecnologia? Além de querer regular com visões deturpadas e doentias o da Educação? Essa mesma gente já se fez avisar, até a próxima eleição, portanto fins de 2018, não mais haverá qualquer concurso público, ou seja, tudo ficará ainda muito pior do que se prometia ainda que na tal austeridade de crise do governo Dilma.

Se, no governo Dilma, havia a esperança de que não passaria de uma conjuntura passageira, espécie de luz ao fim de um longo e torturante túnel, com o golpismo provisório, o que se instala é a certeza do irreversível. E por irreversível se entende, para o livro, possivelmente a suspensão de qualquer compra e pagamento governamental de livros e o bloqueio de qualquer verba, ainda que rubricada, para eventos culturais como as feiras e bienais do livro.

E tudo piora, claro que piora. As denúncias que surgem por meios de gravações realizadas discretamente, nos dizem que os principais líderes desejam não governar - não, isso eles nem pensam - mas sim preparar e arrumar para que seus pescoços sejam salvos da guilhotina investigatória e togada que anda a grassar no país. Suas cabeças, afinal, são objeto de graves e gritantes denúncias de assalto ao erário público e lesão ao bem comum.

Como alguém que lutou por um Brasil melhor, imagino a vergonha que estão sentindo os que carregavam o Brasil com orgulho nesses últimos tempos. De repente, tal como no futebol da seleção brasileira, a vontade é esconder-se ao pensarmos como nos veem em outros países. O Brasil, pois, ao passar de dias, virou aquele lugar cômico e excêntrico de filmes B de Hollywood, onde golpes patrocinados pela CIA punha nações de joelhos ao simples estalar de falsas granadas e metralhadoras de brinquedo, circundadas por efeitos sonoros - em outras palavras, somos, enfim, uma república bananeira.

Parece complicado querer falar de crise nas vendas de livros, de novas oportunidades para o escritor, esse que quase não via muita segurança em seu futuro, face aos plágios e piratarias cada vez mais comuns na internet, desta vez nem ao poder público ou à justiça pode mais ver como recurso, pois nenhum nem outro mostram-se amigos do mais justo e do mais correto para com a cultura nacional autêntica.

Já ao mercado editorial estabelecido, é de se pensar seu temor diante de maior retração em vendas, de maior ausência do consumidor em suas lojas, sejam reais ou virtuais, diante do espectro recessivo profundo que se avizinha, muito maior do que se viveu nos dois recentes anos.

Falando em recessão, se nos tempos de FHC brincava-se que a melhor saída para o Brasil seria o aeroporto mais próximo, hoje, mesmo que tal alternativa não esteja em nada descartada, a melhor saída, ao que parece, é manter a fé e não deixar de sair às ruas, alguém, afinal, haverá de ceder, as coisas precisam recuperar seu lugar nos trilhos do melhor para a nação e para todos os brasileiros.

[09/06/2016 06:00:00]