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Livro relembra o maior roubo de obras de arte da História brasileira

Cristina Tardáguila se debruçou sobre o caso do Museu Chácara do Céu

O Museu Chácara do Céu, de onde foram levadas telas de Picasso, Monet, Matisse e Dalí
Foto: Divulgação / Jaime Acioli
O Museu Chácara do Céu, de onde foram levadas telas de Picasso, Monet, Matisse e Dalí Foto: Divulgação / Jaime Acioli

RIO — Na tarde do dia 24 de fevereiro de 2006, uma sexta-feira, o Bloco das Carmelitas arrastava milhares de foliões pelas ruas de Santa Teresa quando quatro homens realizaram, no mesmo bairro, o maior roubo a museu da história do Brasil. Após render os três seguranças e um funcionário do Museu Chácara do Céu, além de cinco visitantes, o grupo levou quatro quadros de Claude Monet, Henri Matisse, Pablo Picasso e Salvador Dalí, avaliados em mais de US$ 10 de milhões. Um livro de gravuras de Picasso também foi levado.

Nos últimos cinco anos, a jornalista Cristina Tardáguila se debruçou sobre o caso. Revisou todos os passos da investigação, conversou com especialistas estrangeiros em roubo de arte e descobriu que a principal barreira para que o crime fosse solucionado foi a falta de interesse das instituições brasileiras. Em “A arte do descaso” (Intrínseca), Cristina mostra que pistas importantes nunca foram investigadas e procedimentos foram ignorados pela Polícia Federal.

Por exemplo: três dos visitantes mantidos reféns nunca foram interrogados e a análise das digitais colhidas na cena do crime jamais foi incluída no inquérito, que continua em aberto. Um outro roubo à instituição ocorrido em 1989, quando o mesmo Matisse e o mesmo Dalí foram levados e depois recuperados, também foi ignorado.

— Ao ler o inquérito, percebi que a maior dificuldade do caso era institucional. A mesma delegacia que investiga crimes contra o patrimônio cultural também é responsável por crimes ambientais! Em um trecho, o delegado escreveu que ia deixar de lado essa investigação porque iria começar o defeso (período de caça proibida) e haveria muito trabalho. Já o Ministério Público Federal esperava que eu viesse com as respostas — lembra Cristina.


“A arte do descaso”: cinco anos de pesquisas
Foto: Reprodução
“A arte do descaso”: cinco anos de pesquisas Foto: Reprodução

A casa onde funciona a Chácara do Céu pertenceu ao mecenas Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-1968) e foi transformada em museu em 1972. Junto com o Museu do Açude, no Alto da Boa Vista, compõe os Museus Castro Maya, que desde 1983 são administrados pela União. O acervo do museu em Santa Teresa tem 22 mil peças reunidas pelo empresário e seus familiares entre 1880 e 1960. Entre os destaques está a maior a coleção nacional de trabalhos do francês Jean-Baptiste Debret, além de trabalhos de Cândido Portinari, Modigliani e Joan Miró.

Mesmo assim a reação ao roubo foi tímida. O comunicado enviado pela PF aos aeroportos do Rio e de São Paulo listava apenas três obras, e não cinco, não trazia nenhuma descrição nem imagens delas. Ao porto do Rio só foi feita uma comunicação via rádio. A diretora Vera de Alencar, que tinha saído mais cedo por causa dos blocos em Santa Teresa, não voltou à instituição na sexta-feira nem nos dias seguintes. O ministro da Cultura Gilberto Gil estava no carnaval de Salvador quando foi comunicado e se limitou a ligar para o colega Marcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça, para pedir ajuda à PF.

— Ficou um vácuo. Em qualquer lugar do mundo, um caso como esse é tratado como uma emergência — diz a jornalista. — Não há um inventário oficial das obras de arte guardadas nos museus brasileiros, nem um banco de dados de quais delas foram roubadas.

MUSEUS VULNERÁVEIS EM MEGAEVENTOS

A escolha do primeiro dia do carnaval para a realização do assalto não foi uma coincidência. Cristina conta que há um longo histórico de roubos de arte durante grandes eventos. Como parte da sua investigação para o livro, ela viajou em junho de 2013 para a cidade medieval de Amelia, na Itália, onde todos os anos é realizada a conferência da Associação para Pesquisa sobre Crimes contra a Arte (Arca, na sigla em inglês). Lá, Noah Charney, fundador da Arca, apontou a semelhança entre o caso brasileiro e outro ocorrido em Boston, nos EUA, em 1990, na véspera do feriado de Saint Patrick. Já o quadro “O grito”, de Edvard Munch, foi roubado pela primeira vez em fevereiro de 1994, da National Gallery de Oslo, quando eram realizados os Jogos Olímpicos de Inverno na Noruega.

— Durante um grande evento, os esforços estão concentrados em um lugar. O cobertor é curto e os roubos são mais comuns. Vários especialistas com quem conversei me perguntaram qual era o plano de segurança para os museus do Brasil durante as Olimpíadas deste ano.

A jornalista explica que roubos de obras de arte costumam ser vistos como secundários, pois raramente há vítimas e envolvem, em geral, instituições ricas. Só que, segundo o FBI, é o terceiro tipo de crime que mais movimenta dinheiro no mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e de armas. Quadros roubados são utilizados em escambos ou como garantias de empréstimos bancários. Forças policiais já flagraram o uso de obras até na negociação de plutônio, utilizado na construção de bombas atômicas.

— O roubo de arte alimenta uma série de outros crimes, ele não é nada secundário. Em escândalos recentes no Brasil foram apreendidas centenas de obras de arte, mas a arte não é tratada como parte do crime — afirma Cristina, lembrando que só na Lava-Jato 160 obras já foram apreendidas.

“A arte do descaso"

Autor: Cristina Tardáguila

Editora : Intrínseca

Páginas: 192

Preço : R$ 39,90

Lançamento: Dia 16/2, às 19h, na Livraria da Travessa do Leblon — Av. Afrânio de Melo Franco 290, Leblon (3138-9600)