Disputando a primeira partida com o São Paulo em 3 de fevereiro próximo no Estádio Mansiche, em Trujillo, aparece um time do Peru chamado Club Deportivo Universidad Cesar Vallejo, fundado em 1996 e jogando pela segunda vez o principal torneio de clubes sul-americano. Times sul-americanos com nomes curiosos não são novidade, como bem mostra o Club The Strongest da Bolívia.
Mas quem é Cesar Vallejo? Mesmo associado a uma universidade, poderíamos supor que é um herói libertador do colonialismo, um político, o fundador e patrono da universidade e do time. Mas, surpresa no mundo do futebol, Cesar Vallejo (1892-1938) é o mais importante poeta do Peru e considerado pela crítica um dos mais importantes poetas hispano-americanos do século 20, figurando, por exemplo, segundo Mario Benedetti, ao lado de Pablo Neruda.
Meu coração corinthiano, que já não precisaria de qualquer argumento para torcer contra o rival são-paulino, ganhou agora uma razão nobre: um time peruano com o nome do maior poeta nacional! Entre os apelidos da equipe estão Los Poetas e El Chelsea del Norte (pela semelhança de cores do uniforme). O Peru já tinha nos dado o Mário Vargas Llosa de O batismo de fogo, mas Vargas Llosa não se tornou nome de nenhum time. Aliás, a universidade Universidad Cesar Vallejo, de Trujillo tem uma editora com edições bem caprichadas.
E aqui, país do futebol, onde muitos dos maiores poetas e escritores escreveram também sobre futebol, comecei a imaginar um Carlos Drummond Futebol Clube... Ou, lembrando um dos seus poemas futebolísticos, bem podia ser Clube Desportivo “Mistério de bola”.
E, se no meio do caminho tinha uma bola, que tal um Esporte Clube Santa Cruz João Cabral (que jogou bola e escreveu um poema inesquecível em homenagem ao “divino” Ademir da Guia). Para não restringir aos escritores devotos do futebol, poderia ser ainda um Clube de Regatas Murilo Mendes. Para não limitar o gênero, imaginei uma Sociedade Esportiva Cecília Meirelles. Sem preconceito contra os não modernistas, poderia ser também um Olavo Bilac Esporte Club (cujo goleador poderia ser apelidado de Soneto) e que parece ter existido de verdade. E, finalmente, citando um escritor mais recente, Alberto Martins, imaginei um Café-Com-Leite Praiano Esporte Clube, lembrando o título de seu belíssimo livro de crônicas.
Mas o mais evidente, lembrando dos escritores apaixonados pelo futebol, entre muitos, além de Drummond e João Cabra, seria um Futebol Society Chico Buarque, um Nelson Rodrigues Tricolor Futebol Clube ou ainda Alcântara Machado Barra Funda Futebol Clube, lembrando o genial conto em Brás, Bixiga e Barra Funda. A lista poderia prosseguir indefinidamente, incluindo, claro, Graciliano Ramos. Aliás, é de 1990 uma bela coletânea organizada por Ricardo Ramos, A palavra é... futebol.
Voltando a Cesar Vallejo, que estudou Letras na Universidade de Trujillo, baixei um PDF da edição Poesia Completa / Edición Critica, da Barral Editores, de 1978, organizada por Juan Larrea (e assistência de Felipe Daniel Obarrio), que tem uma extensa e informativa biografia do autor e de suas obras, pela qual ficamos conhecendo, inclusive, seu engajamento político e poético na Guerra Civil Espanhola, tendo vivido na Espanha e escrito um livro de poemas e um Hino às Brigadas Internacionais de Voluntários. Aos torcedores-leitores que tiverem curiosidade de conhecer sua vida e obra, recomendo baixar este livro clicando aqui.
No site da Livraria Cultura há muitos títulos em inglês e espanhol, atestando o significativo movimento editorial atual em torno do poeta peruano. Olhando em outros sites, não localizei uma coletânea em português (de fato, só encontrei um título traduzido), mas pode ser que ele integre alguma coletânea de poetas latino-americanos traduzidos.
Bem, quando o São Paulo ingressar no Estádio Mansiche, em Trujillo, estarei na frente da televisão torcendo: Cesar Vallejo! Cesar Vallejo! Espero que os são-paulinos compreendam que é uma torcida iminentemente literária e poética, em torno da qual todos os amantes do futebol e da literatura, e das potentes identidades que os associam, devemos nos unir.
Cesar Vallejo! Cesar Vallejo!
Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.
Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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