ÓBIDOS (Portugal) - Se as mesas de debates sobre sexo, drogas e literatura sobressaíram no início do Folio, o primeiro grande evento literário de Portugal que começou no dia 15 e acabou ontem, na cidadezinha de Óbidos, os temas relacionados à situação política de Angola marcaram os últimos dias do festival, que atraiu cerca de 30 mil pessoas ao pequeno vilarejo medieval.
Há 34 dias em greve de fome para denunciar a falta de liberdade de expressão em Angola, onde foi preso por participar do grupo de leitura do livro “Da democracia à ditadura”, do americano Gene Sharp, o rapper e ativista luso-angolano Luaty Beirão foi citado ou homenageado na maioria das sessões, mesmo as que nada tinham a ver com política.
No show de Moreno Veloso, Pedro Sá, Domenico Lancellotti e Tomas Cunha Ferreira, os músicos dedicaram a ele a canção “Liberdade”, arrancando aplausos da plateia lotada. O autor Gonçalo M. Tavares abriu a aula que ministrou sobre Saramago durante o evento fazendo um protesto pela libertação do angolano.
Na mesa que reuniu o jornalista angolano Rafael Marques, o escritor caboverdiano Jose Luiz tavares e o escritor mocambicano Ungulani Ba Ka Khosa, os três acordaram que é preciso suspender a greve de fome imediatamente.
— Não há razão para perdermos mais uma pessoa. Eles ( os 15 presos politicos, encarcerados desde junho, com julgamento marcado para novembro ) já conseguiram fazer o que nestes anos todos ninguém conseguiu: mobilizar a comunidade internacional — argumentou Marques.
Já tinham defendido a intervenção de Portugal no caso a escritora Helia Correia, prêmio Camões deste ano, o escritor Eduardo Lourenco, um dos autores portugueses mais importantes vivos, o escritor moçambicano Mia Couto, além do curador do Folio e colunista do GLOBO Jose Eduardo Agualusa, o também colunista do GLOBO Luis Fernando Verissimo (que, em sua fala, também manifestou apoio ao mandato de Dilma Rousseff, dizendo que “não é dilmista, mas legalista”), o escritor Gregorio Duvivier e o humorista português Ricardo Araujo Pereira.
Ao final do evento, que teve 200 escritores, 154 sessões literárias, 56 ilustradores, 11 livrarias, 37 conferências e um grande espetáculo musical diário, em 11 dias, os organizadores reconheceram o excesso de atrações, que estourou o orçamento inicial, em decorrência de acordos comerciais não cumpridos. Muitas atrações aconteceram simultaneamente, o que fazia com que algumas recebessem menos público do que o previsto.
Mesmo assim, a comissão de cinco curadores decidiu manter a estrutura grandiosa para o ano que vem, já tendo confirmado o nome do escritor italiano Umberto Eco, como O GLOBO antecipou ontem. “Havia uma aposta grande que o festival fosse inquestionavelmente o maior já feito em Portugal e Espanha. Vamos manter a estrutura inclusiva, sem abrir mão da qualidade dos encontros literários e das atrações de todas as artes”, respondeu, por nota, a organização do evento.
*Mariana Filgueiras viajou a convite do festival