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As brincadeiras de faz de conta pelos olhos das crianças

Antropólogo estudou o que os pequenos entendem por verdade e mentira
O antropólogo Guilherme Fians Foto: Arquivo Pessoal
O antropólogo Guilherme Fians Foto: Arquivo Pessoal

RIO - Numa brincadeira de faz de conta, o que é de verdade e o que é de mentira? As crianças são capazes de diferenciar realidade e fantasia, embora o limite entre as duas seja fluído para elas, diz o antropólogo Guilherme Fians. Durante quatro meses, ele acompanhou três turmas de três séries diferentes da educação infantil de uma escola particular do Rio para sua pesquisa de mestrado. A dissertação, defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia do Museu Nacional da UFRJ, sai agora no livro “Entre crianças, personagens e monstros: uma etnografia das brincadeiras infantis” (Ed. Ponteio, 184 páginas, R$ 39).

A infância há muito tempo é objeto de estudo da psicologia e da pedagogia, mas os trabalhos da antropologia sobre o assunto são mais recentes e escassos. Fians afirma que a psicologia, em geral, trabalha com a divisão entre realidade e fantasia através de testes e experiências. Já a pedagogia está mais preocupada com o que as crianças aprendem durante as brincadeiras. O seu objetivo era compreender as brincadeiras a partir do ponto de vista das crianças, o que se revelou rico.

— Os comportamentos das crianças só são pueris do ponto de vista dos adultos — afirma o antropólogo, em entrevista por telefone, de Manchester, na Inglaterra, onde cursa doutorado desde o mês passado.

A própria brincadeira, explica Fians, comporta uma verdade. Quando há a definição dos personagens que cada criança vai assumir, elas estão falando sério. É uma “mentirinha” que estabelece a brincadeira. No entanto, se há um conflito, um dos participantes pode dizer que não está mais brincando. A “mentirinha” acaba e volta a vigorar a verdade. Por outro lado, os pequenos diferenciam a mentira da “mentirinha”.

— Quando um chama o outro de burro, o ofendido diz: “eu não sou burro, ele está mentindo”. Mentir é moralmente condenável, mas a “mentirinha” faz parte da brincadeira. A distinção não é entre realidade e fantasia. Verdade e “mentirinha” estão dentro da mesma realidade — afirma Fians.

As entrevistas são muito usadas na pesquisa antropológica. Contudo, o antropólogo achou que seria mais produtivo trocá-las por conversas informais e a observação participante. Durante o tempo em que acompanhou as turmas, os alunos vinham lhe mostrar desenhos e o chamavam para participar das brincadeiras. Um desafio foi aprender os nomes dos personagens de sucesso entre a garotada, como “Ben 10” e “Plantas versus Zumbis”. No livro, Fians incluiu notas de rodapé explicativas para o leitor.

— Muitos deles gostavam do “Toy Story”, que é da minha época e era mais fácil. Os outros tive que correr atrás para descobrir — lembra o antropólogo de 24 anos.