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São Luís, mais uma feira e palestra. E os problemas recorrentes
PublishNews, Felipe Lindoso, 07/10/2015
Em visita à capital maranhense, Felipe Lindoso fala, em sua coluna dessa semana, sobre a situação das feiras de livros

Crianças e jovens em um estande de saldão da Feira do Livro de São Luís | © Facebook da feira
Crianças e jovens em um estande de saldão da Feira do Livro de São Luís | © Facebook da feira
Estou em São Luís, capital do Maranhão e Patrimônio Cultural da Humanidade por seu centro histórico. Vim convidado pela professora Mary Ferreira, da Biblioteconomia da UFMA, para conversar com as bibliotecárias na abertura do Simpósio que organizam em paralelo à FELIS – Feira de Livro de São Luís, que segue até o próximo dia 11.

Conversei, é claro, sobre os temas que venho tratando aqui e alhures há anos: bibliotecas públicas, acesso ao livro, programas de leitura. Enfim, políticas públicas. Apesar da greve da UFMA – os professores universitários devem realmente repensar suas formas de luta pois essas greves só prejudicam os alunos – havia um razoável número de alunos do curso, além das bibliotecárias já na ativa.

Para minha surpresa, uma professora – não bibliotecária, mas que cuida da biblioteca que existe em uma escola de ensino básico da cidade – levou uma turma de estudantes. Adolescentes e pré-adolescentes que prestaram atenção na conversa (ou pelo menos fingiram bem, não vi ninguém cabeceando), e alguns depois até fizeram perguntas.

Não vou repetir aqui os temas sobre os quais falei, que são, como disse, constantemente tratados neste espaço. O livro e a leitura na construção de uma cidade livre- título da palestra - foi campo aberto para compartilhar minhas reflexões.

No final, a professora Mary Ferreira resolveu fazer uma gincana entre os meninos para distribuir as sacolas disponíveis, com perguntas sobre autores maranhenses (vivos e mortos, mas sem ex-presidentes...) e os mais conhecidos no repertório dos livros sempre enviados aos colégios.

Para minha surpresa, responderam perguntas sobre Artur Azevedo (maranhense), Josué Montello, e sobre o indefectível poeta do Poema sujo. Mas nenhum deles se lembrou de um título do Machado de Assis. Realmente fiquei surpreso. Sempre pensei que nosso Bruxo, de tanto ser enviado para as bibliotecas escolares, suscitaria pelo menos uma lembrança. Ledo engano. Parece que, finalmente, os professores estão usando mais títulos de autores locais e, certamente, desses outros livros que a meninada anda devorando. Um citou o nome da autora do Harry Potter – corretamente – e outro do autor da série dos Bananas. Foi uma surpresa divertida.

O simpósio sobre bibliotecas acontece paralelo à Feira. Nessa, como sempre – a começar pelas Bienais – os estandes com saldos dominam, acaparando a atenção dos frequentadores. Já discuti isso em outros lugares e não vou voltar aqui. Algumas editoras – certamente apoiando-se em seus representantes locais – tinham estandes próprios: L&PM, Companhia das Letras, Moderna, Vozes. E lá estava o Belé, diretor da Expressão Popular, editora que é um braço do MST e tem editado livros de pensamento de esquerda, inclusive resgatando e publicando a preços populares alguns dos clássicos. A Expressão Popular foi quem publicou a primeira edição do K, o premiado romance do Kucinsky.

Belé cumpria ali a última etapa de uma maratona de feiras: Palmas, Recife e São Luís. Queixando-se, naturalmente, dos saldões e das livrarias evangélicas vendendo saldos de Bíblias.

Quero deixar claro, desde logo, que sou altamente favorável a essas feiras regionais e locais. Sempre representam uma oportunidade de contato entre autores e leitores. É também pretexto e mote para atividades como o simpósio organizado pelas bibliotecárias, que se transforma também em um foro de reinvindicações em torno das bibliotecas e programa de leitura, cumprimento da lei que obriga a existência de bibliotecas escolares e ações similares.

Mas as questões levantadas pelo Belé são recorrentes É um problema nas feiras de livros, de todos os portes. Só não existe nos festivais, como a FLIP e semelhantes. E é de difícil solução.

Por um lado, temos editoras que se dedicam às obras gerais e literatura para adultos. Por outro, toda a variedade que busca atender ao público jovem, assim como os que têm dificuldades de leitura (os livros de colorir, por exemplo). Para os primeiros, as visitações escolares, que levam as crianças até as feiras. E, finalmente, os saldões, que às vezes se confundem com o segmento anterior. E crescendo cada vez mais, as editoras e livrarias evangélicas, cada seita disputando seu público específico. Dito seja, que as sérias, como a Mundo Cristão e a Thomas Nelson, só aparecem através das livrarias locais, e em oferta tão escassa quanto à das obras gerais.

Belé sugeria que, pelo menos, houvesse uma distribuição na ordem das barracas de modo a evitar as confusões. “Tudo bem que eles (os evangélicos fundamentalistas, as igrejas dos malafaias da vida) estejam presentes. Mas colocar uma delas ao lado da Expressão Popular e de outras editoras, só causa confusão e pode dar origem a tumultos, com a falta de civilidade que anda por aí”.

O problema, pela minha experiência em feiras, é que as editoras de obras gerais depois certamente iriam reclamar que o público só circula entre os saldos e as religiosas. É um eterno impasse.

Uma parte da solução pode estar em uma seleção mais dinâmica dos autores convidados para a feira. Esses podem ser mais facilmente separados, e talvez uma distribuição de espaços para que se encontrem com seu público - sem afastar ninguém, é claro - poderia criar um direcionamento mais seletivo do público.

A solução mais original que vi é a da Feira de Guadalajara. São dois espaços, com o reservado exclusivamente para a visitação escolar separado do espaço das obras gerais. As editoras podem escolher ter estandes em um ou nos dois espaços. Mas é bom notar que o espaço das escolas tem uma programação de atividades muito bem feita, é um auditório para as estrelas desse segmento. A feira fica realmente muito mais tranquila e agradável para todos os públicos. Uma distribuição de espaços como essa talvez não seja viável na imensa maioria das feiras. A solução, portanto, não é fácil.

Não é, também, alguma coisa que milagrosamente vá surgir da cabeça de algum sábio. Só seria possível chegar a alguma – ou várias – soluções criativas, se houvesse uma disposição das entidades do livro de organizar uma discussão ampla, envolvendo os organizadores de feiras de porte variado, editoras e livrarias, de modo que as dificuldades ficassem mais claras e soluções mais criativas surgissem.

Inclusive para as Bienais que, apesar do ufanismo – sempre contrastante com a falta de entusiasmo com os resultados que muitos expositores, principalmente os menores e médios, expressam à boca pequena. As críticas existem, todos nós sabemos. Bancar a avestruz e fingir o contrário só levará a mais impasses e problemas.

Isso sem falar no abandono das discussões sobre a relação das feiras com as livrarias, assunto que jaz em silêncio desde que o cheque-livro foi sepultado pela CBL, há anos.

Afinal, esse tipo de iniciativa bem poderia ser algo para a qual, se as entidades de livros fossem realmente úteis no fortalecimento do mercado interno, deveriam fazer.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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