Cultura

Jovens autores publicam romances pós-premiações

Jacques Fux, Rafael Gallo e Marcos Peres reconhecem que a vida mudou

RIO - Jacques Fux, Rafael Gallo e Marcos Peres dividem suas carreiras em AP e DP: antes e depois dos prêmios. Os jovens escritores contam que o reconhecimento de competições como o Prêmio Sesc e o Prêmio São Paulo amplificou a repercussão de suas obras e transformou radicalmente suas atividades literárias. Agora, os três voltam a atrair as atenções — e os julgamentos — com seus primeiros livros DP.

— Não é exagero: minha vida mudou completamente depois do prêmio — diz Gallo, 33 anos, vencedor do Sesc em 2011 na categoria contos com “Réveillon e outros dias” (Record) e que agora lança “Rebentar”, pela mesma editora. — É algo que mexe com minha identidade desde a raiz.

Fux, 38 anos, garante que só depois de levar o Prêmio São Paulo na categoria autor estreante, com “Antiterapias” (Scriptum), passou a se considerar um escritor. “Brochadas”, seu novo livro, foi lançado recentemente pela Rocco. Já Peres, que arrebatou o Sesc de 2013 e o São Paulo de 2014 (também como estreante) com “O evangelho segundo Hitler” (Record) e que está de volta às prateleiras com “Que fim levou Juliana Klein” (Record), diz que precisou compreender novas funções do ofício:


Marcos Peres lança “Que fim levou Juliana Klein?”
Foto: Divulgação / Sandra Gonçalves
Marcos Peres lança “Que fim levou Juliana Klein?” Foto: Divulgação / Sandra Gonçalves

— Tive que aprender como eu devia me portar numa mesa literária e uma série de outras coisas que não faziam parte da minha rotina. Antes, muita gente nem sabia que eu era autor.

O romance de estreia de Peres, 30 anos, tratava do rancor de um homônimo de Jorge Luis Borges pelo escritor argentino. “O evangelho segundo Hitler” tinha no autor de “Aleph” um dínamo para movimentar o livro. Agora, “Que fim levou Juliana Klein” faz o mesmo com o alemão Friedrich Nietzsche.

É a partir do postulado do eterno retorno, teoria que versa sobre os ciclos repetitivos da vida, que a rixa entre duas famílias alemãs — os Koch e os Klein — atravessa o Atlântico e chega ao Brasil, mais precisamente à Universidade Federal do Paraná e à PUC de Curitiba.

Professores de Filosofia se veem envoltos em uma cadeia de crimes, que precisam ser desvendados pelo bronco detetive Irineu. Na opinião do autor, dialogar com grandes pensadores dá combustível para criar.

— Por outro lado, é sempre perigoso colocar um mote como esse num romance. Você precisa fazer o leitor compreender o máximo possível, de maneira que não fique acadêmico demais — diz Peres, para quem Borges e Nietszche servem como “muleta argumentativa”.

O tempo também é a senha para “Rebentar” assim como Borges, citado na epígrafe do livro: “O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo.”


Rafael Gallo é o autor de “Rebentar”
Foto: Divulgação
Rafael Gallo é o autor de “Rebentar” Foto: Divulgação

Na história, é a personagem Ângela que precisa lidar com o tique-taque do relógio. Seu filho Felipe, de apenas 5 anos, desaparece, e ela leva 30 anos à sua procura. Quando desiste de encontrá-lo, tem que reestruturar a própria vida, a partir de quase nada.

— É através do tempo que Felipe, o filho, se perde também — explica Gallo. — Ângela o perde não somente pelo rapto na galeria, momento urgente em que o tempo se despedaça, mas finalmente porque, passadas três décadas, ela sente que Felipe já não poderia ser mais o filho que teve, e ela não poderia ser a mãe dele tampouco. Felipe seria um homem, um estranho. E, voltando ao que disse sobre o amor, que na minha opinião não é uma ligação gratuita, mas sim algo que se constrói dia a dia e com dedicação, esse laço não estaria presente, ao menos não da mesma forma, com alguém com quem você não dividiu a vida. Esse é o sentimento de Ângela, e ele está intimamente ligado à passagem do tempo, à deterioração causada por essa passagem.

“A ILÍADA DA IMPOTÊNCIA”

Ao contrário de Gallo e Peres, Fux aposta num livro bem-humorado, onde escreve a “Ilíada da impotência”. Em “Brochadas”, ele elenca uma série de frases sobre o assunto, atribuídas a nomes que vão de Platão a Ernest Hemingway. E, mais uma vez, numa espécie de eterno retorno literário, Borges volta a ter papel de destaque. O argentino é citado para justificar as fontes de pesquisas adulteradas e/ou inventadas.


O escritor Jacques Fux lança o seu novo romance “Brochadas”
Foto: Divulgação
O escritor Jacques Fux lança o seu novo romance “Brochadas” Foto: Divulgação

— O Borges talvez tenha sido o inventor disso. Eu brinco com a realidade porque tudo é ficção. Essa é a liberdade da literatura. Subverti frases de Montaigne e Santo Agostinho para que elas se encaixassem no livro. Você pode se ater às referências, mas pode jogar com elas — diz Gallo.

A fronteira entre real e falso é marcante em “Brochadas”. Usando as frases de efeito como base, o autor reproduz dezenas de e-mails que teria trocado com as pessoas com quem falhou na cama. A certa altura, ele escreve: “Por isso estou indo ao limite da criação, conversando com os próprios ‘personagens’ e pedindo que eles participem da obra. Escrevi um capítulo sobre você, mas, confesso, está muito pesado”.

Por três caminhos diferentes, os jovens autores tentam provar que são bem mais do que one-hit wonders . Mas afirmam que não se impuseram qualquer tipo de pressão:

— Autores querem ser lidos. Escrever depois de um prêmio me dá muito mais motivação do que medo — diz Fux.