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Na Bienal do Livro, Míriam e Matheus Leitão discutem busca por delator da ditadura militar

Mãe e filho conversaram no auditório do espaço Cubovoxes nesta terça-feira
Miriam e Matheus Leitão na Bienal do Livro Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo
Miriam e Matheus Leitão na Bienal do Livro Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

RIO — A jornada de Matheus Leitão em busca do homem que delatou seus pais durante a ditadura militar foi o tema central do debate "Família, memória e sociedade". A conversa entre o jornalista e sua mãe, Míriam Leitão, foi realizada no auditório do Cubovoxes, espaço jovem da Bienal Internacional do Livro do Rio. Na mesa desta terça-feira, com mediação de Simone Magno, ele contou como decidiu começar a pesquisar o passado de sua família.

— Aos 12 anos, meu pai sentou comigo no sofá e contou que eles haviam sido presos pelos militares. Minha primeira reação foi achar que eles haviam feito algo errado. Fiquei curioso para entender aquela história. A partir daquele dia, transformei essa busca em um quebra-cabeça particular, e a pesquisa durou muitos anos.

No ano passado, depois de analisar diferentes fontes de pesquisa, ele chegou até Foedes Santos, ex-dirigente da célula capixaba do Partido Comunista do Brasil, então na ilegalidade. O militante recrutou os pais de Leitão para a luta contra o regime autoritário que tomou o poder em 1964.

Por razões pouco explicadas até então, ele revelou em 1972 os nomes de diversos ativistas ligados ao grupo, um dos responsáveis pela Guerrilha do Araguaia. Todos acabaram presos, torturados e, em dois casos, mortos.

A conversa com o carrasco de sua família aconteceu em um sítio do Espírito Santo e foi publicada em uma longa reportagem no site de jornalismo independente "Brio". A pesquisa deve virar livro em breve, pela editora Intrínseca. Matheus contou que Santos pediu perdão pelo que fez e que alegou ter sofrido tortura nos porões.

— Muitas pessoas que o viram na prisão relatam que ele não aparentava ter sido torturado — pontuou Míriam, que disse o que sentiu ao ver as imagens: — Foi impactante, só li a reportagem depois de publicada. Era verão, mas mesmo assim senti muito frio e comecei a tremer. Só então lembrei que, quando estive presa, tive a mesma sensação dentro da cela.

Segundo Míriam, a conjuntura política empurrava os jovens para o radicalismo ao impedir qualquer tipo de associação e participação política de oposição dentro da legalidade. Ela contou ter sido torturada dentro das dependências do Exército Brasileiro no Espírito Santo (ES).

— Na sala de tortura havia uma imagem do Duque de Caxias, para deixar claro onde eu estava — disse. — Quem não admite que errou, não está livre de seu erro.

Para Matheus, os países latino-americanos lidaram melhor com o fim de seus regimes ditatoriais. A Argentina, por exemplo, encarcerou seus torturadores, e o Chile construiu o Museu dos Direitos Humanos para documentar toda sorte de violações acontecidas durante o regime de Augusto Pinochet.

Míriam salientou que aqueles que, durante as manifestações, pedem a volta dos militares no poder não têm dimensão do que aquilo representou no passado. Segundo ela, existe um pacto democrático nos dias de hoje que impede que um novo golpe volte a acontecer.

— A democracia tolera tudo, inclusive as pessoas pedindo o seu fim. Sei que essas pessoas são minoria, mas se houver uma pessoa defendendo ditadura, isso já é demais. Devemos lutar contra a corrupção e, ao mesmo tempo, preservar a democracia.