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Exposição no Sesc Ipiranga reúne 250 fotos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro

Mostra ‘Variações do corpo selvagem’, que começa em 29 de agosto, em São Paulo, terá programação paralela com seminário e shows

Hélio Oiticica como adepto de Dionísio no filme “O Segredo da Múmia”, de Ivan Cardoso
Foto: Divulgação/Eduardo Viveiros de / Divulgação/Eduardo Viveiros de Castro
Hélio Oiticica como adepto de Dionísio no filme “O Segredo da Múmia”, de Ivan Cardoso Foto: Divulgação/Eduardo Viveiros de / Divulgação/Eduardo Viveiros de Castro

RIO - Os primeiros contatos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro com povos amazônicos, que deram origem às teses expostas em livros como "A inconstância da alma selvagem" e "Metafísicas canibais", estão registrados nas fotografias que fez durante o trabalho de campo com os índios Araweté, Yanomami, Yawalapiti e Kulina, entre meados dos anos 1970 e início dos 1990. Parte dessas imagens será exibida pela primeira vez na exposição “Variações do corpo selvagem”, no Sesc Ipiranga, em São Paulo, entre 29 de agosto e 29 de novembro. A mostra reúne ainda registros de sua colaboração, nos anos 1970, com o cineasta Ivan Cardoso, mestre do gênero “terrir” e diretor de filmes como “O segredo da múmia” (1982) e “As sete vampiras” (1986).

A exposição também debaterá as relações entre as teorias do antropólogo e as artes e o pensamento contemporâneos, em um seminário internacional nos dias 27 e 28 de outubro. Ao longo de toda a mostra, haverá uma programação paralela com shows, performances, espetáculos teatrais e contação de histórias para crianças, reunindo artistas como Arto Lindsay, Jards Macalé e Tom Zé. A programação completa está no site do Sesc .

As duas vertentes de fotos de Viveiros de Castro — aquelas feitas quando trabalhava com Ivan Cardoso e os registros do trabalho de campo — não serão apresentadas em separado na exposição. Estarão mescladas em quatro núcleos organizados em torno de trechos de obras e entrevistas do autor. Para os curadores, a escritora e crítica de arte Veronica Stigger e o poeta e crítico literário Eduardo Sterzi, o que aproxima as 250 imagens reunidas na mostra é a atenção ao corpo.

— Mas não qualquer corpo, ou não o corpo em qualquer situação, mas sobretudo o corpo flagrado em transformação, ou antes, para usar um termo de Viveiros de Castro, o corpo no momento de sua “fabricação” — diz Stigger, coautora com o antropólogo do livro infantil “Onde a onça bebe água”. — É essa experiência constante do limiar que chamamos de “variações do corpo selvagem”.

Isso está presente tanto nos registros de pinturas corporais indígenas e da ação dos xamãs quanto nas fotos de parangolés de Hélio Oiticica e do rosto pintado de Waly Salomão, artistas com quem Viveiros de Castro conviveu. Segundo o antropólogo, o corpo é “objeto e conceito em torno do qual gira crucialmente" seu trabalho.

Wilson Grey e Felipe Falcão em O Segredo da Múmia, de Ivan Cardoso, 1981. Foto: Divulgação/Eduardo Viveiros de Castro
Wilson Grey e Felipe Falcão em O Segredo da Múmia, de Ivan Cardoso, 1981. Foto: Divulgação/Eduardo Viveiros de Castro

— Mas “selvagem” aqui não tem o sentido exclusivo de “índio”, e sim o de exploração de formas não canônicas de experimentar, estética, filosófica e existencialmente o corpo como instrumento de pensamento — diz Viveiros de Castro.

Outro elemento importante da obra de Viveiros de Castro presente nas fotos é a reflexão sobre pontos de vista. Embora não usasse a fotografia como instrumento etnográfico em seu trabalho de campo, algumas imagens da exposição sublinham seu interesse pelo olhar dos indígenas sobre si mesmos e sobre os brancos. Numa das fotos, um índio olha através da filmadora super 8 do antropólogo em uma aldeia Yawalapiti do Alto Xingu. Em outra, um grupo de índios Araweté assiste a um filme do cineasta Murilo Santos sobre eles.

Esses traços poderiam ser relacionados às teses de Viveiros de Castro sobre o perspectivismo. Em "Metafísicas canibais", ele escreve que, em contraposição à prática corrente na antropologia de procurar descrever "o ponto de vista do nativo", o perspectivismo tem como "tarefa" descobrir "o que é um ponto de vista para o nativo", ou seja, "qual o ponto de vista nativo sobre o conceito antropológico de ponto de vista?"

— Foram os curadores que descobriram a relação entre minha atividade como fotógrafo (algo que eu fiz de modo completamente amador e, pensava eu, desvinculado de meu trabalho de campo propriamente etnográfico) e o conteúdo conceitual de meus escritos sobre o perspectivismo — diz Viveiros de Castro.

Para os curadores, há uma relação complexa entre as fotos amazônicas do antropólogo e suas teses:

— As fotografias não são exatamente antecipações, muito menos ilustrações, do perspectivismo ameríndio. Mas acreditamos que exista, na trajetória de Viveiros de Castro, uma relação analógica ou, digamos, poética entre fotografia e teoria, que buscamos ressaltar na exposição — diz Sterzi.