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Apesar da liberação, autor de biografia de Guimarães Rosa hesita em relançar o livro

Proibida desde 2008, obra terá trechos suprimidos caso seja reeditada
Guimarães Rosa Foto: Arquivo
Guimarães Rosa Foto: Arquivo

RIO - Ainda não é desta vez que os fãs do autor de “Grande Sertão: Veredas” terão acesso à biografia “Sinfonia de Minas Gerais — A vida e a literatura de Guimarães Rosa”, lançada em 2008 por Alaor Barbosa dos Santos e imediatamente cassada pela família do escritor, que conseguiu, na Justiça, tirá-la de circulação. Apesar da decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira passada, liberando definitivamente a comercialização do volume, conforme noticiou a coluna Gente Boa, domingo, no GLOBO, agora é o próprio Alaor quem faz ressalvas: de acordo com ele, o livro só volta às prateleiras depois de passar por modificações no texto, processo que ainda não tem previsão de conclusão.

— Não quero recolocar o livro no mercado tal como ele está. Essa decisão final do STF ainda é bastante recente. Fiquei muito feliz, porque finalmente coloca-se uma pá de cal sobre este assunto. Mas nem falei com meu editor ainda. São sete anos de luta árdua, foi tudo muito desgastante, gerou muita ansiedade e expectativa, sofrimento atroz meu e da minha família. Ainda estou assimilando a notícia, por isso não há nenhuma previsão de relançamento do livro — explicou Alaor, por telefone, de Goiânia. — Nesse meio tempo, surgiram muitos fatos novos na vida de Guimarães Rosa, a vida dele recebeu muitas iluminações novas, trazidas pela divulgação de trechos do seu diário, por exemplo. Além disso, se eu vier a reeditar a biografia (neste momento, o autor hesita sobre o relançamento) vou suprimir citações ao outro livro (“Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu pai”, de Vilma Guimarães Rosa. O autor foi acusado de plágio por ela e pela Nova Fronteira na ação judicial que retirou o livro de circulação, interpretação posteriormente revogada). Não porque eu aceite a acusação de o livro dela ter sido citado em excesso, mas porque eu gostaria de reduzir bastante a presença dela no meu livro.

Indenização de R$ 600 mil

Na decisão final, o ministro Gilmar Mendes afirmou que “(...) A irresignação da herdeira do renomado escritor, ao lado da editora com a qual tem contrato de edição se limita ao teor de parcas e meras opiniões externadas”.

Representante da LGE, editora que lançou a biografia em 2008, o advogado Daniel Campello Queiroz diz que o próximo passo da empresa será ajuizar uma ação contra a Nova Fronteira, para reaver os prejuízos pelos sete anos em que o livro foi proibido, além dos gastos que a editora teve para armazenar os cerca de 3 mil exemplares inutilizados. O pedido de indenização deve chegar a R$ 600 mil.

— Estamos calculando que o livro deixou de ter por volta de seis edições, com perda de cerca de R$ 100 mil cada. Nos baseamos nos números de vendagens de outras biografias, como a do bispo Edir Macedo ou a do cantor Tim Maia — explicou o advogado, otimista. — Acredito que haverá acordo. Eles entendem que houve muito prejuízo.

A briga é antiga: em setembro de 2008, o juiz Maurício Magnus, da 24ª Vara Cível do Rio de Janeiro, concedeu tutela provisória ao pedido da filha de Guimarães Rosa, Vilma Guimarães Rosa, que acusava Alaor Barbosa dos Santos de não ter pedido sua autorização para escrever a biografia, e também por plagiar seu livro sobre o pai, editado pela Nova Fronteira. Em agosto de 2013, o mesmo juiz revogou a proibição de 2008 depois do resultado da perícia judicial, feita em 2011, que rejeitou a alegação de plágio. De acordo com a perícia, a biografia de Alaor fazia 103 citações ao livro (aproximadamente 9% do total de linhas da obra).

Em outubro de 2014, a 2ª Câmara Cível do Rio de Janeiro negou recurso e confirmou a sentença dada pelo juiz da primeira instância. O parecer da desembargadora Elisabete Filizzola atestava: “sequer a intimidade da vida privada do biografado chegou a ser posta em risco”. No início deste mês, em outro processo, nova contenda: a 4ª Câmara Cível do TJ/GO condenou Vilma a indenizar Alaor em R$ 50 mil por tê-lo ofendido nos jornais “O Popular”, “Folha de S.Paulo” e “Correio Braziliense”, à época do lançamento do livro, chamando-o de “mentiroso, doido e nojento”.

A Nova Fronteira preferiu não se pronunciar sobre o caso. Procurado, o escritório Dain Gandelman e Lace Brandão, que representa Vilma, não respondeu à solicitação para comentar o caso.