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Feira de Bogotá: em homenagem a García Márquez, Alberto Manguel defende importância de lugares imaginários

Escritor argentino defende que locais fictícios muitas vezes têm mais realidade que cidades verdadeiras


Alberto Manguel faz homenagem a Gabriel García Márquez Foto: Iván Herrera / Divulgação
Alberto Manguel faz homenagem a Gabriel García Márquez Foto: Iván Herrera / Divulgação

BOGOTÁ — Foi uma ode aos lugares fictícios a conferência do escritor argentino Alberto Manguel, na tarde de quinta-feira, na Feira Internacional do Livro de Bogotá (Filbo), que ocorre na capital colombiana até dia 4 de maio. O autor do livro "Dicionário dos lugares imaginários" (Companhia das Letras), um guia turístico por territórios que só existem na literatura escrito com Gianni Guadalupi, afirmou que locais como Macondo têm "mais realidade" que cidades reais. E podem ajudar os leitores a ver coisas que não poderiam ver de outro modo.

— Há uma coisa que aprendemos ao escrever esse livro. Estamos convencidos de que uma cidade como Bogotá existe, que a Colômbia é um país. Mas esses lugares têm muito menos realidade que os lugares da ficção — afirmou Manguel. — Macondo tem uma realidade muito mais profunda que Bogotá. Ela é a imaginação universal. Tem raízes que outros lugares não tem. Há lugares que anseiam ser tomados pela ficção, cobram uma realidade imaginária. Melville disse que Moby Dick tinha dois lugares que não existiam, porque os lugares verdadeiros não estão nos mapas.

Numa conferência que arrancou risos da plateia, o famoso ensaísta explicou a gênese do "Dicionário de lugares imaginários". Ele lembrou que há poucos lugares imaginários na América Latina, por ser essa uma tradição principalmente anglo-saxã: presente, por exemplos, nas ilhas de Gulliver, Robinson Crusoé e Thomas Morus, criador da Utopia.

— Essas três ilhas são os modelos para a geografia imaginária. Os lugares imaginários cobram realidade da mente do leitor. Essa necessidade dos locais reais de obedecerem às leis da física não faz sentido na criação literária.
O "Dicionário", explicou, surgiu da ideia do outro autor, Gianni Guadalupi, de escrever um guia turístico para "A cidade vampiro", romance do francês Paul Féval. A ideia era dizer onde se podia comer e dormir — ou onde não se devia comer nem dormir de jeito nenhum — na cidade vampiro. E se expandiu para outros lugares fictícios.

Como eram muitos, foi preciso cortar para o livro não ficar grande demais.

— Tiramos todos os céus e infernos. Também lugares que são reais, mas apenas recebem um outro nome, como a Combray de Proust. Também tiramos os universos paralelos. Mas calculamos quanto tempo o Tarzã demorava da cidade dos romanos para o litoral. Calculamos quanto tempo um homem forte como ele gastaria para chegar à costa remando. Nos divertimos como loucos! — afirmou Manguel.

A palestra de Manguel ocorreu num espaço que tenta materializar um lugar fictício: o pavilhão de Macondo, "convidado de honra" da Feira de Bogotá deste ano, que pela primeira vez não homenageia um lugar de verdade. No espaço, estão as máquinas inventadas por Aureliano Buendía e a cozinha de Úrsula, onde chefs preparam pratos inspirados em descrições do livro mais famoso de Gabriel García Márquez.

Manguel aproveitou a ocasião para relembrar a primeira vez que leu "Cem anos de solidão".

— Não havíamos visto nada parecido. Descobrimos Macondo e acreditamos em Macondo. Nossa noção de geografia latino-americana era longe de ser perfeita: então, Macondo começou para nós como sendo real, porque suas descrições citavam locais de verdade, como Barranquilla — afirmou o escritor. — Quando descobri que Macondo era o pseudônimo de um lugar que representava a Colômbia, senti que aquele lugar tinha uma realidade profunda. Só mais tarde me perguntei por quê. E acho que é porque Macondo tem a imaginação universal. È um mito que substitui outros.
O argentino concluiu manifestando seu encanto pela estrutura do romance:

— O que me marcou lendo o livro foi a noção de que é um romance que se estica no tempo, embora permaneça fixo no espaço, criando uma universalidade — disse. — É o que ocorre com as grandes obras primas, como "Dom Quixote" o "A divina comédia". Elas centram-se em uma geografia imaginária, mas em um tempo que é universal. E não se acaba nunca.

* O repórter viajou a convite da Invest in Bogotá