Previsões de Grandes Mudanças no mercado editorial precisam de especificidade para serem úteis
PublishNews, 12/03/2014
Previsões de Grandes Mudanças no mercado editorial precisam de especificidade para serem úteis

Um post recente que gerou muitos comentários e outro no FutureBook do estimado Brian O' Leary, me ajudaram a formular algumas ideias que espero possam ser úteis para avaliar qualquer post sobre a “Grande Mudança” que vai acontecer no mercado editorial. E eles, na verdade, surgem constantemente.

O post de O’Leary é sobre um tema que ele trata de forma persistente, que é que a comunicação, que em seus escritos parece confundir com edição, está passando a ser uma conversa com links e continuidade em vez de um pacote com conteúdo estático (como um livro ou uma revista). O post sugere que os “livros”, como são agora, vão surgir das conversas.

Isso me lembra um comentário que ouvi há alguns anos do pai da edição digital, David Worlock. David me disse, “claro, com o tempo, o número de livros criados dentro da rede deverá ser maior que o de livros criados fora da rede”. Por “rede”, David queria dizer “Internet”.

Não sei quanto “com o tempo” David estava pensando, mas eu imagino que seja “décadas”. E dentro desta perspectiva, eu concordo.

A outra sabedoria de muito tempo atrás que eu fico me lembrando quando leio previsões sobre o futuro da leitura digital é o que sempre foi dito por Mark Bide quando começamos nossas conferências “Publishing in the 21st Century” para a VISTA (agora Publishing Technology) nos anos 90. Mark sempre lembrava a audiência que “a edição de livros envolve empresas muito diferentes” assim todo mundo deveria ter claro que o que estávamos falando sobre o negócio poderia não se aplicar à ciência-tecnologia e o que falávamos sobre livros para advogados e contadores não se aplica a editoras de livros educativos. O que unia todo mundo era a forma do “livro”, que já era então um princípio unificador fraco para o que eram realmente muitos negócios diferentes.

Isso agora é ainda mais verdade do que quando Mark costumava repetir, há 15 ou 20 anos. Na área comercial, que é a parte do mercado editorial que melhor conheço, estamos vendo que o negócio da publicação de ficção de gênero é diferente dos livros infantis, que é diferente dos livros de não-ficção sérios, que é diferente dos manuais ilustrados, que é diferente da ficção séria. Livros de viagem e manuais de computação sofreram uma séria erosão, e alguns esperam que aconteça o mesmo com os livros de receitas, se já não aconteceu. Eu baseio esta noção na minha crença de que os livros de receita, como os de viagem e os de computação, são livros onde “a unidade da apreciação não se iguala à unidade da venda”. O ’Leary fala de uma forma diferente, mas defende uma posição parecida:

O uso da mídia em pacote como a forma dominante de conteúdo compartilhado está terminando. Esta tendência já afetou jornais, revistas e alguns tipos de editoras de livros. Como os leitores querem personalizar seu próprio consumo de conteúdo, ele vai continuar.

Isso me faz confessar que eu, confiante e equivocadamente, previ nos anos 1990 a um amigo próximo profundamente envolvido com jornais de que eles estariam “mortos em cinco anos”. Eu via o que Brian está falando: que a ideia da mídia vendida em pacote encontra seu alvo quando as pessoas puderem organizar elas mesmas o que quiserem. E eu estava na direção correta em se tratando dos problemas que a indústria do jornal estava enfrentando. Mas o The New York Times ainda é entregue na minha porta a cada manhã (apesar de que geralmente eu leio na cama em meu iPhone antes de cruzar o apartamento para pegar a versão em papel) e a maioria das cidades norte-americanas ainda tem um jornal diário, apesar de que muitos deles desapareceram.

A extensa discussão nos comentários do post anterior tinha a ver com até que ponto as editoras servem aos autores, e até que ponto os autores estão melhores deixando as editoras e trabalhando sozinhos. A menos e até que as editoras transformem o marketing digital em escala numa proposta claramente persuasiva, o poder delas para servir aos autores vai diminuindo de verdade com cada livraria fechada. Quanto menos dependente um livro for da livraria (ou das lojas de tijolo), menos benefícios adicionais em vendas e exposição podem ser entregues por uma editora (apesar de que adiantamentos e alguém para cuidar dos aspectos de negócio de como publicar um livro ainda pode ser tanto útil quanto persuasivo para muitos autores). Espaço em prateleiras de livrarias, e livros impressos, parecem estar sofrendo uma lenta erosão nos últimos dois anos mais ou menos, mais do que nos anos anteriores. Michael Cader defendeu uma posição convincente que realmente sabemos ser verdade. Mas, mesmo se aceitarmos o fato, se a erosão continuar isso vai afetar livros e autores em graus diferentes.

Quando eu estava lendo o post de Brian, que defende entregar informações com muitos links que permitam que o leitor faça sua própria exploração do tópico em questão, penso no livro que estou lendo agora. É o excelente livro de Doris Kearns Goodwin: The bully pulpit. É complexo e a rede está carregada de material (sobre Theodore Roosevelt, William Howard Taft e um conjunto de personagens que eram os jornalistas de escândalo da época) que poderiam fornecer fatos adicionais, profundidade e cor. Mas o mais valioso aqui é que Goodwin organizou tudo isso e muito mais para escrever uma história espetacular bastante complexa. É o que comprei e estou desfrutando. “Enhancements” quase certamente diminuiriam seu valor central para mim, como leitor. Links seriam apenas distrações que me fariam perder o fio da história coerente.

Mesmo, assim, o que Brian está dizendo poderia ser verdade para mim se eu estivesse lendo um livro que explicasse alguns aspectos de economia ou tecnologia. E poderia ser verdade para um estudante de história que estivesse lendo The bully pulpit.

Assim, generalizações sobre o mercado do livro, vindo de um autor autopublicado ou um especialista na indústria como O'Leary, realmente exigem que façamos um pouco de análise para torná-las úteis. Estamos indo na direção de uma conversa construtiva se fizermos três perguntas sempre que alguém afirmar que vamos ver uma Grande Mudança no negócio do livro.

1. Quais livros, exatamente, devemos esperar que sejam afetados por esta Grande Mudança em particular? Isto é necessário para especificar agora que a maioria das pessoas concorda que “livros” se tornou uma generalização inútil.

2. Em quanto tempo podemos esperar que essa mudança seja significativa na utilidade percebida e, portanto, na demanda, dos livros? Quer dizer, estamos falando de uma mudança que já está acontecendo e é evidente, com um impacto comercial (livros de viagem estão sofrendo já faz alguns anos) ou algo que esperamos ver no futuro (leitores abandonando formas mais longas e preferindo conteúdos mais curtos) para o qual só temos provas insuficientes na realidade comercial atual?

3. Existe a possibilidade de que, independente de qual for a Grande Mudança, as editoras estarão bem posicionadas para afetar, controlar ou se acomodar? Brian sugere, e eu concordo 100%, que a resposta é “no geral, não”. Sendo este o caso, a previsão de que a Grande Mudança não deveria necessariamente ser acompanhada pela prescrição de que a editora deveria mudar seu comportamento para enfrentá-la, apesar de que me parece que quase sempre é.

Esta última questão é muito importante. Editoras, como todas as empresas, são bem-sucedidas de acordo com a força de sua expertise e sua rede comercial. Muitos concordariam que a função dos livros infantis e dos manuais de artesanato poderia ser melhor cumprida se utilizassem elementos que são possíveis digitalmente, - animação, vídeo, interatividade, áudio - o que melhoraria a utilidade de uma versão digital por sobre a de um livro impresso. Mas isso significa que as editoras de livros de hoje poderão “dominar” este negócio futuro, se tanto as exigências criativas e o marketing ou a distribuição estão distantes de sua experiência anterior?

Uma editora de livros de viagem criou a Trip Advisor? A Cookstr, criada por uma editora, dá melhor assistência digital para a preparação de comidas melhor do que allrecipes.com ou cookbooks.com ou betterrecipes.com? Não é preciso pensar muito para ver que o conjunto de habilidades de uma editora pode não ser o melhor para construir um negócio interativo na internet onde o conteúdo é um componente da estratégia, mas todo o resto é diferente de livros.

Com o tempo, espero que o mercado editorial vá ficando mais inteligente, com aumento ou diminuição do consumo de livros. Entre as razões para isso é que, com o tempo, a invasão de entidades de autopublicação será ainda mais forte do que foi a de autores autopublicados. Outra razão é que a disseminação de informações que acontecia em livros será transferida para outro lugar. Pode ser verdade que o apetite do público em geral por ler formas mais longas vai diminuir, apesar de que qualquer editora com distribuição digital pode resolver isso mudando a mistura do que publicam.

Generalizar sobre o que estas mudanças significarão, ou dar conselhos que não são informados e comprometidos por uma compreensão de como algum livro ou autor em particular ou programa de publicação se encaixa no tempo e na escala de alguma mudança em particular, tem a mesma possibilidade de estar errado e ser perigoso quanto de estar correto e ser iluminador.

Então lembrem-se da reprimenda de Bide, de década atrás, de que a indústria do livro não é uma só indústria. É uma generalização sobre livros e comércio que se mostrou verdade por mais de um século e vai continuar a ser verdade enquanto os livros - impressos ou conceituais - continuarem a ser algo que vale a pena discutir.

Tradução – Marcelo Barbão

Texto originalmente publicado aqui.

[11/03/2014 21:00:00]