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A massa, a rede e o indivíduo
PublishNews, 11/07/2013
O poder do digital transforma leitores — e a política

“Só com 15 anos. Com 15 anos a minha primeira vez! Lembro que toda a cidade se reuniu na praça, ligaram o gerador e então ligaram a televisão. Todo mundo esperando. Mas o aparelho não acendia! Não aparecia nada, só se ouvia. “Iaba-daba-du!”. Eram os Flinstones. Ninguém via nada, só ouvia. “Viiiilma!” Foi a minha primeira vez. O mundo vai mudando, né? A gente não pode ficar para trás”.

Esse foi o depoimento de uma senhora, que veio conversar comigo depois da palestra das excelentes Camila Cabete e Gabriela Dias, na Casa Kobo/Cultura, na Flip. Eu não estava na mesa, mas isso não impediu que eu emitisse meus longos palpites sobre a cultura digital, e o comportamento dos que já estão nascendo conectados. Falei sobre minha geração, que nasceu eletrônica, mas que precisava compreender como é ser conectada, aprender, por exemplo, que um livro não é o papel em que está impresso. Essa senhora encarou um desafio mais complicado: migrar do mundo acústico e analógico, pré-televisão, para o mundo eletrônico, e agora está empenhada em a integrar-se à terceira camada, o universo digital.

Podemos aproveitar o depoimento dessa (jovem) senhora em Paraty para mapear a relação entre as pessoas e a comunicação eletrônica.

Em meados dos anos 1950, as pessoas da comunidade se reuniam na praça, para assistir ao único canal que estivesse passando (se as válvulas colaborassem). Nos anos 1970, para se assistir televisão já se ficava em casa (ou na do vizinho), mas cada lar tinha um único aparelho, e a família assistia uma entre três ou quatro opções de canais. Nos anos 1990, já era possível ter alguns aparelhos em casa, e, com o cabo, já dava para os membros da família escolherem o que assistir, respeitando os horários oferecidos. E aí chegou a internet. Na década de 2010, com sistemas de video on demand e a pletora de computadores e smartphones, o indivíduo já assiste o que quer, na hora que quer. Chega-se a discutir se a televisão terá futuro.

A evolução é clara: comunidade — família — membros — indivíduo. Há também uma transferência evidente de poder: se, há 60 anos, a televisão deslocava a comunidade inteira para a praça, para exibir uma única opção, hoje a escolha do que assistir e de quando assistir cabe a cada pessoa com seu smartphone.

A televisão (meio de comunicação em massa por primazia) fornece um exemplo claro, mas a evolução do comportamento e da situação do telespectador é a mesma do leitor — que transita de um papel passivo (consumindo livros, no formato impresso, invariável e exigindo a presença física) para o ativo (conversando e expandindo o texto, digital, disponível onde o leitor quiser; tornando-se também publicador).

Essa evolução massa — indivíduo provocada pela internet é também evidente na política, e os fenômenos recentes (as “manifestações de junho”) poderiam ser explicados por esse prisma.

O aumento do poder do indivíduo vem com a queda do poder da massa. Isso significa que ideias (ideais, ideologias) simplificadas para abranger o maior número possível de pessoas perdem efeito, tornam-se inócuas. Pessoas em rede não precisam se aglutinar em ideias: têm mais opções, têm mais controle, têm mais informação (e mais desinformação). A lógica até agora tem sido o do partido, ou do feixe: muitos galhos fracos amarrados a uma só ideia ficam fortes para competir com outros feixes, à esquerda e à direita. O que começa agora a se impor é a lógica da rede: todos conectados a todos e a todas as ideias, à direita, à esquerda, mas também acima, embaixo, antes e depois.

Isso explicaria a notada ausência de partidos, ou o apartidarismo, que tantos confundem com antipartidarismo. É um conceito muito difícil de entrar na cabeça das pessoas do século passado, como você e eu — o acúmulo do poder no indivíduo em uma sociedade eletronicamente conectada a ponto de prescindir de uma conexão social física baseada em uma identidade comunal, um partido, uma igreja, um time.

Mas também não seria nada fácil explicar para um cidadão dos anos 1970 que a televisão é o que você quer, quando quer, e está na palma de sua mão. Ou explicar para um leitor de 20 anos atrás que quase todo livro que ele quiser está, potencialmente, na caixinha preta que ele está segurando.

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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